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Murilo Ferreira leva a Vale ao divã

Presidente troca diretoria executiva, aproxima-se dos funcionários, aumenta salários e promete aos sindicatos que, apesar da crise, não demitirá ninguém

Por Ana Clara Costa, com reportagem de Carolina Almeida
6 fev 2012, 06h15

Para encontrar um equilíbrio entre seu próprio conservadorismo e as vontades do governo, Ferreira apostou numa solução prática. Já avisou que irá vender as operações de óleo e gás da empresa, assim como deverá se desfazer dos supercargueiros que foram encomendados na gestão anterior.

Oito meses se passaram desde que o mineiro Murilo Ferreira chegou à presidência da Vale. A definição de seu nome deu-se em meio a uma escancarada movimentação de figurões da República para sacramentar a demissão do antecessor, Roger Agnelli, e articular a escolha de alguém que fosse simpático aos ideais do Planalto. Em março do ano passado, ainda que o ex-presidente alimentasse esperanças de permanecer no cargo, sua demissão – que já era esperada para 2011 – foi consumada em reunião entre o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e Lázaro de Mello Brandão, presidente do conselho de administração do Bradesco (um dos principais acionistas da companhia). A notícia se espalhou pela imprensa, causando arrepios nos investidores. Afinal, era um sinal evidente de que o governo queria estender sua influência à maior empresa privada do país. O escolhido para essa nova fase de relacionamento foi justamente Ferreira.

De lá para cá, o executivo passou com louvor pelo crivo de um mercado fascinado por seu predecessor e espantado pela forma pouco transparente com que a sucessão na companhia foi conduzida. Murilo Ferreira, paulatinamente, trocou quatro dos sete membros da diretoria executiva, fechou um acordo histórico com os sindicatos e criou uma nova política interna para dissipar o clima de pressão e cobrança da gestão anterior – situação, aliás, corriqueira em conglomerados competitivos como a Vale. “Vivia-se em uma pressão como se o mundo fosse acabar amanhã. Agora, o foco é gestão. E o bom resultado, na teoria, deve vir como consequência”, afirma um alto executivo da empresa, que prefere manter o nome em sigilo.

Mudar a cultura corporativa sedimentada por Agnelli será um trabalho desafiador. Durante sua gestão, que durou de 2001 a maio de 2011, o estresse cresceu na mesma proporção que os resultados. A mineradora teve seu lucro anual multiplicado por dez e seu valor de mercado alcançou 235 bilhões de reais. Ao mesmo tempo em que os resultados avançaram de maneira surpreendente, o clima se deteriorou, a política de metas tornou-se a mais agressiva entre as concorrentes internacionais e a busca por lucros muito além das expectativas de mercado viraram mantra para todos os funcionários. Agora, o objetivo é outro. A executivos próximos, Ferreira afirmou: “A Vale não terá mais o objetivo de ser a maior, e sim a de melhor retorno”.

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Mudanças já ocorrem – A estratégia de “desestressar” a Vale e deixar o ambiente corporativo menos áspero já foi colocada em prática. Desde que pisou na sala da presidência, Ferreira promoveu uma verdadeira revolução na gestão de pessoas, nas relações com o mercado, com os sindicatos e, notadamente, com o governo.

Para comandar esse processo, designou Vania Somavilla, que era responsável pela área de Meio Ambiente e que passou a acumular as funções de diretora de Recursos Humanos, de Energia e de Saúde & Segurança. Braço direito do presidente, Vania passou a pilotar uma verdadeira máquina de propaganda interna para mostrar aos funcionários que não era mais preciso trabalhar com uma ‘foice no pescoço’ – aquela que, nos tempos de Agnelli, poderia ser ativada caso as metas não fossem cumpridas e superadas. “A Vania é muito técnica e conciliadora, apesar de também saber negociar. A escolha fez todo o sentido para esse novo momento da Vale”, afirma Fernando Coura, vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) e presidente do sindicato patronal de mineradoras, o Sindiextra.

