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O primeiro Piketty: ao gosto de Mantega, mas não de Levy

Em 'A Economia da Desigualdade', autor francês esboça os princípios da teoria que o tornaria célebre: a de sobretaxar fortunas para reduzir o abismo entre pobres e ricos

Por Ana Clara Costa
17 jan 2015, 14h47

O livro o Capital no Século XXI, do autor francês Thomas Piketty, está na lista dos mais vendidos no Brasil há precisamente dois meses. Ele faz um apanhado histórico da evolução da riqueza e da desigualdade no mundo – um trabalho obsessivo de Piketty e um time de economistas de primeira linha ao longo de mais de 15 anos. O que provocou debates acalorados entre intelectuais do mundo todo, contudo, foram as propostas heterodoxas do economista para curar esse mal: a taxação progressiva da riqueza até chegar a 80%. A origem dessa ideia, que o fez alvo de comparações com Karl Marx, está no livro A Economia da Desigualdade, que será lançado no Brasil esta semana pela Intrínseca. Sua primeira versão foi publicada em 1997, quando Piketty era um jovem pesquisador do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS), um órgão de pesquisa acadêmica e tecnológica vinculado ao governo francês. Diante do sucesso de seu mais recente trabalho, o livro de dezoito anos atrás foi atualizado em 2014 e relançado na França.

Entre os 24 e os 26 anos, Piketty se dedicou a compilar material sobre a evolução da riqueza na França e, em sua primeira obra, traçou alguns paralelos com os Estados Unidos e a Inglaterra. Ele se dedica, mais que tudo, a lançar questões. “A desigualdade é consequência da concentração de capital?”; “É possível reduzir a desigualdade apenas com investimento pesado em educação?”; “As formas atuais de transferência de renda são eficazes?”. Ao leitor cabe julgar o melhor caminho.

Mas Piketty já faz algumas conjecturas. Argumenta, por exemplo, que a privatização da educação, algo que classifica como um importante motor da desigualdade, é um dos fatores que leva os Estados Unidos a terem uma sociedade mais desigual que a França, cujo sistema educacional é essencialmente público. Segundo ele, a universalização do ensino é ponto chave para ajudar a reduzir as diferenças de renda, pois viabiliza a criação de um ambiente em que todos os alunos têm um patamar mínimo de aprendizado. Piketty reconhece, contudo, que um sistema educacional eficiente não é o bastante para mudar a realidade de indivíduos cujo convívio familiar e social não estimula a escolarização. “O efeito da composição social dos alunos da escola e do bairro onde moram é muito mais relevante para o sucesso escolar do que o efeito das despesas do estado com a educação”, afirma.

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Livro A Economia das Desigualdades de Thomas Piketty
Livro A Economia das Desigualdades de Thomas Piketty (VEJA)

Piketty constata ainda que a distribuição de renda por meio do trabalho tem sido ínfima desde o início do século XX. A explicação para essa estagnação está, segundo ele, no fato de as despesas trabalhistas das empresas serem transferidas aos preços e salários, reduzindo os ganhos reais conquistados ao longo dos anos. O inverso acontece quando se observa o aumento da renda sobre o capital. Piketty argumenta que esse tipo de ganho cresceu na França entre as décadas de 1970 e 1990. E é justamente a relação entre o avanço da renda derivada dos ganhos de capital (r) e o dos ganhos com o trabalho (g) que balizará toda a teoria desenvolvida pelo francês em O Capital no Século XXI. A fórmula r>g , segundo ele, sintetiza a razão pela qual a desigualdade jamais vai ceder – e, mais ainda, tende a aumentar. Para Piketty, a renda sobre o patrimônio invariavelmente crescerá mais rápido que aquela conquistada com o trabalho. Por isso ele apresenta o aumento de impostos sobre os mais ricos como uma das principais ferramentas para equilibrar essa equação.

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Diferentemente do best-seller recente, em A Economia da Desigualdade o francês não se preocupa em desenhar soluções claras para a resolução do problema. Ao interpretar seus dados, ele encontra razões para negar que os aumentos de produtividade do capitalismo possam levar à melhor distribuição de renda. Ele diz, por exemplo, que a redução da desigualdade na Europa ao longo do século XX não foi um movimento natural decorrente do desenvolvimento. Para Piketty, dois acontecimentos específicos motivaram a melhor distribuição da riqueza: os choques patrimoniais provocados pelas duas grandes guerras.

Piketty sugere que a “redistribuição fiscal” é a melhor alternativa para solucionar o problema, em especial a chamada “redistribuição keynesiana”, inspirada na teoria de John Maynard Keynes. Ela prevê um mecanismo de aumento constante dos salários como forma de estimular a demanda e, assim, aquecer a atividade econômica e o nível do emprego. “Trata-se do melhor dos mundos para a redistribuição, uma vez que se torna possível aumentar tudo ao mesmo tempo, sem gerar custos a ninguém!”, escreve Piketty, deixando à exclamação a tarefa de transmitir sua empolgação com a ideia. Foi exatamente essa a fórmula da política econômica na era Guido Mantega. O modelo petista de desenvolvimento previa o reajuste salarial como principal forma impulsionar o consumo e, consequentemente, o crescimento econômico. Mas os entusiastas dessa aplicação de Keynes não contavam com seus efeitos colaterais, como o aumento do endividamento do estado e da inflação – que agora começam a ser combatidos pela nova equipe econômica chefiada pelo ministro Joaquim Levy.

Entrevista:

Piketty: ‘Para que o processo virtuoso do capitalismo continue, é preciso cuidar da desigualdade’

Segundo Piketty, até meados de 2000, nenhum país havia aplicado, de fato, um modelo de redistribuição eficaz na redução da desigualdade. Ele cita a França como o exemplo mais próximo do sucesso. O autor recorre aos diversos programas de transferência de renda criados a partir de 1980 para justificar o fato de a desigualdade ter caído no país no final do século XX, mesmo com o desemprego em alta. A análise, contudo, não leva em conta a grave crise fiscal na qual a Europa se envolveu desde 2009, exigindo de governos como o francês medidas drásticas de austeridade e aumento de impostos – mas não com intuito de reduzir a desigualdade, e sim abastecer os cofres de um Estado com as finanças em frangalhos.

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