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Com ‘Artpop’, Lady Gaga se aproxima da arte, mas só no discurso

Por Juliana Zambelo
10 nov 2013, 16h05

Desde que os Beatles começaram a amadurecer e recorreram a artistas de renome para sofisticar as capas de seus álbuns, vira e mexe a música pop se volta para outras artes em busca de profundidade e legitimidade. O encontro, muitas vezes, é superficial. Mas há casos em que a parceria criativa produz uma faísca verdadeira e o resultado faz história.

Lady Gaga está querendo entrar para o segundo time. Depois de três álbuns e alguns flertes pontuais com artistas de renome, como a apresentação no Museu se Arte Contemporânea de Los Angeles na qual tocou um piano pintado por Damien Hirst e a performance musical em parceria com o canadense Terence Koh em Tóquio, a cantora resolveu levar essa relação mais a sério e vem revestindo toda a divulgação de seu novo trabalho, Artpop, com alta cultura.

O álbum, que será lançado oficialmente nesta segunda, dia 11, mas já vazou nos sites de download ilegal, foi gravado com a colaboração de um grande time de produtores de destaque e leva a cantora por novos caminhos dentro do pop e da eletrônica. Nele, Gaga conseguiu absorver novas tendências das pistas e dar a elas uma leitura mais pop. Falhou, porém, no diálogo com a arte, que acabou superficial, no sentido pleno da palavra.

Gaga envolve o novo CD em arte: a capa do trabalho é assinada pelo artista americano Jeff Koons, conhecido entre fãs de música pop por sua escultura dourada de Michael Jackson com o chimpanzé Bubbles no colo, em uma releitura da Pietà, de Michelangelo. Para a capa do disco, Koons decompôs a tela clássica O Nascimento de Vênus, de Sandro Botticelli, que colou em fragmentos como pano de fundo para Gaga que, em primeiro plano, surge como uma nova Vênus: sentada nua sobre uma concha, ela tem longos cabelos loiros cobrindo os seios e segura, entre as pernas abertas, uma bola azul do próprio Koons. Will Gompertz, editor de arte da BBC, também identifica na imagem ecos da obra I’ve Got it All da artista inglesa Tracey Emin, na qual uma mulher está sentada de pernas abertas, nua da cintura para baixo, diante de uma grande quantia de dinheiro que ela parece arrastar em direção à virilha.

Meses antes de colocar seu trabalho nas lojas, sinalizando que estava voltando aos holofotes, Gaga já havia procurado agregar valor a ele — para usar um termo em alta em dias de o rei do camarote, com um encontro com a artista performática Marina Abramovic, com quem produziu um vídeo no qual aparece nua. O trabalho promovia o Instituto Marina Abramovic e ajudou a arrecadar mais de 600 000 dólares para a construção de um centro artístico destinado à educação e à divulgação do legado da artista.

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Lady Gaga posa nua para divulgar novo CD

Lady Gaga fica totalmente nua em show em Londres

Lady Gaga faz vídeo nua para promover Marina Abramovic

Arte, embalagem de luxo – Gaga não tem ambições modestas. Em entrevista ao jornal britânico Daily Mail esta semana, ela disse que quer, com esse álbum, injetar arte na música pop, como um inverso de Andy Warhol. “Ao invés de colocar o pop em telas, nós queremos colocar a arte na lata de sopa”, falou Gaga. Mais do que promover o acesso à alta cultura, a cantora quer, é claro, se mostrar associada a ela, um movimento que a deixaria lado a lado com grandes como Warhol. Mas parece que nem todos concordam com a estratégia. Na última terça-feira, dias antes do lançamento oficial do álbum, foi revelado que Gaga dispensou seu empresário Troy Carter por “diferenças criativas”. Carter cuidava da carreira da cantora desde seus primeiros passos.

Para o canadense Will Straw, especialista em arte e cultura pop e professor do Departamento de História da Arte do Insituto McGill, em Montreal, Gaga sempre usou o cinema e a fotografia em seu trabalho e recorrer agora às artes plásticas é uma continuidade do que vinha fazendo e do que Madonna, ainda hoje a guia para as cantoras pop que surgiram nas últimas décadas, iniciou antes dela. “Como Madonna, isso a coloca em um campo cultural mais amplo”. Anos atrás, lembra, Madonna já recrutava cineastas, fotógrafos e estilistas para incrementar sua imagem e carregava seus clipes de referências às artes plásticas, mas nunca colocou essa questão no centro das atenções como Gaga faz agora.

O diálogo com a arte acompanha a evolução da música pop com aproximações e recuos, mas passa agora por uma fase cheia de possibilidades. “O mundo da arte, mais do que em qualquer outro momento da história, é jovem, está fazendo sucesso e está na moda. A música está precisando de imagens de sucesso em uma época em que sua indústria está em declínio, então busca essa imagem de sucesso na arte. Além disso, a internet e os vídeos tornaram a música mais visual, encorajando esse intercâmbio”, analisa Straw.

Para Bertoneto Alves de Souza, professor de Artes Visuais do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo, a troca entre diferentes formas artísticas é comum na arte contemporânea. “Essa linha que separa a origem de uma linguagem artística e o fim de outra está muito borrada”, diz. Segundo Souza, portanto, Gaga estaria se inserindo nesse contexto atual do universo artístico.

