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Zara Brasil contesta ‘lista da escravidão’

Varejista espanhola investe em ações de combate à prática, ao mesmo tempo em que discute na Justiça as acusações levantadas contra ela

Por Marcela Ayres
24 ago 2012, 15h44

Empresa foi suspensa do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, por afirmar que a “lista suja” de empresas envolvidas nestes casos é inconstitucional

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A Zara Brasil vive uma aparente contradição em um tema espinhoso: seu suposto envolvimento com um caso de trabalho escravo. De um lado, a empresa quer mostrar que apoia o combate à prática, e já investiu 1,3 milhão de reais no amparo de imigrantes e na capacitação de mão-de-obra. De outro, foi suspensa, em 17 de agosto, do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, por afirmar que a “lista suja” de empresas envolvidas nestes casos é inconstitucional – uma lista em que corre o risco de entrar, caso a Justiça decida que as acusações que pesam contra ela são pertinentes.

O dilema mostra como a Zara tem atuado, desde a eclosão de suspeitas sobre seu envolvimento em um caso de violação de direitos trabalhistas. Entre junho e agosto do ano passado, equipes de fiscalização em São Paulo encontraram funcionários em condições precárias em oficinas da AHA Indústria e Comércio de Roupas, contratada pela Zara para produção de suas peças.

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Em documento da Justiça do Trabalho, a varejista pede a anulação de todos os 48 autos de infração recebidos. Entre outras irregularidades, os autos apontam a imposição de jornadas excessivas, a manutenção de ambientes insalubres e o pagamento de salários baixíssimos a empregados não regularizados – bolivianos em sua maioria.

Uma das principais alegações da Zara é que os fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego teriam partido do pressuposto que os funcionários da AHA seriam efetivamente colaboradores da Zara, “extrapolando os limites de sua competência” e deixando de autuar a verdadeira empregadora. Por isso, a Zara sustenta que a apuração teria sido enviesada desde o começo, feita com o objetivo de incriminá-la, apenas.

“Não obstante a AHA ser fornecedora de diversas outras marcas, a fiscalização imputou a responsabilidade jurídica e exclusiva sobre a Zara, não tendo a AHA sofrido qualquer tipo de punição, nem tampouco as outras marcas”, diz trecho do processo movido pela empresa, elaborado pelo escritório Machado Meyer.

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O fato de a AHA ter regularizado o registro dos seus colaboradores durante a fiscalização mostraria, segundo a Zara, que a subcontratada teria reafirmado sua responsabilidade direta, o que teria sido ignorado pelos fiscais.

O relatório do MTE, por sua vez, aponta que 91% das peças produzidos pela AHA nos três meses que antecederam as operações eram destinadas à Zara, o que provaria o vínculo da empresa em um esquema “para encobrir o real empregador e esconder a alocação de trabalhadores em atividades permanentes e essenciais ao objeto de negócio da autuada – a confecção das roupas que comercializava”.

Outra linha de defesa adotada pela Zara é que ela seria uma empresa de comércio e não uma indústria. Portanto, não teria de responder pelo processo de produção das roupas. Caso os autos não sejam anulados pela Justiça, a companhia pede a redução da multa proposta por discriminação dos funcionários, estipulada em 585.330,60 reais, e a não inclusão do seu nome na dívida ativa da União.

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Esconde-esconde – A Zara requisitou à Justiça que a análise de todos esses pontos corresse em segredo, alegando que, na época dos flagrantes, o assunto já causara sua cota de estragos: a divulgação na mídia teria acarretado “prejuízos patrimoniais e morais”, além de “exposição desnecessária” aos funcionários resgatados de situação irregular.

Mas a Justiça do Trabalho negou o pedido, em uma decisão que acabaria levando à suspensão da Zara do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho. Isso porque, no processo que move contra a União, a Zara também pediu o bloqueio da sua possível inclusão na chamada “lista suja”. Procurada, a Zara não comentou o desligamento do Pacto ou o andamento da ação na Justiça, reforçando que não se manifesta sobre processos que ainda estão tramitando.

