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USP precisa de indicadores para avaliar sua qualidade, diz reitor eleito

Dirigente, que será empossado no sábado, defende adesão integral da universidade ao Enade. Ele propõe sistema de acompanhamento de ex-alunos

Por Bianca Bibiano e Jadyr Pavão Júnior
21 jan 2014, 06h24

Cada vez que algum tipo de indicador de qualidade acadêmica ou ranking internacional universitário é divulgado, as atenções no Brasil se voltam para o desempenho da Universidade de São Paulo. Considerada, sob vários aspectos, a principal instituição de ensino e pesquisa do país, a expectativa em relação aos resultados da USP é tão grande quanto as cobranças que recaem sobre ela. Marco Antonio Zago, que será empossado reitor no próximo sábado, não recusa as cobranças. Promete ficar, durante os quatro anos de seu mandato, de olho em rankings e avaliações, mas enfatiza que sua preocupação será estabelecer os índices que, afinal, dirão se a universidade vai bem ou não. “Nós não temos todos esses indicadores. O primeiro passo é criá-los”, afirma. Nesse processo, ele propõe a adesão integral da USP ao Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade), realizado pelo Ministério da Educação – a USP aderiu parcialmente à prova em 2013, mas seus resultados não são divulgados e os alunos não são obrigados a fazer o exame. Outro indicador da qualidade, segundo o reitor eleito, será construído a partir de um sistema que vai fazer um acompanhamento da situação dos ex-alunos: onde estão, o que fazem, são bem-sucedidos em suas áreas? Na entrevista a seguir, ele fala ainda sobre a avaliação de professores e sobre o necessário diálogo entre universidade e sociedade. Para ajudar na elaboração do questionário apresentado ao reitor eleito (leia a primeira parte da entrevista), a reportagem pediu sugestões a especialistas e outros envolvidos com o dia a dia da universidade. São eles: Suely Vilela, ex-reitora da USP, Claudio de Moura Castro, especialista em educação e colunista de VEJA, Gustavo Ioschpe, economista e colunista de VEJA, Romualdo Portela de Oliveira, professor da Faculdade de Educação da USP, e Larissa Petronilho, aluna do 10º semestre do curso de design da FAU/USP.

Leia a 1ª parte da entrevista:

Enem pode ajudar na seleção de alunos da USP, diz reitor eleito

Quando o senhor foi escolhido reitor pelo governador Geraldo Alckmin, após vencer a consulta interna da USP, ele pediu que a universidade colaborasse mais na elaboração de políticas públicas. De certa forma, outros setores da sociedade pedem mais diálogo com a universidade e maior participação dela na solução de problemas. Que resposta o senhor dá a essas demandas? Isso foi um dos tópicos da minha campanha. Tenho convicção de que as universidades modernas têm que fazer esse papel por duas razões. Em primeiro lugar, a universidade é uma instituição mantida pela sociedade e deve promover seu desenvolvimento. Para isso, é importante que ela se relacione diretamente com os setores produtivos e públicos. A USP tem tradição nisso. Se você olhar para os últimos oitenta anos, verá que grande parte dos intelectuais, presidentes, ministros, jornalistas, escritores, economistas etc. saíram da USP. Em segundo lugar, a própria USP se beneficia disso, do feedback que vem da sociedade. O contato com a vida real traz um realismo importante para as atividades da universidade, sua temática de pesquisa e cultural e também seus cursos. Não podemos imaginar que estamos formando profissionais de alto nível para a sociedade se não temos contato com a sociedade, se não entendemos o que é importante, qual o perfil importante para os profissionais. É uma via de duas mãos.

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Sobre a parceria entre universidade e sociedade, temos uma pergunta de Gustavo Ioschpe: “Como a USP pretende trabalhar para estreitar o relacionamento entre pesquisa e o mercado? Empresários e universidade ainda parecem inimigos.” Essa é uma situação que está em franca reversão. Ele tem razão, mas essa é uma visão que descreveria melhor a situação há dez anos. Ao longo desse tempo, tem havido uma inversão importante, principalmente nesses últimos quatro anos. A universidade criou uma agência, que se chama Agência USP de Inovação, que tem trabalhado ativamente com empresas e empresários, além de estimular dentro da USP a visão da importância da pesquisa aplicada, que não é a única que tem valor, mas que é importante. Uma das consequências do fortalecimento desta agência é que a USP é hoje a instituição brasileira que mais deposita patentes. Não era assim: a USP não era sequer a universidade que mais produzia patentes. No último ano, tornou-se também a entidade brasileira líder nesse indicador, superando até a Petrobras. Outro exemplo: nós tivemos, no ano anterior, um curso de empreendedorismo para todos os alunos da graduação, além de um curso de gestão de inovação, feito em associação com a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e aberto a empresários. Participaram 250 empresários.

