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O desemprego cresce, mas eles não desanimam

Segundo a CNI, 48% dos brasileiros estão em busca de segundo emprego para reforçar a renda; conheça alguns dos personagens desse novo momento do mercado de trabalho

Por Eduardo Gonçalves Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 1 nov 2015, 08h46

Uma assistente jurídica que é também manicure, um técnico em telefonia que vende cosméticos, um advogado que se descobriu expert em hambúrgueres. Em tempos de aumento do desemprego e diminuição da renda, mesmo quem tem trabalho está explorando um novo caminho profissional. Segundo pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI), quase metade dos brasileiros (48%) procurou um emprego adicional para reforçar o orçamento familiar nos últimos 12 meses – há dois anos, eram 25%. Muitas dessas pessoas fizeram da crise econômica um empurrão para empreender ou se lançar em um novo ofício. Na busca, essas pessoas dão rosto a um novo momento do mercado de trabalho do país.

Euzelia Lima, de 51 anos, é uma dessas personagens. Durante o dia, ela trabalha como digitadora de processos no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. À noite, faz cabelo, depilação, unha, mão e pé em um salão de beleza que improvisou em sua lavanderia – seus clientes são parentes, vizinhas, amigos, amigos de amigos. Nos fins de semana, faz bicos como faxineira, e, entre um trabalho e outro, aproveita para vender produtos da Avon. “E eu ainda limpo, passo e cozinho em casa. Mas esse não é renumerado”, diz, brincando. “Nós vivemos em um país rico – mal governado, é verdade -, mas é um país de oportunidades. Quem quer trabalhar, não pode desanimar e cruzar os braços.”

Com seus vários trabalhos, Euzelia, moradora do bairro da Sapopemba, na extrema zona leste de São Paulo, consegue renda entre 2,5 mil e 3 mil reais por mês. É menos do que os cerca de 4 mil reais que ela ganhava há quatro anos, quando se dedicava a um só emprego, como gerente comercial do Carrefour. Ela deixou o antigo trabalho por motivos pessoais e, mesmo com menos dinheiro, a despeito da multiplicação de afazeres, parece não guardar arrependimento. “A única coisa que eu tenho saudade é do salário”, diz.

Casos como o da multitarefas Euzelia põem sob uma luz diferente os números atuais do mercado de trabalho. O mais recente, divulgado na última quinta-feira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), informa que o desemprego medido pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad contínua) chegou a 8,7% no trimestre encerrado em agosto. É o maior nível da série histórica do indicador, iniciada em 2012. Em todas as faixas de renda há gente procurando atividades adicionais para reforçar o orçamento familiar. “Isso é resultado direto da queda geral da renda e do poder aquisitivo”, diz Maria Carolina Marques, economista da CNI.

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O advogado imobiliário Davison Gilberto Freire, de 37 anos, também integra esse universo de brasileiros que acumula ofícios em um país com renda em queda e desemprego em alta. Ele perdeu boa parte de sua clientela por causa da crise do setor de construção – o segmento deve cortar mais de meio milhão de postos de trabalho até o fim do ano, segundo estimativa apresentada na sexta-feira pelo Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (Sinduscon-SP). Com movimento mais fraco, Freire passou a ir ao escritório três dias por semana. Ele foi atrás de uma atividade extra para ocupar o tempo livre – e estancar a sangria da conta bancária – nos dois dias que passou a ter de sobra. E, assim, o advogado redescobriu-se no universo… dos hambúrgueres.

Com o prato, que até então fazia apenas para consumo próprio, ele teve parentes e vizinhos de condomínio como primeiros clientes. Lá se foi um ano, e Freire já fornece para padarias e pequenos restaurantes. “Os hambúrgueres de supermercado são muito ruins”, diz. O advogado-gourmet, que já tem cerca de 60 clientes fixos, chega a preparar até 80 quilos de carne por semana.

Ele até diversificou o cardápio. Hoje, vende hambúrguer de picanha, fraldinha, cupim, frango, recheado com queijo cheddar e muçarela de búfala, o que garante a ele até 3 mil reais extras por mês. Parte do dinheiro é usado para pagar as contas da faculdade da filha. O que começou como um hobby virou um negócio, que, segundo ele, é mais prazeroso do que a advocacia. Freire tem oito anos de atuação no mercado imobiliário e diz não enxergar possibilidade de melhora do setor no curto prazo. Já nos hambúrgueres, dá para sonhar com uma fábrica própria. “Em quatro ou cinco anos, quem sabe?”

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O caso de Freire é semelhante ao de Marcelo da Silva, de 43 anos. Ele tem experiência de 15 anos como personal trainer – e só em 2015 perdeu cinco dos 13 alunos que tinha. “As pessoas estão cortando os gastos. E o primeiro é o personal”, diz. “Mas não dá para ficar parado, metendo o pau no governo. Tem que achar alternativas.” Silva tornou-se vendedor. Com os contatos que fez durante a carreira, montou uma rede de fornecedores – e vende o que a necessidade exija. Hoje, comercializa itens como relógios, perfumes importados, suplementos nutricionais, cosméticos, sapatos e roupas de ginástica. Na ponta do lápis, está ganhando entre 50% e 60% a mais do que recebia com os cinco clientes que perdeu.

Marcelo da Silva e Davison Freire
Marcelo da Silva e Davison Freire (VEJA)

Um velho e certeiro chavão – Transformar crise em oportunidade é um velho chavão de consultores de negócios, mas, como atestam os exemplos de Euzelia, Freire e Silva, a máxima segue válida. “A crise serve para dar oportunidade aos mercados aoida pouco explorados”, diz David Jerônimo, consultor do Sebrae São Paulo. Ele cita as áreas de tecnologia, beleza e serviços em geral, que continuam crescendo mesmo com a debilidade da economia.

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É preciso adequar-se aos tempos de crise, entender para onde a economia está indo, diz o consultor. A adequação poder ser com uma atividade assalariada adicional ou abrindo um negócio próprio. Aos empreendedores, Jerônimo deixa três dicas: “investir em marketing pessoal, intensificar o relacionamento com os clientes e sempre usar a tecnologia disponível”.

A constatação de que a máxima “fazer da crise uma oportunidade” segue certeira é também do gerente técnico da Embratel Hermes Batista do Nascimento. Aos 59 anos, ele decidiu entrar no negócio de vendas diretas. Ao lado da esposa, começou oferecendo produtos da Mary Kay em julho e, neste mês, da Polishop. Nesses três meses, depois de cumprir expediente de oito horas no trabalho de origem, ele chega em casa para acertar contatos, planilhas e lista de pedidos. Os fins de semana são usados para reuniões e encontros para oferecer as mercadorias.

“A renda extra não vai ser maior do que o meu salário, pelo menos não no curto prazo. A ideia é conseguir repor o padrão de vida que nós tínhamos anos atrás”, diz Nascimento. A investida com a Polishop ainda está engatinhando, mas, com o comércio de maquiagens, batons, corretivos e delineadores da Mary Kay ele já conseguiu lucro que corresponde a 60% do capital investido no início.

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Nem toda iniciativa dará resultados, é verdade, e nem todas as pessoas que buscam um trabalho adicional têm tino empreendedor. Mas, como mostram os exemplos acima, se há desempregados, há também multiempregados.

(Com reportagem de Teo Cury)

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