Pacto Nacional – Criado pelo governo em 2004 para coibir a contratação de mão de obra ilegal, o cadastro funciona como um SPC para os inadimplentes: com o nome sujo na praça, não é possível obter financiamento junto a bancos públicos. A inclusão, é claro, não deixa de arranhar a imagem das companhias. Na atualização semestral da lista, publicada no começo de agosto, a construtora MRV engrossou o rol dos 398 nomes apontados no cadastro. Em dois dias, suas ações mergulharam 9,4%.

A Zara chegou a argumentar que a “lista suja” seria inconstitucional, já que a entrada das empresas acontece antes do julgamento efetivo na Justiça, o que violaria o princípio de presunção de inocência. Disse ainda que sua indicação acarretaria “danos irreparáveis e irreversíveis”. A juíza Paula Becker Montibeller acabou concedendo liminar impedindo a inclusão, afirmando que isso poderia penalizar a empresa excessivamente e até atrapalhar o andamento da ação.

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A decisão ainda pode ser modificada, mas o que seria uma primeira vitória para a empresa acabou virando outra dor de cabeça. Com o processo público, as investidas da Zara no sentido de questionar a “lista suja” caíram no colo do Comitê de Coordenação e Monitoramento do Pacto de Erradicação do Trabalho Escravo, que não gostou nada de ver a companhia criticar o cadastro. Pressionada pelo Comitê, a Zara não arredou o pé – e acabou sendo afastada do grupo.

Dele fazem parte empresas como a C&A e grandes empregadoras como Brasil Foods e JBS. Composto pelo Instituto Ethos, Instituto Observatório Social, ONG Repórter Brasil e pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), o Pacto propõe que setor empresarial e sociedade não comprem produtos de empresas que usaram trabalho escravo em sua cadeia produtiva – a “lista suja” seria uma das principais ferramentas para separar o joio do trigo.

Sob os holofotes – A Zara aderiu à iniciativa em novembro do ano passado, antes mesmo de firmar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público do Trabalho. Se a empresa se esforça nos bastidores para não responder juridicamente pelas irregularidades constatadas, suas contrapartidas sociais sempre foram divulgadas publicamente.

A princípio, o MPT determinou que a Zara pagasse uma indenização por dano moral coletivo no valor de 20 milhões de reais. No acordo fechado em dezembro, ficou estabelecido que o desembolso será de 17% desse valor – ou 3,4 milhões de reais -, revertido em “investimentos sociais”. Parte do montante já foi gasto em ações como a regularização de imigrantes ilegais no país e a criação de um fundo de emergência para suprir suas necessidades básicas. Até o meio do ano, a Zara havia feito 260 auditorias completas, abrangendo seus 40 fornecedores e 208 oficinas externas.

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Luís Alexandre Faria, auditor fiscal que comandou as investigações envolvendo a varejista, chegou a afirmar que a conduta da Zara seria “arrojada” e estaria “no caminho certo”.

Na visão do Comitê do Pacto pela Erradicação do Trabalho Escravo, no entanto, a crítica à “lista suja” não deixaria de representar uma incoerência. No mesmo comunicado em que saudou os projetos da Zara para combater o trabalho escravo, o Comitê disse que a atitude da empresa “afronta” princípios do Pacto e “enseja sua violação”.

Segundo balanço anual da empresa, a Zara possui 1.936 funcionários no Brasil. O contingente de envolvidos na produção das peças que levam sua etiqueta é mais de dez vezes superior a esse número. Enquanto segue na luta para se desvencilhar das consequências judiciais da utilização de trabalho escravo em oficinas subcontratadas, a varejista aguarda, em silêncio, o desfecho do caso. A próxima batalha entre a empresa e a União está marcada para 13 de setembro, na 3ª Vara do Trabalho de São Paulo.

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