Encerrando o tema do diálogo entre universidade e sociedade, uma pergunta da aluna Larissa Petronilho: “Há uma cobrança por uma maior interação entre a universidade e os bairros vizinhos, como a favela São Remo, cujos moradores, apesar de estarem ao lado da USP, não podem utilizar sua estrutura. Algumas iniciativas a respeito vêm de grupos independentes. O senhor tem uma proposta a respeito?” Eu tenho uma opinião a respeito, mas ainda não é um programa definido. Eu diria que, como a universidade tem que se relacionar com a sociedade, faz todo sentido que ela se relacione bem com aquele que é seu vizinho, isso é emblemático. A USP não ignora a existência do problema, eu tenho certeza de que podemos fazer programas para participar do melhor desenvolvimento social daquela área. E, certamente, será principalmente nas áreas que a USP tem competência para ajudar e que possam ter reflexos sociais, como da área de saúde, educação principalmente, esportes e lazer. Eu gostaria que houvesse programas que a USP participasse do desenvolvimento da região, mas gostaria que esses programas fossem feitos em associação com os outros responsáveis por aquilo, por exemplo, a Prefeitura.

RAIO-X DA USP

Fundação: 1934

Campi: onze, distribuídos em sete cidades do Estado: São Paulo, Bauru, Piracicaba, Pirassununga, Lorena, Ribeirão Preto e São Carlos

Alunos: 92.064, sendo 58.303 da graduação e 28.498 da pós

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Vagas no vestibular (2014): 11.057

Cursos de graduação: 249

Cursos de pós-graduação: 239

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Docentes: 5.860, sendo que 5.078 têm regime de dedicação integral e 5.809 têm doutorado ou titulação superior

Produção científica (2012): 26.704 publicações, sendo 18.390 no Brasil e 8.314 no exterior

Prêmios recebidos por docentes: 1.476

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Orçamento (2012): 3,98 bilhões de reais

A USP é a principal universidade do Brasil no tocante à qualidade de pesquisa, mas não aparece entre as cem primeiras colocadas nos rankings internacionais de avaliação, como o THE (Times Higher Education, mais importante do mundo). Esse indicador tem importância para o senhor? Tem importância, mas não tem a importância que os jornalistas gostam de dar. É importante porque o ranking, não só o THE, mas os outros, de certa forma dão uma avaliação externa de como a USP está em relação as outras universidades do mundo. Eu não tenho dúvida de que, quando olhamos o conjunto, estamos bem. Mas cada um dos rankings tem uma maneira de medir nosso desempenho e inclui parâmetros que, quando analisados um a um, são discutíveis. O ranking de Xangai, por exemplo, mede o número de ganhadores de prêmio Nobel das universidades. Por quê? Para tentar distinguir aquelas universidades muito competitivas que estão lá na ponta, algo que outros indicadores não conseguiriam fazer. É um jeito de distinguir Harvard de Oxford, por exemplo. Isso não tem sentido se aplicado a nossas universidades. Por exemplo, se uma universidade que está atrás da USP nesse ranking contrata um ganhador de premio Nobel dá um salto na lista, sem que isso signifique nenhuma mudança na sua qualidade. Esses parâmetros precisam ser vistos com cautela. Há ainda outro componente que precisamos levar em conta. Eu acho muito difícil que a USP venha a ser uma das dez ou vinte universidades mais importantes nesses rankings. Em primeiro lugar, devido a seu tamanho. A maioria das universidades que ocupam os primeiros lugares nas listas são pequenas. O tamanho médio das melhores universidades no mundo é de 17.000 alunos, dos quais, 40% ou até 60% são de pós-graduação. Nós temos quase 90.000 alunos. Somos uma universidade que dá cobertura de massa e, ao mesmo tempo, produz pesquisa de qualidade. Nós vamos continuar olhando para os rankings, eu tenho certeza que podemos progredir em qualidade, mas há uma limitação: eles não são determinantes em nossa vida.

Se o senhor pudesse citar cinco indicadores para os quais a universidade vai olhar, quais seriam? Eu diria que nós não temos todos esses indicadores. O primeiro passo é criá-los. Por exemplo, como você avalia hoje a qualidade do ensino de graduação? Pelo Enade, por exemplo. Nós elegemos como prioridade nessa gestão a melhoria da qualidade do ensino de graduação. É o que faremos nesses quatro anos. Mas temos dificuldades de dizer com segurança qual é a qualidade do nosso ensino de graduação. Para algumas coisas já temos indicadores externos. Por exemplo, os alunos de nossas duas faculdades de direito são bem-sucedidos no Exame da OAB. A faculdade de direito de Ribeirão Preto teve, no último ano, o maior número de aprovados no exame. Isso é um indício de que o ensino vai bem. Mas temos taxas altas de evasão, da ordem de 20%, que precisam ser reduzidas. Como vamos medir? O Enade é uma maneira de medir. Há conflito na universidade sobre o uso ou não dele. Mas eu tenho detectado com a maioria das pessoas que converso que há uma tendência a aceitá-lo.

