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‘Não adianta cortar gasto se não limitar o endividamento’

Em entrevista ao site de VEJA, senador José Serra (PSDB-SP) fala sobre o projeto que impõe um limite legal não para as despesas do governo, mas para sua dívida

Por Marcela Mattos Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 19 fev 2016, 18h08

O governo anunciou nesta sexta-feira cortes de 23,4 bilhões de reais no Orçamento de 2016. Enxugar despesas sempre é uma medida bem-vinda quando se trata de dinheiro público – mas os contingenciamentos ocasionais estão longe de resolver os problemas fiscais do país. “Com um limite ao endividamento da União, nada dos problemas fiscais de hoje estaria acontecendo”, diz o senador José Serra (PSDB-SP), que apresentou no Congresso uma proposta de um limite legal não para as despesas do governo, mas para seu endividamento. O senador falou sobre a proposta ao site de VEJA.

O senhor é relator da proposta que impõe limite de endividamento à União, o que já está previsto desde a Constituição de 1988, mas nunca foi regulamentado. A situação econômica do país estaria diferente se a proposta tivesse sido aprovada cinco ou dez anos atrás? Eu acho que se a proposta já existisse, estaria todo mundo mais alerta do processo que estava sendo criado. Essa luz vermelha já teria sido acendida. Poderia ser diferente porque o governo teria de prestar contas e não iria se autoenganar tão facilmente. Quem se opõe à proposta, que é, entre eles, o (Ministério do) Planejamento, diz que ela significa amarrar as mãos e que é ‘cortar leite de criancinha’. Um terrorismo. Na verdade, não é assim. O projeto admite quinze anos de adaptação. Mais ainda: como a situação está ruim e o PIB está caindo, é óbvio que o desequilíbrio aumenta. Então tem uma previsão de que até 2018 aumenta (o endividamento), e só depois se assume um ritmo mais normal.

Mas por que trazer o tema à discussão só agora, quase 30 anos depois de promulgada a Constituição? O governo do (ex-presidente) Fernando Henrique (Cardoso) tentou. Mas o governo do PT deixou de lado, e os projetos não andaram aqui (no Senado). Ficou na inércia. Em princípio, o Ministério da Fazenda nunca é fanático de fazer isso, porque é para ele. Os economistas fora do governo às vezes têm uma visão mais objetiva do que precisa ser feito porque quem está no governo não quer se amarrar. Essa é a explicação básica. Estados e municípios fizeram, e funciona.

Estados e municípios tiveram os limites de endividamento estabelecidos em 2001, o que não ocorreu com a União. Hoje, muitos deles, especialmente os Estados, sofrem com alto endividamento a ponto de, em alguns casos, sequer conseguirem pagar salário do funcionalismo. Foi a regulamentação do teto da dívida que fez isso? Não. Os limites não geraram o problema nos estados. Nesse caso, o básico é a queda da receita. No Rio de Janeiro, o caso mais visível, isso ocorreu porque a receita do petróleo devia dar conta de uns 20% do orçamento. Além da queda do ICMS, que depende da atividade econômica. Os Estados estão limitados na receita por causa da queda da economia. Tem muita gente que diz que a dívida brasileira é baixa. Para o nível de riqueza que o Brasil tem, a dívida bruta é exagerada. O problema é o descontrole. Desde que a Dilma ganhou a eleição, os juros subiram 3,25 pontos porcentuais. Nós temos que controlar, a médio prazo, a dívida pública. Na verdade, o projeto vai ser restritivo quando a economia estiver bem. E a ideia é justamente impedir que, quando a economia estiver bem, se acelere de tal maneira que deixe o quadro muito pior quando as coisas estiverem mal. É o que aconteceu com o Lula: estava indo tão acelerado que bateu na parede. O projeto não é feito para a economia em crise. É feito para quando a economia retomar você segure as pontas. A disciplina fiscal é uma coisa de longo prazo, e ela tem muito a ver com o que você faz na época de fartura. É uma coisa que interessa a médio e longo prazo.

Governantes de todos os partidos costumam se queixar do engessamento de seus orçamentos por causa do elevado porcentual que se precisa obrigatoriamente gastar com áreas como saúde e educação. Só as despesas correntes dos estados passaram de 85% para 95% de 2005 a 2013, em média. Antes de mudar o teto do endividamento, não seria o caso de mudar esses repasses obrigatórios? Mas aí tem de se olhar a política salarial de cada Estado. Em alguns deles a folha cresceu uma brutalidade. Quando se pega custeio, é preciso olhar a folha salarial e os reajustes salariais dados. Agora, há questões que são graves, e em princípio para sempre. Por exemplo: se você não contrata mais ninguém, não dá reajuste de salário, a folha cresce 3%, 4% ao ano, por causa de quinquênio, sextas partes, licença-prêmio. Há mecanismos que automaticamente vão aumentando as despesas com pessoal. Uma reforma fiscal no Brasil vai ter de ver também a questão da inércia do crescimento das despesas. E não é por causa das vinculações, eu acho. Claro que vinculação, na prática, só aumentou mesmo na área da saúde. Eu acho que do jeito que está não é possível ter flexibilização dos repasses obrigatórios. Não tem como. Na educação, se paga salário. Não está nem investindo. E tem outra coisa: no caso dos Estados, parte da dificuldade de investir é em não poder pegar dívida. Porque, com dívida, você pode investir em projetos do Banco Mundial e outros. Mas os Estados estão limitados a uma dívida federal.

