O Brasil precisa superar o impeachment para se estabilizar, afirma Nobel
Michael Spence, professor da New York University, diz a incerteza política cria ventos contrários à recuperação brasileira e que a economia global segue frágil
O processo de impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff precisa ser concluído para que a situação econômica do país se estabilize, avalia o economista Michael Spence, professor da New York University e ganhador do Nobel de economia em 2001. “Por enquanto, a incerteza e potenciais inconsistências políticas vão criar ventos contrários para o crescimento e a recuperação”, diz, com a ressalva de que faz a análise “do ponto de vista de um estrangeiro”, que analisa o quadro à distância.
A economia mundial, afirma o professor, ainda se ressente de demanda franca, fases de grande volatilidade e baixa perspectiva de crescimento. Trata-se de um cenário desafiador para os países em desenvolvimento, como o Brasil, que, além de tudo, precisam lidar com o impacto das novas tecnologias que prometem revolucionar a produção de mercadorias e serviços. Diante desse cenário, Spence, que preside a Comissão de Desenvolvimento e Crescimento do Banco Mundial, recomenda ao Brasil uma reforma fiscal que contribua para a ampliação dos investimentos públicos e privados. “O nível atual da taxa de investimentos é insuficiente para sustentar o crescimento duradouro”, afirma.
A seguir, a entrevista com Spence.
Qual a sua avaliação sobre a economia mundial e quais as perspectivas para os países emergentes? A economia mundial ainda lida com a demanda reprimida e períodos de maior volatilidade. Parece-me estável, mas de uma maneira ainda frágil. O atual padrão de crescimento é provavelmente insustentável. Na falta de medidas estruturais, como na área fiscal, há uma dependência exagerada da política monetária. O risco é termos juros baixos por um tempo prolongado. As pessoas e empresas não se sentem confiantes o bastante para consumir e investir. O elevado peso da dívida dos governos de diversos países também faz com que o investimento público seja inferior aos níveis ideias. Ao mesmo tempo, o crescimento na desigualdade social, devido a fatores como a globalização e a tecnologia digital, provavelmente contribuiu para o enfraquecimento da demanda, além do aumento da polarização política e social.
Nesse cenário, as economias emergentes precisam lidar com as suas próprias agendas para o crescimento, enquanto encaram também condições anormais nos mercados internacionais. Para completar, existe o impacto a cada dia mais presente das tecnologias digitais e do avanço em automação e inteligência artificial. Tudo isso fez com que várias economias emergentes acumulassem desequilíbrios nos últimos anos, e levará tempo até que elas se recuperem. Tratamos desses assuntos no grupo de trabalho da Comissão de Crescimento e Desenvolvimento do Banco Mundial.
O senhor mencionou o impacto para a economia das novas tecnologias. Qual será o efeito sobre os países em desenvolvimento, como o Brasil? Por enquanto o impacto não é grave. Como o Brasil é um país de renda média, precisam adotar a tecnologia digital para avançar nas suas metas de crescimento e diversificação econômica. Não se pode, contudo, ignorar a realidade de que quantidades crescentes de bens comercializáveis e de serviços estão sendo transformados pela tecnologia digital. Um exemplo significativo dessa transformação foi o anúncio, feito recentemente pela a Adidas, de que a empresa terá uma fábrica de calçados na Alemanha cuja produção será feita por robôs. Setores como o da indústria têxtil é de sapatos estão prestes a serem automatizados.
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Qual sua avaliação sobre a economia brasileira, depois do processo de impeachment de Dilma Rousseff? Do ponto de vista de um estrangeiro, parece um momento difícil, de incerteza. O processo de impeachment precisa ser concluído para que a situação se estabilize. Por enquanto, a incerteza e potenciais inconsistências inconsistências políticas vão criar ventos contrários para o crescimento e a recuperação.
O senhor mencionou anteriormente que o Brasil não está investindo como deveria, resultando no atraso da economia do país. O que pode ser feito para reverter esta situação? No geral, a taxa de investimento do país está abaixo de 20% do PIB, um nível insuficiente para sustentar o crescimento duradouro e elevado. Os investimentos públicos deveriam aumentar, o que exigiria uma reforma fiscal. O investimento do setor privado também precisa ser ampliado, e isso requer menos incertezas e um senso de direção claro. Fora isso, o Brasil precisa gerenciar as taxas de câmbio e os fluxos de capital para resguardar a economia de distorções e choques externos. O Brasil não está enfrentando esses desafios.
A desigualdade, ainda grande, é um fator que impacta o desempenho da economia? Sim, a agenda de inclusão social ainda é muito importante. Porém precisa ser balanceada com as medidas de crescimento. Isso é muito difícil, mas crucial.