Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

Documentário sobre guerra cibernética choca em Berlim

‘Zero Days’, de Alex Gibney, fala do vírus conhecido como Stuxnet, criado para retardar o programa nuclear iraniano, e revela a existência de um plano dos Estados Unidos para desabilitar a defesa aérea do país no Oriente Médio

Por Mariane Morisawa, de Berlim
18 fev 2016, 14h11

Zero Days, exibido em sessão oficial na noite da quarta-feira (17), dentro da competição do 66º Festival de Berlim, deixou a plateia em choque com seu misto de documentário, suspense, James Bond e filme de terror. O prolífico Alex Gibney, que só no ano passado lançou Going Clear: Scientology and the Prison of Belief, sobre a controversa religião, Steve Jobs: The Man in the Machine e Sinatra: All or Nothing at All, volta-se para um tema urgente e polêmico: a guerra cibernética. Especificamente, fala sobre o “malware”, um tipo de vírus de computador, apelidado de Stuxnet, criado para atrasar o programa nuclear do Irã. Ele infectou a planta de Natanz, que fica a 21 metros de profundidade, cercada de paredes de concreto e guardas, com computadores fora da rede.

O Stuxnet instruía as máquinas a se comportar de maneira destrutiva enquanto informava a seus operadores que tudo estava bem. A criação de um vírus tão sofisticado implantado num local de tão difícil acesso não poderia ser obra de hackers individuais ou mesmo grupos políticos, mas, sim de governos. No caso, dos Estados Unidos e Israel, com participação do Reino Unido.

O cineasta está acostumado a mexer em vespeiros – fez Taxi to the Dark Side (2007), sobre a tortura e os interrogatórios praticados pelos americanos na Guerra do Afeganistão, pelo qual ganhou o Oscar, e We Steal Secrets: The Story of WikiLeaks (2013), sobre o site criado por Julian Assange, que divulga documentos secretos. Mas ele mesmo se mostra frustrado com a falta de cooperação de seus entrevistados, gente como o General Michael Hayden, diretor da Agência de Segurança Nacional (NSA) dos Estados Unidos entre 1999 e 2005 e da Agência Central de Inteligência (CIA) entre 2006 e 2009, e Yuval Steinitz, Ministro da Inteligência de Israel entre 2013 e 2015. As informações em torno do Stuxnet são tão secretas que ninguém confirma sua existência, nem, claro, qualquer responsabilidade.

O Departamento de Justiça chegou a investigar o jornalista David Sanger, do jornal The New York Times, que aparece no documentário e foi o primeiro a publicar uma grande reportagem sobre o assunto – o nome oficial da operação militar é Olympic Games. Gibney garante nunca ter recebido ameaças. “Pelo que saiba”, disse em entrevista coletiva na tarde da quinta-feira.

Leia também:

Sobre refugiados, documentário italiano ‘Fuocoammare’ emociona em Berlim

Festival de Berlim celebra a poesia e discute o aborto

Sob aplausos, Anna Muylaert apresenta novo filme em Berlim

Talvez nunca se soubesse do Stuxnet não tivesse ele infectado boa parte das máquinas do mundo. Foi assim que chamou a atenção de especialistas em segurança de rede, como Sergey Ulasen, da Bielorrússia, o primeiro a descobrir o vírus, Eric Chien e Liam O’Murchu, dos Estados Unidos, Eugene Kaspersky e Vitaly Kamluk, da Rússia, e Ralph Langner, da Alemanha. O “malware” era muito complexo, abrangente e perfeito para ser criado por hackers ou criminosos, então eles de cara suspeitaram de nações. Num trabalho de detetive, chegaram à conclusão de que o Stuxnet só atacava o software da Windows feito pela Siemens para um aparelho que opera maquinário industrial, inclusive centrífugas em plantas nucleares, e especificamente distribuídos para duas empresas, uma delas iraniana.

Continua após a publicidade

O Stuxnet foi criado no governo de George W. Bush e reafirmado pelo atual presidente Barack Obama e teria se espalhado por máquinas do mundo inteiro depois de Israel ter feito uma mudança em seu código. Foi isso que permitiu sua descoberta. O Stuxnet, no fim, acabou dando o aval para outras nações a entrar na guerra cibernética – o próprio Irã atacou bancos americanos, e a Rússia tem usado o mesmo expediente na Ucrânia.

Em sua investigação, Gibney descobriu que a operação Olympic Games era parte da Nitro Zeus, uma verdadeira guerra cibernética planejada nos primeiros anos do governo Obama, que seria capaz de desabilitar as defesas aéreas do Irã, os sistemas de comunicação e até a distribuição de energia. Na época, um ataque israelense ao Irã parecia iminente, e a guerra, inevitável. O projeto foi engavetado quando o Irã aceitou assinar em julho um acordo abrindo mão de seu programa nuclear, o que desagradou ao primeiro-ministro de Israel Benjamin Netanyahu. “Eu acho que isso nos ensina o poder da diplomacia”, disse Gibney na coletiva de imprensa. Ele admite que o Stuxnet pode ter inclusive colaborado para o acordo. “No fim, pode ter feito a diferença saber que os Estados Unidos e Israel estavam dispostos a chegar tão longe.” As informações sobre a Nitro Zeus chegam pela voz distorcida de uma mulher – depois, é revelado que ela é uma atriz, que concentra os depoimentos de vários funcionários da Agência Nacional de Segurança, temerosos de que outros países façam o mesmo com os Estados Unidos.

Alex Gibney deixa bem clara sua defesa do fim de tantos segredos e do início de uma discussão sobre o assunto – como aconteceu com a criação de outras armas de grande poder de destruição, como a bomba atômica e as químicas e biológicas. Um ataque cibernético pode comprometer a distribuição de água e energia de um país, o que teria consequências gravíssimas. E pode ser feito sem deixar rastros, ou seja, sem atribuição de responsabilidade. Zero Days é cheio de informações, mas deixa o espectador na ponta da cadeira e aterrorizado com sua trama que roteirista de Hollywood nenhum jamais poderia imaginar.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.