Alfabetização dos alunos: o que o prefeito pode fazer?
Enquanto alunos das escolas privadas são alfabetizados aos seis anos de idade, a maioria dos alunos da rede pública nem sequer é alfabetizada pela escola - a criança aprende a ler por um processo de ensaio e erro e carrega dificuldades de leitura para o resto da vida
Ensino de qualidade
Este artigo faz parte de uma série publicada quinzenalmente em VEJA.com sobre os desafios do ensino fundamental no Brasil – e as estratégias para superá-los.
Os textos são de autoria do Instituto Alfa Beto, que promove o Prêmio Prefeito Nota 10, iniciativa que vai identificar e recompensar o município brasileiro que mantém a melhor rede de ensino. A premiação será realizada no segundo semestre.
Prêmio Prefeito Nota 10 Instituto Alfa Beto
Este é o terceiro de uma série de dez artigos a respeito de medidas eficazes que o prefeito pode implementar a curto prazo, com poucos recursos, como estratégia de inicar um processo de mudança. Nenhuma dessas medidas, isoladamente ou mesmo em conjunto, assegura a formação de uma rede de ensino de alta qualidade. Mas todas elas constituem ações relevantes em si mesmo, e que, se bem implementadas, podem servir de campo de aprendizagem e de capital político para implementar reformas mais profundas.
Leia os artigos anteriores da série
Alunos que não sabem ler ainda constituem um problema crônico em todo o país: vivemos o fenômeno do analfabetismo escolar. O prefeito pode escolher entre dois ângulos de ataque do problema: alfabetização dos alunos no 1º ano – que é a série escolar certa para alfabetizar, ou alfabetização dos alunos do 2º, 3º, 4º e 5º anos que não foram alfabetizados – as vítimas do analfabetismo escolar.
No Brasil, todo mundo – inclusive prefeitos – sabem que: (1) nas escolas privadas as crianças são alfabetizadas aos seis anos de idade. Os filhos dos prefeitos geralmente estudam nessas escolas; (2) nas escolas públicas não existe norma – cada rede de ensino faz do seu jeito; (3) a maioria dos alunos da rede pública não é alfabetizada pela escola: a criança aprende a ler por um processo de ensaio e erro, e carrega dificuldades de leitura para o resto da vida.
Os dados disponíveis no Brasil mostram que não existe uma política e um processo eficaz de alfabetização na maioria das redes de ensino. Se o aluno não foi alfabetizado no 1º ou 2º ano (séries em que supostamente há um professor alfabetizador), é pouco provável que ele tenha um professor no 3º ano que o alfabetize.
No entanto, o fato do aluno não ser capaz de ler não impede que o aluno chegue ao 5º ano. Isso sugere que as políticas de aprovar ou reprovar são muito arbitrárias.
O que um prefeito pode fazer para rever essa situação? Eis algumas ideias específicas.
Primeiro: o prefeito precisa saber onde está pisando. Se no seu município tem um programa de ensino, e se o programa de ensino foi bem feito, o programa deve dizer que o aluno deve ser alfabetizado no 1º ano. Portanto, o problema é ter e fazer cumprir o programa de ensino.
Segundo: se o município não tem programa de ensino, o prefeito precisa tomar partido, o partido do aluno. A tônica deve ser “matricule seu filho na escola pública, eu garanto que no final do ano ele vai saber ler e escrever”. Isso é tudo que os pais esperam da escola – pelo menos para início de conversa.
Se as escolas particulares em todo o país – seja qual for o nível socioeconômico do aluno – alfabetizam as crianças no 1º ano, não há razão para que seja diferente na escola pública. Portanto, com base no seu mandato, mesmo que a Secretaria de Educação não tenha feito o seu “dever de casa”, o prefeito deve garantir aos pais que seus filhos serão alfabetizados. Caberá à Secretaria encontrar as soluções. E qualquer solução começa no princípio: no programa de ensino.
Terceiro: o Prefeito pode ajudar a Secretaria a encontrar soluções, sugerindo critérios, como, por exemplo, perguntar aos professores do 2º ano o que os alunos precisam saber de leitura e escrita para dar conta do programa do 2º ano. Ou verificar como fazem os municípios e as escolas que alfabetizam os alunos no 1º ano: métodos, materiais, estratégias, etc. Existem algumas poucas centenas de casos de sucesso no Brasil. O suficiente para comprovar que isso é possível.
Também é importante verificar o que dizem as evidências científicas a respeito do assunto. No Brasil, por exemplo, há um relatório da Academia Brasileira de Ciências (ABC) que trata do assunto.
Quarto: com base nessa análise, propor uma solução para o município. A solução deve ser fundamentada em evidências e incluir os mecanismos para avaliar os resultados.
Nota de advertência: a questão da alfabetização no Brasil tornou-se objeto de lutas pedagógicas infrutíferas. Qualquer cidadão sabe dizer se seu filho foi alfabetizado ou não. Mas quando o assunto vem para a esfera dos educadores brasileiros, instaura-se uma discussão sem fim Os resultados disso são desastrosos. No Brasil, o governo federal trouxe a si o problema, mas se mostrou incapaz de dar uma definição adequada do que seja alfabetizar, não consegue propor um programa de ensino e continua tergiversando a respeito da idade certa: ora diz que a idade é 6 anos, ora que é 7, ora que é até 8, demonstrando total incompetência no trato da questão. O PNAIC – Programa de Alfabetização na Idade Certa – é a crônica de um fracasso anunciado: com base em definições imprecisas, ele usa estratégias inadequadas e delegou às universidades, cujos professores não têm qualquer experiência em alfabetizar crianças – a tarefa de formar professores alfabetizadores. Para viabilizar politicamente o seu programa criou o bolsa-alfabetização. Não se conhecem quaisquer resultados desse programa, apenas os seus elevados custos.
Portanto, se o Prefeito quiser avançar, ele precisa fazer diferente do que vem acontecendo. E precisa fazer de forma acertada, e não apenas fazer diferente. As soluções existem, são conhecidas, há exemplos a partir dos quais se podem aprender. Para avançar é preciso que o Prefeito tenha coragem e dedicação, e escolha um Secretário consciente de que para melhorar é preciso mudar.
João Batista Araujo e Oliveira é presidente do Instituto Alfa Beto