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Mercado precisa de detalhes para avaliar se plano europeu é bom ou ruim

Líderes da Europa reuniram-se nesta quarta-feira e chegaram a alguns consensos, como a recapitalização dos bancos e o perdão da dívida grega. É pouco.

Por Ana Clara Costa e Benedito Sverberi
27 out 2011, 10h15

Após seguidas reuniões a portas fechadas nesta quarta-feira em Bruxelas, e semanas de especulação, líderes dos 27 países da União Europeia chegaram a alguns pontos consensuais sobre como solucionar as deficiências econômicas da região. Os tópicos a serem trabalhados são o plano de recapitalização dos bancos; o perdão de parte da dívida da Grécia; o aumento do Fundo de Estabilidade Europeu; e a participação dos emergentes no socorro à região. Algumas medidas foram expostas, mas, ainda assim, sobraram pontos a serem definidos no futuro. De forma geral, dizem os especialistas, o “diabo mora nos detalhes”. Não basta anunciar um plano genérico, mas sim apontar como se pretende torná-lo factível. Esta segunda etapa deverá demorar mais algumas semanas. Somente depois disso, o mercado concluirá se tanto suspense na Europa realmente valeu a pena.

Negociações em Bruxelas – As reuniões na capital belga nesta quarta-feira ocorreram em grupos diferentes. O primeiro, composto pelos 27 países da União Europeia, deliberou sobre a recapitalização dos bancos do bloco. O tema já era considerado consensual nas últimas semanas e prevê que as instituições tenham, no mínimo, 9% de índice de solvência de alta qualidade. A segunda reunião, que teve inicio no final da tarde desta quarta-feira, contou apenas com os líderes dos países membros da zona do euro. Nela, definiu-se a ampliação do fundo de resgate europeu e a reestruturação da dívida da Grécia. Os líderes também reiteraram, no decorrer da tarde, a importância da participação dos países emergentes no plano de salvamento do bloco.

Tema em foco: A crise do euro que amedronta a economia mundial

Ao entrar na sede da União Europeia, em Bruxelas, a chanceler alemã Angela Merkel havia reconhecido que o plano sairia a qualquer custo, mas que não resolveria todos os problemas naquela data. Já o primeiro-ministro grego, Georges Papandreou, afirmou ao jornal Le Figaro que definições tomadas ao longo do encontro poderiam “salvar o euro”. Apesar da colocação dramática, Papandreou não deixa de ter uma parcela de razão. O risco envolvendo a adoção da moeda única nunca foi tão alto e nocivo – tanto para os países mais fortes quanto para os mais debilitados da união monetária. A expectativa com o plano anunciado nesta quarta-feira, é que, ainda que nem todos os problemas estejam perto de uma solução, que pelo menos a moeda única deixe de ser colocada em xeque. O problema, lamentam os economistas, é que muitas dúvidas ficaram sem resposta, o que aumenta as incertezas sobre a viabilidade de um pacote tão ambicioso. Não se pode descartar, portanto, que o nervosismo dos mercados continue.

Recapitalização dos bancos – O grande temor da Europa é que a crise da dívida não se transforme em uma crise bancária, comprometendo a solidez das instituições do continente – mesmo daquelas que não estão expostas a títulos gregos. Segundo o primeiro-ministro polonês, Donald Tusk, ficou definido que o índice de solvência dos bancos – ou seja, a proporção de seu capital frente a seu patrimônio – terá de ser elevado para 9%.

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Este índice de solvência é uma composição que o Comitê de Supervisão Bancária de Basileia – que reúne os maiores bancos centrais do mundo – impõe a instituições financeiras de todo o planeta para qualificar seus ativos. O indicador que terá de ser elevado na Europa é o chamado TIR1. Trata-se de um dado que mostra quanto a instituição possui de capital de alta qualidade em relação a seu patrimônio. Ao exigir um cumprimento mínimo de 9%, os líderes europeus sinalizam que querem bancos sólidos, com ativos muitos bons em relação ao total. Analistas relembram que esse aumento já havia sido acordado pela Basileia, e começaria a ser implementado em todo o mundo a partir de 2013. O mais provável é que os bancos europeus estejam se adiantando a isso.

O desafio, no entanto, é definir como ocorrerá a recapitalização. Para o economista Alexandre Schwartzman, doutor em economia pela Universidade da Califórnia (em Berkeley) e ex-diretor do Banco Central, há duas formas de atender a esse nível. A primeira, seria reduzindo o volume de ativos – o que impactaria diretamente na disponibilidade de crédito das instituições. A outra forma seria o aumentar o capital dos bancos, quer seja por meio de emissão de títulos, quer pela ajuda direta dos governos. “O problema é: quem vai querer comprar esses títulos? E, no caso dos governos, qual estará apto a ajudar esses bancos?”, questiona o economista.