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A presidente Dilma Rousseff fez discurso no Congresso no início de fevereiro enfatizando a importância do controle do gasto público, mas, no ano passado, vários membros do governo criticaram a proposta da qual o senhor é relator, que impõe limites ao endividamento da União. Afinal, qual a diferença entre uma coisa e outra? Na verdade, está dentro da lógica do meu projeto. Embora eles (do governo) sejam contra. Ou seja, não tem lógica. O que o projeto prevê é óbvio: se você quiser limitar o crescimento da relação dívida-receita, você tem que estar preocupado com o gasto, que é o que forma a dívida.

Mas houve alguma tentativa de diálogo? Não. Inclusive, conversando com líderes do PT, eles não são capazes de dizer, não têm uma orientação. Na verdade ela (Dilma) ouviu no Conselho (de Desenvolvimento Econômico e Social, o “Conselhão) que essa medida pegaria bem, mas também não tem a proposta. Mande, então, um projeto para o Senado regulamentar. Ela mandando, eu posso apresentar o meu substitutivo. Se quiser colocar para andar, dá.

O ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy foi uma das poucas vozes no governo a defender sua proposta – e foi rechaçado por isso. Agora, ele não está mais no governo. Isso dificulta de alguma forma a tentativa de impor teto à dívida pública? A meu ver, não. A resistência é do governo, mas há também dentro do Senado. Mas, mesmo com essa resistência, vai ser aprovado até março. O Renan Calheiros (presidente do Senado) falou em discurso que vai votar. Ter o ministro da Fazenda ao lado iria ajudar, mas eu não acredito que o (Nelson) Barbosa (ministro da Fazenda) vá se colocar frontalmente contrário. Pegaria mal para ele. Ele estaria contra o equilíbrio a longo prazo, não afeta a gestão dele. É uma tendência até civilizada. Além do mais, seria uma sinalização para as agências de risco, para todo mundo. Tem um valor simbólico sobre as expectativas.

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Sua proposta prevê, para os próximos quinze anos, crescimento médio do PIB de 1,8%, superávit primário de 2,2% e juro real (descontada a inflação) de 3,5%. São número muito superiores aos que temos hoje. Os parâmetros da proposta não estão otimistas demais com a economia? É necessário ter uma aposta no médio e longo prazo. Do contrário, para onde o país vai? Crescer 1,8% na média do período é ambicioso demais? Não tem saída. Está se fazendo metas. E se há metas, tem de ter um resultado bom. A meta é realista e segue a tendência histórica do país em matéria de desenvolvimento.

Com a eventual aprovação do seu projeto, qual a perspectiva de ganhos para a economia? Enormes. A estabilidade fiscal é uma condição de sustentação para o crescimento. Não se cresce sem estabilidade fiscal. Ela não é tudo, crescimento precisa de investimento, produtividade e tudo mais. Mas ela é uma pré-condição. E um governo fraco do ponto de vista fiscal é um governo fraco do ponto de vista político. Essa é uma doutrina que eu sempre defendi.

O senhor também é autor do projeto que acaba com a obrigação de a Petrobras ter participação em todos os campos do pré-sal e ser a operadora exclusiva nesses campos. No que isso mudaria a extração do petróleo do pré-sal? Pelo menos abre a possibilidade de ter investimento privado. Agora está tudo mais frágil, mas com as coisas mais constantes é possível dar acesso ao capital privado também. Prejuízo não traz. A defasagem entre investimento e produção é de algo entre cinco e sete anos. As reservas têm valor. A Petrobras está quebrada, não tem dinheiro, estão procurando vender na bacia das almas. E vendendo errado, porque deveria ser vendido o controle dessas empresas, mas preservando a parte de extração de petróleo. Vende o controle, mantém uma participação acionária e ganha dinheiro. Porque o capital privado faria a Transpetro, a Gaspetro e a BR Distribuidora vender muito mais. Outra coisa: você vendendo o controle consegue um preço muito melhor. Uma coisa é vender ações de uma coisa que vai ser administrada pelo governo. Outra é o comprador administrar. A Petrobras devia ser enxugada dessa maneira. E eles estão aí vendendo na bacia das almas.

Quem se opõe a esse projeto afirma que ele “entrega” o petróleo brasileiro a empresas estrangeiras. Esse risco de fato existe? Não estou propondo vender a Petrobras enquanto produtora de petróleo. São acessórios. Além disso, a proposta é que a Petrobras permaneça com participação nessas empresas. Não existe o risco de entregar o petróleo, isso é conversa. Estou falando de vender coisas laterais, como distribuição, gás e transporte. Do ponto de vista da produção, o que interessa são os royalties e a participação especial, que permanece igual e você está capturando. Ninguém está fragilizando a Petrobras. A proposta até dá à empresa a possibilidade de pegar os campos que quiser, contanto que tenha dinheiro para investir.

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