Além de fortalecer a comunicação institucional, Murilo Ferreira visitou todas as unidades da Vale nos últimos meses, onde fez questão de se apresentar para o maior número de empregados possível e passar boa parte do tempo circulando pelas instalações. Ele também compareceu às comemorações de final de ano dos funcionários – algo impensável na gestão anterior. “A Vale claramente se voltou para dentro. Ela enxerga que o resultado virá por meio da produtividade e que será beneficiada no longo prazo pela satisfação dos funcionários”, afirma uma fonte que presta serviços de gestão para a empresa.

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Lula e Roger Agnelli, ex-presidente da Vale
Lula e Roger Agnelli, ex-presidente da Vale (VEJA)

Metas continuam – Apesar da mudança de clima, a política agressiva de metas não foi enfraquecida e poucos acreditam que seja. Em alguns casos, isso poderia resultar na queda de remuneração em todos os níveis hierárquicos, já que os bônus recebidos por todos os funcionários da Vale dependem de resultados. Essa remuneração pode variar de 4 a 20 salários em alguns casos, conforme o desempenho de cada área.

Além disso, este é um ano de desaceleração econômica – sobretudo na China, o principal mercado da Vale, onde a perspectiva de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) foi revista de 9% para 8,2%, de acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Para a economia mundial, as projeções recuaram de 4% para 3,3%. Um afrouxamento das metas internas diante dessa conjuntura poderia ser entendido de forma negativa pelo mercado.

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Foco no longo prazo – Perante perspectivas menos animadoras, um dos maiores desafios de Ferreira será convencer os acionistas de sua visão para o setor de mineração – um pouco mais conservadora, mas ainda em linha com a de Agnelli. O executivo já afirmou que diminuirá a diversificação de projetos e reforçará o foco em mineração. No orçamento de investimentos para 2012, que prevê um montante de 21,4 bilhões de dólares, a porcentagem de recursos a ser destinada a projetos de minerais ferrosos será de 46,7%, ante 35,5% no último ano da gestão Agnelli.

A diversificação era defendida pelo antecessor desde que não prejudicasse a atividade de mineração. Quando o governo Lula decidiu interferir na empresa e exigir investimentos em siderurgia, Agnelli torceu o nariz por achar que o retorno não compensaria, mas acabou cedendo. “Roger queria que a Vale traçasse o mesmo caminho das grandes mineradoras, no sentido de diversificar a produção e investir em outros segmentos, entre os quais o de óleo e gás. Já o Murilo é mais voltado para o minério de ferro, que é mais rentável”, afirma Victor Penna, analista do BB Investimentos.

Para encontrar um equilíbrio entre seu próprio conservadorismo e as vontades do governo, Ferreira apostou numa solução prática. Já avisou que irá vender as operações de óleo e gás da empresa, assim como deverá se desfazer dos supercargueiros que foram encomendados na gestão anterior. Em contrapartida, manterá os investimentos em siderurgia, que representam 2,9% do total disponível em 2012.

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A tacada foi certeira: ao dar fôlego à rentável mineração, Ferreira acalmou os ânimos de um mercado que temia uma possível ingerência do Planalto. De quebra, não se indispos com o governo por ter mantido os aportes em siderurgia.

Ainda assim, uma atuação menos ousada e mais direcionada para retornos demorados pode não ser bem compreendida por todos. “A mineração é um setor que trabalha com o foco no longo prazo. O Roger, no entanto, atuou de forma tão avassaladora que fez com que os acionistas se acostumassem com retornos rápidos. Vai ser muito difícil repetir resultados assim se a gestão não mantiver o mesmo ritmo”, afirma um antigo diretor que trabalhou na Vale durante a administração Agnelli.

Para se ter ideia, um investidor que aplicou 10 mil reais em papéis da Vale em 2001 encerrou o ano passado com quase 100 mil reais – isso sem contar os valores distribuídos em forma de dividendos. Neste ano, a mineradora prevê remunerar seus acionistas com dividendos recordes de 6 bilhões de dólares referentes ao exercício de 2011.

