Plano Brasil Maior pode criar ônus para o Tesouro
Economistas acreditam que o plano federal até ajuda a competitividade de alguns setores da indústria, mas poderá ter impacto nas contas públicas
Ainda que contribua para melhorar a competitividade de alguns segmentos, as ações apresentadas pelo governo são insuficientes para equiparar o Brasil em produtividade a outras nações
A nova política industrial do governo (Confira as principais medidas do plano Brasil Maior no quadro abaixo) anunciada nesta terça-feira deve aumentar um pouco a competitividade de alguns setores da economia, como confecções, calçados, móveis e softwares, e pode até ajudar a reduzir perdas com a valorização do real. Apesar da avaliação relativamente otimista dos economistas, o plano é considerado apenas um primeiro passo para sanar as enormes deficiências da indústria nacional. “As empresas brasileiras acumulam anos de dificuldades em chegar ao mercado internacional. Esse é só começo de uma mudança de jogo”, afirma Thomas Kunze, analista da consultoria Roland Berger. Insuficientes para impulsionar a competitividade da indústria doméstica, as medidas embutem ainda um risco fiscal – que ganharia força caso uma nova crise financeira internacional atingisse o país.
A valorização do real não é um fator isolado a explicar toda a dificuldade da indústria brasileira em ampliar sua presença no exterior, bem como não esgota as razões que levam os estrangeiros a terem participação expressiva na economia doméstica. “As importações devem continuar aumentando simplesmente porque há espaço para elas no mercado interno. A economia continua aquecida”, diz o economista Thovan Caetano, da LCA Consultores.
O fato é que o câmbio valorizado apenas escancara antigas deficiências que são as verdadeiras causas da baixa competitividade brasileira. Enquanto outras nações do globo possuem uma carga tributária menor, mão de obra qualificada e boas condições de infraestrutura, o Brasil convive com toda sorte de deficiência e impostos massacrantes. Desta maneira, muitos segmentos da indústria têm natural dificuldade para se equiparar em produtividade com outros países, como China e Alemanha. Ainda que estejam previstas desonerações importantes, e louváveis, como as da folha de pagamento, ainda assim o país ficará a léguas de distância do que se pratica em outros mercados.
Menos satisfeitos com as medidas que os próprios economistas estão alguns empresários. Líderes do setor ajudaram a costurar, junto ao governo, o plano divulgado na manhã de terça-feira. No entanto, as medidas – inéditas na história da indústria – parecem não ter correspondido às expectativas de seus formuladores. Segundo Robson Andrade, presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), o governo tem de intensificar ainda mais suas ações. “O plano é positivo, mas não será capaz de tirar a indústria do sufoco porque persistem problemas a serem sanados, como o câmbio, os juros altos e a elevada carga tributária”, disse.
Custos para o Tesouro – Uma grande preocupação dos analistas é que o pacote pode se revelar custoso às contas públicas. Isso ocorre porque, com a desoneração da folha de pagamento de alguns segmentos, o faturamento das empresas passará a ser tributado para tentar compensar eventuais perdas à Previdência Social. Se essa tributação não for suficiente, caberá ao Tesouro a missão de fechar a conta. Ele terá ainda de ajudar o BNDES a ampliar ainda mais sua atuação, pois várias medidas do plano envolvem o banco oficial. Nesta terça-feira, o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel, deixou claro que o Tesouro fará novas emissões – entenda-se que se endividará mais – para realizar aportes na instituição. De acordo com Pimentel, o plano poderá custar, anualmente, 1,3 bilhão de reais ao Tesouro.
Para Carlos Thadeu de Freitas Gomes, ex-presidente do Banco Central e diretor da Confederação Nacional do Comércio (CNC), penalizar o Tesouro é uma estratégia temerária. “É importante proteger os setores que sofrem com a alta do real. O problema é desonerar a folha de pagamentos e criar um novo encargo para o Tesouro bancar”, afirmou.
Risco fiscal – A economia brasileira passa por um momento de solidez fiscal, ocasionado, sobretudo, pelo forte aumento da arrecadação. Do lado das despesas, ainda que o momento seja contingenciamento, não se cogita diminuí-las. A ordem é reduzir seu ritmo de expansão. Ainda assim, o país cumpre com folga sua meta de superávit primário. No primeiro semestre de 2011, a economia do setor público foi de 3,99% do Produto Interno Bruto (PIB) – bem acima dos 2,4% do PIB verificados em igual período do ano anterior e da própria meta fixada para 2011, que é de 3% do PIB. No entanto, os economistas alertam que, em um cenário desfavorável – como, por exemplo, numa não tão distante crise de dívidas soberanas -, a política industrial anunciada nesta terça-feira pode complicar a vida do governo. Ficaria mais difícil bancar tantas isenções previstas, pois a arrecadação naturalmente cairia. A questão da desoneração da folha de pagamento, em particular, poderia se transformar numa espécie de “bomba-relógio”. Ante uma queda do faturamento das corporações, a perda de arrecadação da Previdência teria de ser bancada quase que inteiramente pelo Tesouro Nacional. “Se tudo se mantiver como está agora, não há problemas. Mas se a estratégia não der certo e a competitividade não aumentar, teremos um problema”, afirma Gomes.
O desejo de combater os efeitos da valorização do real na economia tem sido o baluarte a sustentar várias ações recentes do governo. Tudo é válido, na avaliação do Ministério da Fazenda, para conter a força da moeda e, assim, proteger a indústria nacional – desde medidas de controle de capital, como o aumento do IOF sobre operações que apostam na queda do dólar, até aquelas anunciadas nesta terça-feira, como a reserva de mercado de 25% nas compras governamentais para alguns setores da indústria, como o de Defesa. “Tentar resolver os problemas no câmbio por meio de ações no mercado cambial, tudo bem. Agora, as compras governamentais não deveriam ter nada a ver com isso. Os Estados Unidos reservavam mercado para proteger a economia durante a crise. Já o Brasil não tem porque misturar as coisas”, diz o economista da Universidade de São Paulo, Fábio Kanczuk.