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A USP vai, enfim, aderir de forma definitiva ao Enade? Essa é uma discussão que faremos logo, mas eu acho que talvez fosse muito útil para a universidade participar. Há criticas ao exame, ao modo como ele é feito, mas isso não o invalida. Nós podemos participar e contribuir para a melhoria dele. Nós temos críticas quanto a alguns aspectos da avaliação da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, fundação do Ministério da Educação) na pós-graduação. Mas participamos dessa avaliação e ela nos dá informações muito importantes. Além disso, precisamos criar um sistema de acompanhamento de egressos. Nós queremos saber onde estão os formados na USP cinco ou até dez anos após se formarem. Essa é a melhor medida da qualidade do ensino: onde estão os alunos depois de certo tempo, como estão profissionalmente, qual seu sucesso profissional. A maioria das grandes universidades, das boas universidades do mundo, tem um sistema de acompanhamento. A terceira medida é acompanhar e reduzir a evasão. Uma análise preliminar nos mostra que a evasão é consequência de duas coisas. Primeiros, dos problemas de ordem econômica e social, ou seja, o aluno entra e não consegue continuar. A USP tem o melhor programa de permanência estudantil, de suporte ao aluno, com bolsas de auxilio moradia e refeições subsidiadas. E nós podemos intensificar isso. A segunda causa é a incompatibilidade do aluno com seu curso, o que deriva de muitos fatores. O aluno pode entender que o curso é ruim, que ele entrou no curso errado. Ao fazer um esforço para reduzir a evasão, estaremos trabalhando na qualidade do curso e usando melhor o dinheiro. Se trouxermos a taxa de evasão para o nível das boas universidades mundiais, sem abrir novas vagas, formaremos por ano mais de 1.500 alunos além dos 10.000 atuais. Mas, além disso, estaríamos atuando nos cursos de maneira a torná-los melhores, mais flexíveis.

Sobre a qualidade acadêmica, temos uma pergunta de Claudio de Moura Castro: “A USP vai voltar a avaliar os professores? Havia um sistema de avaliação em 2008, mas o sindicato pressionou para que ele acabasse.” A avaliação dos professores nunca existiu de uma maneira ampla, mas não foi extinta também. A USP tem um órgão chamado Comissão de Especial de Regime de Trabalhos, que acompanha as atividades dos docentes contratados em regime especial, com dedicação integral e pesquisa. Dos docentes contratados sob esse regime, espera-se, além da atividade didática básica, a produção científica de alta qualidade. Quando isso não ocorria, surgiam conflitos. Por outro lado, passamos por um período em que a ênfase da produção científica se transformou num elemento numérico, o que deu origem a muita crítica, além de ter provocado um menor interesse nas atividades didáticas de graduação. Criou-se uma situação complexa, em que aparentemente não há avaliação. A avaliação deve continuar. Precisamos entender que a USP é muito heterogênea, com atuação nos campos de filosofia, matemática, física e química, entre outras tantas, além das áreas profissionais, como medicina, enfermagem, odontologia e engenharia, e ainda artes. São mundos diversos, com atividades diversas. Não só a atividade didática, mas também a atividade de produção de conhecimento é muito diferente. Temos docentes que são pesquisadores reconhecidos mundialmente, mas também outros que são excelentes educadores ou profissionais reconhecidos por sua competência técnica. Temos pessoas com perfis diferentes. Um grande erro cometido no passado foi pensar que todas as pessoas deveriam fazer as mesmas coisas. Daí, novamente, surgiram conflitos de avaliação. A universidade precisa de todos e precisa admitir que todos são igualmente importantes e, a partir dai, criar critérios de avaliação dentro de cada um desses perfis.

Pergunta do professor Romualdo Portela de Oliveira, da Faculdade de Educação: “Qual sua proposta para que a USP tenha um papel mais relevante na formação de professores para as redes públicas do Estado de São Paulo?” Estreitar o relacionamento com o ensino básico é fundamental. Nós temos instrumentos de formação de professores, os cursos de licenciatura, que precisam de apoio especial, e também precisamos estreitar o relacionamento formal com o ensino secundário. Esse relacionamento já existe, mas temos que melhorar nossa capacidade de formação continuada dos professores secundários. Assim, quem sabe, seja possível desenvolver programas com a Secretária de Educação para fazer uma ação nesse sentido. Existem iniciativas isoladas, mas pouco expressivas.

Em sua trajetória profissional, a pesquisa foi uma atividade constante. É possível conciliar as atividades de pesquisador e reitor da uma instituição como a USP? Eu tenho a impressão de que isso chegou no limite. Eu tive uma atividade de pesquisa muito intensa, que se reduziu no CNPq, mas ainda foi possível manter essa atividade. Em Ribeirão Preto, temos pesquisadores produtivos na temática em que estou inserido, de maneira que minha participação será limitada. Eu me sinto compensado pelo fato de que há jovens trabalhando lá.

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