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Estratégia e planejamento – As associações de Gaga são, como cada passo de sua carreira, muito bem planejadas. Elas trazem não apenas a possibilidade de aumentar seu público, mas também de provocar comoção e, ao mesmo tempo, emprestar seriedade e inteligência à sua imagem. E quem sabe com isso escapar do destino tão comum ao pop: o de ser descartável.

Para Caru Duprat, coordenadora da pós-graduação da história da arte da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), Jeff Koons e Marina Abramovic são dois ícones em suas áreas tanto quanto Gaga é na música pop e todos têm em comum a característica de serem também personagens de si mesmos. “São dois nomes que colocam a figura do artista em discussão. Koons é uma figura, ele trabalha sua aparência e sempre se apresenta fantasiado. E Marina é também uma obra, ela usa seu corpo para todos os trabalhos, as performances são todas com ela, então ela tem uma relação entre arte e vida afinada.”

Ao mesmo tempo, esses artistas têm posturas opostas em outros aspectos. Caru explica que, enquanto Koons se diverte com o lúdico, o trabalho da Marina Abramovic é sério, existencial. “É interessante que Lady Gaga tenha escolhido uma mulher tão profunda e um cara que cutuca a questão da profundidade da arte.”

A motivação dos artistas em trabalhar com Lady Gaga, no entanto, não tem nada de existencial. Para Will Straw, ambos querem a exposição que pode resultar dessa parceria. Abramovic, em especial, sempre desejou ser uma grande estrela, segundo ele. Bertoneto Souza corrobora a opinião do canadense: de acordo com ele, o circuito comercial da arte cobiça a fama e a visibilidade que uma Gaga pode dar. E, se com isso esses artistas ganharem alguns fãs a mais, ninguém vai achar ruim.

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Pop ácido – Nada disso, no entanto, tem relação com a música que Gaga está lançando. Musicalmente, Artpop convence e até representa um passo adiante em relação a Born This Way, seu álbum anterior, lançado em 2011, mas não acompanha o discurso de empacotar boa arte para as massas. Para completar, também não tem sido um sucesso comercial.

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Para este trabalho, Gaga renovou o quadro de produtores, buscou novos nomes para repaginar seu som e montou um elenco eclético. Tem o dance farofa de David Guetta, o lendário produtor de rock Rick Rubin assinando uma balada, o pop de will.i.am (do Black Eyed Peas), a eletrônica de Infected Mushroom e o frescor e a inventividade de Zedd, produtor sensação de 24 anos que está injetando dubstep no mainstream.

“Ela pegou os melhores produtores, os mais legais, mais diferentes e mais agressivos de hoje e misturou com a sua visão pop”, diz Maestro Billy, um dos mentores do programa Batalha de DJs, do Multishow, e DJ do programa Caldeirão do Huck, da Globo.

O dubstep é uma referência constante no álbum. Há também hip hop, disco music dos anos 1970 e pop de sintetizadores dos 1980. Para o DJ e produtor Carlo Dall Anese, esse atirar para todos os lados é uma tara do pop atual que Gaga conseguiu administrar bem. “A música mainstream, de dois ou três anos para cá, passou a misturar tudo. É um grande mashup geral, porque está todo mundo tentando conseguir o maior número de fãs possível.” Dall Anese vê na guinada de Lady Gaga para sons mais ácidos como o dubstep uma tentativa de conquistar gerações mais novas.

Mas, se Lady Gaga e seu time de produtores souberam sentir o clima e construir um bom trabalho a partir do que existe de mais atual na música pop e eletrônica, a cantora não consegue, por outro lado, olhar adiante e se posicionar como figura de ponta, indicando novos caminhos para a música. E nisso, mais uma vez, ela não escapa às comparações com Madonna.

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Artpop não é um disco inovador, muito pelo contrário. É um disco sedimentador”, diz o DJ Maestro Billy. “Madonna ditava uma tendência, ela se antecipava ao que ia ser sucesso. A Lady Gaga pega o que já está aí e refaz para vender.”

E o pior é que Gaga não está vendendo tanto assim. Applause, o primeiro single de Artpop, foi um fracasso de vendas em comparação aos números anteriores da cantora, estacionando na quarta posição da parada americana e em quinto lugar no Reino Unido em sua semana de lançamento. Uma queda nas vendas tem sido uma tendência para a cantora. Sua última música ao chegar ao topo foi Born This Way, em fevereiro de 2011.

Mister Jam, produtor do som dançante de Wanessa e de remixes para diversos artistas nacionais, acredita que a qualidade musical de Artpop pode fazer o disco vender menos. “É um disco mais trabalhado. Ela floreou e buscou uma sofisticação e isso não é assimilado tão facilmente. Applause não tem refrão direto, não é uma música mega pop no sentido de colar no ouvido das pessoas.”

Em vendas, os singles de Artpop têm perdido para os novos de Katy Perry e Miley Cyrus, duas cantoras de forte apelo sexual. Gaga não se furta a usar sexo como arma e não deixa de falar sobre o tema em suas letras, mas sua abordagem é menos erótica. Sim, ela tem aparecido completamente sem roupa mais vezes do que qualquer outra cantora pop e no clipe de Applause ela até rola insinuante sobre um colchão, mas não está, por enquanto, lambendo nada. Aqui também Gaga tenta conciliar as demandas do pop, que exige que cantoras sejam sexualizadas e seminuas, com a seriedade de um contexto mais artístico. Se ela vai manter essa postura mesmo que as vendas continuem desapontando, só o tempo vai dizer.

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