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O desafio da qualidade de vida nas megacidades

Se não houver estratégia por parte dos governos e da sociedade, o declínio da qualidade de vida nas grandes metrópoles pode levar a um descontentamento em massa, violência e fuga de cérebros

Por Rogério Rizzi de Oliveira
8 Maio 2015, 21h10

Enormes deslocamentos populacionais de áreas rurais para conglomerados urbanos estão criando as grandes megacidades no planeta. O crescimento acelerado dessas localidades impõe o desafio da implantação da infraestrutura urbana, em um ambiente onde o capital é escasso, os exemplos de sucesso a serem replicados vêm de cidades muito menores no mundo desenvolvido, e onde os mecanismos de consulta democrática impõem lentidão ao processo. O que podemos fazer para alavancar o poder das ideias do próximo bilhão de pessoas a ingressar nas novas classes urbanas? Como alavancar tecnologias exponenciais para acelerar o processo – de modo a melhorar drasticamente a qualidade de vida nas megacidades no século XXI?

Enormes contingentes populacionais vêm se deslocando de zonas rurais sem futuro para grandes aglomerados urbanos em crescimento, criando neste processo as megacidades do planeta – de São Paulo a Lagos ou Mumbai. Estas massas humanas chegam às cidades muito antes que as diversas infraestruturas de suporte estejam presentes para sua acomodação, trazendo em consequência o caos urbano e a formação das favelas. Sem a melhora urgente no complexo de infraestrutura urbana, existe um risco de que a baixa qualidade de vida nas megacidades resulte em colapso. Atualmente não temos soluções de infraestrutura de sucesso comprovado ou modelos adequados a replicar. Precisamos de mais ciência e mais engenharia. Será que podemos enfrentar o desafio?

Observamos hoje migrações em massa para os centros urbanos em todas as partes da Ásia e África. Cerca de dois bilhões de pessoas mudaram das zonas rurais para as cidades nos últimos 50 anos e outros dois bilhões também o farão até 2050.

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Em última análise, a urbanização do planeta representará a desaceleração do crescimento demográfico, uma vez que as pessoas têm menos filhos à medida que mudam das zonas rurais para os centros urbanos. Por exemplo, o Brasil foi uma das primeiras economias emergentes a experimentar a migração em massa nos tempos modernos – a população de São Paulo passou de 2 a 20 milhões de habitantes entre 1950 e 2000 – e sua taxa de fecundidade caiu de uma media de 6 filhos por mulher em 1970 a 1,8 em 2010. O Brasil, país reconhecido por sua juventude e energia, deverá observar declínio populacional absoluto, iniciando em meados de 2030 – fenômeno comum hoje no Japão e nas economias Europeias. O mesmo fenômeno se observará em outras economias emergentes com grande população, como a Indonésia e o Irã. Ao redor da metade do século, o encolhimento populacional será comum no mundo inteiro, com a possível exceção da África. Mas ainda temos de viver um par de décadas de crescimento nas megacidades até que a pressão demográfica comece a diminuir.

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O crescimento acelerado das megacidades traz o desafio da criação da infraestrutura, que traz consigo melhor qualidade de vida. Precisam ser abordados três aspectos do desafio de infraestrutura. Em primeiro lugar, exceto Nova York e Tóquio, o mundo desenvolvido nunca teve de lidar com as megacidades – e Nova York e Tóquio se transformaram em megacidades já faz um século. As propostas mais visíveis para solucionar as carências de infraestrutura comuns às megacidades baseiam-se normalmente no que funcionou em cidades relativamente pequenas e ricas da Europa – Amsterdã, Estocolmo, Copenhague, Barcelona – que possuem dinâmicas incompatíveis com a realidade de cidades como Nairóbi, Mumbai, Rio de Janeiro e Lagos.

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Em segundo lugar, quando as primeiras megacidades foram construídas, havia relativamente poucas construções existentes ou mecanismos democráticos de controle de gestão ou de consulta popular. Ainda que positivos e muito necessários, estes mecanismos têm a desvantagem de tornar extremamente lento o processo de implementação das novas infraestruturas. Governos em todas as partes do espectro ideológico se sentem impotentes, com suas obras que nunca terminam.

