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“O problema do nosso país é a visão de curto prazo”

Ministro da Economia entre 2002 e 2005, durante o governo de Néstor Kirchner, o economista Roberto Lavagna diz que os programas do governo atual são como uma 'colcha de retalhos' , sem visão de médio prazo para o país

Por Tatiana Gianini
30 set 2012, 14h26

Desde outubro do ano passado há uma intervenção muito maior do Estado na economia, na gestão de Cristina. Isso é um mau remédio.’ Robeto Lavagna, ex-ministro da Economia da Argentina no governo Néstor Kirchner

Reportagem em VEJA desta semana mostra como a presidência de Cristina Kirchner transformou a Argentina numa ilha, ao submeter os cidadãos ao isolamento econômico com medidas heterodoxas como o controle de câmbio, as barreiras às importações e o controle artificial dos preços. Os supermercados são obrigados a racionar até a venda de erva-mate. Durante a viagem, VEJA conversou com um personagem que apontava um caminho diferente para a Argentina. Ministro da Economia entre 2002 e 2005, durante o governo de Néstor Kirchner, o economista Roberto Lavagna é considerado o responsável por recolocar o país nos trilhos da estabilidade após a severa crise de 2001. Durante a sua gestão, o país registrou uma taxa de crescimento alta, de 9% ao ano, com uma inflação controlada e um superávit nas contas públicas. No atual cenário argentino, sua experiência bem-sucedida é fonte recorrente de consulta por parte de investidores internacionais. Em seu escritório em Buenos Aires, Lavagna concedeu a seguinte entrevista à repórter Tatiana Gianini:

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O senhor é considerado o último ministro da Economia que de fato conseguiu exercer o cargo. Hoje, muitos argentinos nem sabem o nome do atual responsável pela pasta. O que mudou? O Ministério da Economia já não é mais o que era antes. Agricultura, que antes estava dentro do meu ministério, agora é um ministério a parte. O mesmo ocorreu com a Indústria. O que ainda segue sendo chamado de Ministério da Economia é uma área que se ocupa de questões puramente financeiras. No lugar que antes havia um ministro, hoje há pelo menos cinco pessoas.

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A economia argentina vive hoje um período de decadência? O potencial argentino segue sendo enorme, embora este seja um momento no qual é preciso refletir. O crescimento médio anual do país passou de 9% até 2006 a 4% nos últimos anos. Trata-se de uma desaceleração importante. Mais do que isso, o governo atual já não tem à sua disposição os recordes históricos de superávit fiscal em suas contas públicas nem da balança de pagamentos. Há uma taxa de investimento bastante menor do que a de anos anteriores, e como consequência a criação de empregos é reduzida. Em 2007, também apareceu a inflação. Portanto, as margens de manobra da economia foram se consumindo e chegamos a um momento como o da primeira metade de 2012, no qual o país registrou um crescimento de não mais do que 1%.

Por que o governo passou de um cenário de superávit tanto nas contas públicas quanto no setor externo para um de déficits? Boa parte do superávit das contas públicas conseguido nos anos da gestão de Néstor Kirchner foi consumida pela concessão de subsídios não sociais oferecidos pelo governo, como os de transporte e de energia. No ano de 2005, esses subsídios eram de 3,5 bilhões de pesos. No ano passado, eles foram de 76 bilhões de pesos. Multiplicaram-se 22 vezes. Já o superávit em dólares das contas externas foi gasto com a importação de gás natural, principalmente da Bolívia. As importações de energia alcançam 11 bilhões de dólares.

O governo passou a controlar o acesso aos dólares para evitar a fuga de capitais. O senhor disse recentemente que isso era o mesmo que quebrar o termômetro para acabar com a febre. Por quê? Porque o problema é que um país que tinha superávit no comércio de energia hoje tem um déficit importante. Isso não vai ser resolvido apenas com a restrição aos dólares, mas sim com um plano de energia para o qual a Argentina tem reservas comprovadas mais do que suficientes. Para isso, falta segurança jurídica, falta que o preço que o governo paga pelos combustíveis seja razoável. Enquanto isso não ocorre, o país seguirá tendo que controlar o dólar com proibições de compra, que não levam a nada. O país passou a depender excessivamente de fatores externos, como o preço das commodities.

Grifes de luxo como a francesa Louis Vuitton e a americana Ralph Lauren decidiram fechar as suas portas porque não conseguem importar. A saída de investidores estrangeiros não preocupa o governo? Esse governo não. O objetivo do governo é usar menos dólares, porque ao usar menos dólares o governo pode pagar a conta de energia. Eles não se importam com o fato de que isso faça as empresas abandonarem o país.

A Argentina também perdeu para a Colômbia o posto de segundo país na América do Sul que mais recebe investimentos estrangeiros. O problema não se trata nem dos investimentos que deixam de entrar, mas dos próprios capitais que estão saindo do país. Como vamos esperar que entrem investidores de fora se os que estão dentro do país estão saindo? Desde 2006, há um déficit negativo entre o que entra e o que sai. Estima-se o país perdeu desde 2006 um total de 90 bilhões de dólares.

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Qual o futuro desse governo? Depende de como reagirá o governo nos próximos meses. Até agora, ele reagiu com medidas de curto prazo que têm efeitos negativos importantes, como a de restringir as importações de insumos para a produção. O que vai ser feito mais adiante eu não sei. Em minha opinião, o mais sensato a se fazer é mudar o rumo para as políticas econômicas de fomento produtivo de 2002 a 2006. Aumentar os investimentos em energia é um fator fundamental, mas o governo também terá que ordenar as contas em pesos, para controlar a inflação, que nos últimos cinco anos tem girado em torno de 21% em média por ano. Esse ano, a inflação anual será de 25%. Ou seja, o que terá que ser feito é reordenar as contas públicas e lançar um programa de investimentos energéticos.

Se o senhor fosse o ministro da Economia nesse momento, o que faria? Essa é a clássica pergunta que me fazem. Eu diria que implantaria um plano econômico e social, porque as dois coisas vêm juntas. Tudo isso funciona como a relojoaria, na qual cada peça tem que combinar exatamente com a outra para que funcione. Não basta uma medida ou outra paliativa, mas um plano integral que tem que combinar em termos de direção. Isso é um programa econômico. O governo agora age sem uma visão de médio prazo. É como uma colcha feita de retalhos.

Muitos argentinos comparam a situação difícil para conseguir dólares ao que ocorre na Venezuela. O que o senhor pensa? Infelizmente ao que tudo indica essas travas devem seguir, mas de forma muito conjuntural, até que se resolva o tema da questão energética.

Existem semelhanças da Argentina de Cristina com a Venezuela de Hugo Chávez? Desde outubro do ano passado há uma intervenção muito maior do Estado na economia, na gestão de Cristina. Isso é um mau remédio. Na Venezuela, a intervenção estatal é um fracasso. A petrolífera PDVSA passou de produzir 3 milhões de barris por dia para produzir 2,5 milhões. O Muro de Berlim caiu há alguns anos por um bom motivo. O Estado pode orientar, mas colocar-se a produzir não dá resultado.

Por que a população precisa pagar esse preço tão alto de não viajar, não comprar importados etc? Bom, as pessoas votaram por essa presidente. É por isso que afirmo que os eleitores argentinos precisam refletir. Isso ocorreu em outubro do ano passado. Os eleitores votam pelo curto prazo e depois sofrem. Um dos defeitos de nosso país é uma visão de muito curto prazo.

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