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Gustavo Ioschpe: Seu valor é determinado por seu salário?

"Se você acha que o professor brasileiro ganha pouco, deveria notar que ganha pouco por ser brasileiro, não por ser professor", diz colunista em artigo de VEJA desta semana

Por Gustavo Ioschpe
12 out 2013, 08h23

Você acha que os médicos brasileiros ganham bem? Eles têm os maiores salários médios do país. Pois saiba que um médico americano ganha quatro vezes mais. Eu já ouvi muitos argumentos para explicar como melhorar o quadro da saúde brasileira. Inclusive do pessoal que diz que faltam verbas para o setor e que a solução é investir mais, ressuscitar a CPMF, entre outras. Mas não me recordo de ter ouvido alguém sugerindo que o problema era o salário dos médicos. Nem, muito menos, que as diferenças entre o sistema de saúde brasileiro e o americano se explicam pelo fato de que os nossos médicos ganham quatro vezes menos do que seus colegas americanos.

E os nossos dentistas? É a segunda carreira mais bem remunerada do país. Não sou especialista no setor, mas acho que estão fazendo um bom trabalho: o sorriso dos brasileiros é bem mais arrumado do que o de habitantes de outros países em desenvolvimento, como, por exemplo, os chineses, e até de países ricos, como os ingleses. Mas, veja só, coitados! Ganham 5,4 vezes menos do que os dentistas americanos, que levam para casa, anualmente, o equivalente a 346 000 reais, contra 64 000 reais dos brasileiros.

E os advogados brasileiros? Como mostra a fábrica de pizzas que sai do nosso Judiciário, certamente devem estar entre os melhores do mundo. Mas, mordam-se de inveja: os advogados americanos ganham 4,4 vezes mais. De novo, já li muitas análises sobre o que precisa ser feito para melhorar nosso sistema legal, mas não me recordo de nenhum protesto da OAB sugerindo que nossas deficiências se explicam pela distância entre o salário dos nossos causídicos e seus congêneres do Hemisfério Norte.

O que dizer então de nossos artistas? Sinceramente, acho-os melhores do que os americanos, especialmente na música. Como explicar então que ganhem quase quatro vezes menos do que os compatriotas de Madonna? E nossos profissionais de marketing e propaganda, que todos os anos levam uma enxurrada de leões em Cannes e criam promoções e eventos tão criativos? Quantos Washington Olivetto e Nizan Guanaes os americanos produziram? Quantos Rock in Rio e carnavais? Nenhum. Mas – ó destino cruel – nossos profissionais de marketing e propaganda recebem 3,5 vezes menos que seus concorrentes americanos. Não 3,5% menos, nem 35% menos: 3,5 vezes menos. E, por mais criativos e originais que sejam nossos publicitários, ainda não vi nenhum deles sugerir que, se ganhassem 3,5 vezes mais, seriam ainda mais espetaculares.

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Essas diferenças são praticamente iguais para qualquer profissão de nível superior que você queira comparar – os dados de vinte delas estão disponíveis em twitter.com/gioschpe. Na média dessas profissões, os americanos ganham 3,55 vezes mais que os brasileiros. Se retirarmos engenheiros e arquitetos da conta, a relação vai a 3,76. Entre essas carreiras, está a dos profissionais da educação. Os americanos ganham 3,97 vezes mais do que os brasileiros. Ou seja, a diferença entre professores brasileiros e americanos está bastante em linha com a observada em todas as demais profissões. Se você acha que o professor brasileiro ganha pouco, deveria notar que ganha pouco por ser brasileiro, não por ser professor.

Essa diferença existe porque os países têm nível muito desigual de renda média, o PIB per capita. O americano é quatro vezes maior do que o brasileiro. Então é normal e esperado que, em todas as carreiras, haja uma diferença dessa magnitude entre um profissional brasileiro e outro americano. Isso não é prerrogativa dos EUA. Usei este país pela facilidade de obtenção de dados. Pegue a média dos países desenvolvidos e verá que a diferença é a mesma. Pegue a média dos países da África Subsaariana e verá que a diferença também será a mesma, apenas com o sinal trocado. Isso é óbvio. Por isso é que sempre me causa surpresa quando alguém pega um dado de gasto nominal em educação e diz assim: “Precisamos investir mais em educação se quisermos ter qualidade de Primeiro Mundo. Enquanto o gasto médio por aluno dos países da OCDE for de 8 893 dólares e o do Brasil for de 2 849 dólares, não poderemos esperar que a qualidade seja comparável”. Que professores e sindicalistas repitam esse mantra, até entendo. Como disse Upton Sinclair: “É difícil conseguir que uma pessoa entenda algo quando o seu salário depende de que não entenda”. Mas ouvir isso de gente inteligente e bem-intencionada é apenas um sinal de que o discurso das corporações dos professores abalou o discernimento mesmo das melhores mentes. Quase quatro quintos (78%) do gasto com educação no Brasil são destinados a pagar salários de professores e funcionários. Para que o Brasil gaste, em termos nominais, o mesmo que um país desenvolvido, seria necessário que os profissionais da educação ganhassem o mesmo que seus pares de países desenvolvidos. Seriam, então, a única categoria profissional com remuneração nesse patamar, em um país em que as demais profissões ganham quatro vezes menos.

Essa não é uma questão menor. É em virtude dessa incompreensão sobre gastos diferentes para realidades diferentes que o Brasil já comprometeu os ganhos do pré-sal em um sistema educacional fracassado, e agora caminha para queimar mais incríveis 5% do PIB ao aumentar os investimentos em educação de 5% para 10% do PIB. Você, eu e a geração de nossos filhos pagaremos caro por esse populismo. Quem defende aumento de remuneração sem esperar nenhuma contrapartida em termos da qualidade do serviço está subvertendo uma das leis basilares da economia: a que estabelece que remunerações são proporcionais à produtividade do trabalhador. Americanos e europeus não ganham quatro ou cinco vezes mais do que nós porque seus patrões são bonzinhos, mas porque é isso que produzem. Basta ver os dados da Organização Internacional do Trabalho: o trabalhador brasileiro produz, por hora trabalhada, um quinto do que produz o americano. Se usarmos o critério de produtividade e renda nominal para balizar a remuneração dos nossos profissionais da educação, a conclusão inescapável é que o professor brasileiro ganha demais em relação ao que entrega. No último Pisa, o teste de qualidade educacional mais respeitado do mundo, a educação brasileira ficou em 53º lugar. Na sua vizinhança não estavam os países de Primeiro Mundo, mas sim Colômbia, Trinidad e Tobago, Montenegro e Jordânia.

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Mesmo que fosse financeiramente factível, o que não é, a educação no Brasil não melhoraria se os professores passassem a ganhar o mesmo que os de países desenvolvidos. Dezenas de estudos acadêmicos mostram que não há correlação entre o salário dos professores e o aprendizado dos alunos. Qualquer gestor acharia absurdo dar aumento significativo a funcionários que estão entregando péssimos resultados. Está na hora de aplicar a mesma lógica à área da educação. O que efetivamente importa é a formação de professores, capacitação de gestores, currículo nacional unificado, dever de casa, avaliação, melhoria do material didático, uso efetivo do tempo de sala de aula e tudo o mais que os países que deram certo fizeram antes de poder pagar salários mais altos. Salário não cai do céu: conquista-se.

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