Terceiro, o capital é escasso e parcelas cada vez maiores dos gastos públicos precisarão ser deslocadas para saúde e previdência, deixando menos recursos disponíveis para o investimento na infraestrutura.

As soluções inovadoras para o desafio da infraestrutura terão de ser encontradas em novos lugares – e existem três razões para o otimismo. Primeiro, pela primeira vez na história, educação e conhecimento de altíssima qualidade estão cada vez mais disponíveis on-line para estudantes com a devida motivação e energia, o que potencialmente aumenta em cerca de dois bilhões o número de aptos para o jogo da inovação. Quanto mais mentes estiverem aplicadas ao problema – principalmente aquelas com experiência em primeira mão – maiores serão as chances de se encontrar soluções. Estas pessoas representam os próximos dois bilhões com quem temos de aprender a ouvir, colaborar e apoiar com o suporte de tecnologias exponenciais já existentes.

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Precisamos combinar esta produção crescente de inovação proveniente de geografias emergentes com a necessidade de desenvolver novos mecanismos para ouvir as populações das megacidades, alavancando novas tecnologias, como as redes sociais e o crowdsourcing. Sinais deste mundo novo já podem ser encontrados nas classes médias e nas suas manifestações e clamores por qualidade de vida, em todo o planeta.

Segundo, já existe tecnologia disponível para novas soluções de impacto exponencial: automóveis elétricos e autônomos, bilhões e bilhões de sensores conectados para gestão de energia e água, hyper-loops para transporte, e a emergência de novas arquiteturas de computação descentralizada e distribuída, comunicando bilhões de dispositivos e pessoas através da ‘internet das coisas’. A implantação das tecnologias exponenciais existentes por meio de ideias arrojadas proporcionará a oportunidade para que as megacidades ‘deem um salto’ no desenvolvimento de infraestruturas modernas. Passaremos de 10 a 50 bilhões de aparelhos conectados à rede em apenas alguns anos, criando uma malha global de informações e dados. Estamos ainda assistindo apenas ao primeiro capítulo das transformações digitais em curso. E o impacto na qualidade de vida da megacidade tem o potencial de ser magnífico e transformador. Mentes inovadoras das megacidades, mãos à obra.

Por último, deve-se liderar por meio dos mecanismos institucionais democráticos clássicos. A parte mais difícil da solução é implantar novos projetos e novas capacidades dentro de uma estrutura de governança de funcionamento eficiente, que facilite as decisão sobre quem desenha, quem implementa e quem paga pela nova infraestrutura. A tecnologia está aí e disponível para ser usada. Para catalisar a ação, precisamos de casos de sucesso, de pequenas e grandes vitórias, em todos os lugares do planeta.

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Se não encontrarmos soluções, o resultado pode ser devastador. O declínio da qualidade de vida nas megacidades – o aumento contínuo do custo de vida, o trânsito insuportável, a poluição debilitante, problemas hídricos críticos, crime desenfreado – já está levando a visíveis manifestações em massa e à fuga de cérebros. Precisamos encontrar soluções para evitar o colapso e ajudar a atravessar as próximas duas ou três décadas, até que a redução do crescimento demográfico comece a contribuir de modo sensível para diminuir a pressão na infraestrutura.

Megacidades precisam florescer como líderes na elaboração de soluções inovadoras, onde indivíduos e famílias possam viver cada vez mais suas vidas com qualidade e significado – antes que se tornem lugares velhos e cansados, com pouco para oferecer. Precisamos encontrar urgentemente soluções para aproveitar as tecnologias já existentes e as novas ideias para criar exemplos surpreendentes para melhorar a qualidade de vida na megacidade do século XXI. É o poder do próximo bilhão.

Rogério Rizzi de Oliveira é vice-presidente de Estratégia Corporativa da Hewlett-Packard. Executivo brasileiro baseado em Palo Alto, Califórnia, Rogerio é especialista em estratégia tecnológica, planejamento de cenários de longo prazo e estratégia corporativa.

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O artigo é uma das várias perspectivas individuais da Comunidade para Cenários Estratégicos Globais do Fórum Econômico Mundial para a Reunião Anual de 2015

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