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Flerte com o governo – Se a própria escolha de Ferreira para presidir a Vale foi articulada pelo Planalto, não é de se espantar que algumas de suas atitudes alinhem-se com o governo federal. Político, o executivo refere-se a Dilma Rousseff como “presidenta”. Conversas costumam ocorrer entre as presidências da Vale e a da República, tendo em vista que o Ministério de Minas e Energia (MME), apesar de ser o responsável direto pelo setor, não tem interação política com a empresa. A pasta resume-se a discutir questões burocráticas, como a dos royalties do minério de ferro.

Em conferência com analistas estrangeiros, Ferreira foi questionado sobre sua proximidade com o Palácio do Planalto e como isso poderia influenciar a competitividade da Vale no mercado internacional. Respondeu de forma evasiva. “Precisamos ter um bom relacionamento em todos os lugares. O que eu posso dizer é que tenho a oportunidade de conversar sobre alguns assuntos com a presidente Dilma e ela entende que o Brasil precisa ser competitivo em relação a outros países”, disse.

Amigo dos sindicatos – Como parte desse alinhamento, houve também uma aproximação com o movimento sindical. Em setembro, o executivo reuniu-se, pela primeira vez na história da Vale, com todos os representantes dos 17 sindicatos de empregados da companhia. Nessa reunião, que durou cerca de duas horas, fez promessas comprometedoras: “Ele garantiu que o trabalhador não pagará o preço da crise. Disse que cortaria primeiro os (benefícios) dos diretores, mas que não iria demitir ninguém”, afirma Paulo Soares, presidente do Metabase, o maior sindicato de funcionários da mineradora, com sede em Itabira (MG). O técnico, que acaba de ser eleito membro do conselho de administração da Vale, só teceu elogios à nova gestão. (Desde a privatização, uma cadeira no conselho sempre é direcionada a um membro eleito por trabalhadores). “Antes vivíamos nas trevas. Chamamos a gestão de Agnelli de o inferno dos dez anos”, bradou o sindicalista.

Dilma com Murilo Ferreira, presidente da Vale
Dilma com Murilo Ferreira, presidente da Vale (VEJA)

Dessa reunião surgiu um acordo sindical histórico para a empresa: um ganho real de 3,37% foi concedido aos funcionários do setor extrativista; definiu-se o pagamento de uma bonificação de 1,7 salário para os que permanecerem na companhia nos próximos dois anos (com o objetivo de evitar a sangria constante no quadro de funcionários); além do oferecimento de um abono de 1.400 reais e um aumento da contribuição da empresa no plano de saúde e no auxílio educação. Tudo de uma só vez.

Outra cláusula do acordo prevê a criação de um canal de combate ao assédio moral, em que o empregado pode denunciar anonimamente abusos por meio de uma central que envia diretamente as denúncias ao conselho de administração – onde está o representante sindicalista. “O conselho vai remeter a denúncia para investigação interna e apurar os fatos. Há muito tempo vínhamos solicitando essa ferramenta que já é usada pelo sindicato dos bancários, mas o Agnelli jamais permitiu”, afirma João Batista, presidente do sindicato dos ferroviários, o Sindfer.

O “populismo” corporativo adotado por Ferreira, e que tanto o difere de seu antecessor, por enquanto, para por aí – o que não é pouco. Há de se reconhecer seus méritos. A diretoria que montou não é composta por nomes políticos, como ocorreu em 2007 com a chegada Demian Fiocca, economista indicado por Guido Mantega – e que Agnelli demitiu em 2009. As principais contratações efetuadas por Ferreira, até o momento, envolvem nomes de mercado e ex-funcionários da própria Vale. Pessoas que costumavam ver, em anos anteriores, José Dirceu descendo de helicóptero na sede da Avenida Graça Aranha, no centro do Rio de Janeiro, e Luis Gushiken atuando como consultor, garantem que tais figurões há muito não circulam por lá.

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