Perdão da dívida grega – Os líderes europeus também concluíram que é preciso impor aos credores privados dos títulos soberanos da Grécia uma amarga perda. Do total da dívida grega, de 350 bilhões de euros, as instituições financeiras privadas respondem por 60%, ou 210 bilhões de euros. O poder político do bloco definiu, então, que é preciso baixar na marra este endividamento para 100 bilhões de euros. Como conseguir uma redução de dívida desta proporção em pouco tempo? Ficou definido que mais 50% teria de ser simplesmente perdoada pelos credores privados. Além disso, os países da zona do euro contribuirão com um montante de 130 bilhões de euros ao longo de quase dez anos para que, em 2020, a proporção dívida/PIB da Grécia seja reduzida de 160% para 120%.

A decisão marca um endurecimento dos europeus, que, desta forma, querem baixar a relação dívida/PIB da Grécia de forma significativa na tentativa de evitar que novas turbulências geradas por desconfianças com o país voltem à tona num futuro próximo. A opção também comprova a decisão de não impor novas perdas ao Banco Central Europeu (BCE), outro grande credor dos papéis gregos. Para o mercado, no entanto, a medida, se vista de forma isolada, saiu pior que encomenda. “Esta opção não elimina o risco sistêmico”, afirma o analista de mercados internacionais da Tendências, Raphael Martello. “É preciso que fique mais claro como os bancos poderão absorver tamanho prejuízo. Haverá troca por dívidas com menor valor de face? Os governos ajudarão?”, alerta.

O economista explica que, nos últimos meses, o mercado interbancário europeu encontra-se estagnado, tomado por enorme desconfiança das instituições em emprestarem umas às outras. Somam-se a isso o fato de a economia da região estar parada e as perdas registradas nas transações financeiras. Em resumo, num momento já desfavorável, os bancos terão de assumir uma perda elevada. “O melhor a ser feito é o caminho proposto pelo presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, que sugeriu uma recapitalização por etapas”, acrescenta.

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Os analistas apontam ainda uma contradição: os europeus querem melhorar a composição dos ativos dos bancos, ao mesmo tempo que impõem prejuízos que a pioram. Para fazer frente a essas demandas, as instituições necessitarão de volume assombroso de recursos. “Diante disso, será importantíssimo acompanhar como será a negociação da Alemanha e da França com os bancos. Uma contraparte dos estados terá de, provavelmente, ser definida”.

Aumento do fundo de resgate – O aumento do Fundo Europeu de Estabilização Financeira (EFSF, na sigla em inglês) para em torno de 1 trilhão de euros vem sendo ventilado há algumas semanas. Na reunião desta quarta-feira, ele foi confirmado – ainda que com algumas ressalvas. A ampliação deverá ocorrer de duas formas. A primeira será por meio de garantias dos governos europeus, e não pelo endividamento do fundo. Isso significa que o EFSF garantirá aos investidores uma porcentagem do valor investido em novos títulos emitidos pelos países da zona do euro. Para honrar essas garantias, o fundo poderá alavancar em quatro vezes o seu patrimônio atual – já excluídos os auxílios aos países periféricos -, o que faria com que sua capacidade de resgate chegasse a 1 trilhão de euros.

A segunda será por meio da criação de um veículo especial de investimento, que compraria os títulos da dívida dos países do bloco, ao mesmo tempo que poderia emitir seus próprios títulos. Na avaliação de Schwartzman, tal alternativa é extremamente arriscada, pois o veículo possuirá a mesma estrutura dos derivativos que originaram a crise do subprime, em 2007. “Foi assim que o mercado criou os derivativos de crédito”, diz o economista. Contudo, a falta de detalhes – sobretudo nessa segunda forma de ampliação do resgate – coloco ainda mais dúvidas sobre a eficácia do plano. Os detalhes, segundo os líderes europeus, sairão apenas em novembro.

Emergentes terão papel crucial – Segundo o jornal Le Figaro, a ideia, a partir de agora, é de “passar o chapéu” nos países detentores de grandes reservas internacionais. A única nação na Europa que se enquadra neste perfil é a Noruega – dona de um fundo soberano com 551 bilhões de “petrodólares”. Mas o primeiro-ministro do país, Jens Stoltenberg, disse nesta quarta-feira em Oslo que não contribuirá com nenhum centavo para a proposta – lembrando que diversos líderes já o procuraram para tratar do assunto. Restam, portanto, os países emergentes, como China e Brasil. O Le Figaro destaca, inclusive, que o presidente do fundo de estabilidade, Klaus Regling, está com viagem prevista para Pequim nesta sexta-feira.

A China é um dos poucos países emergentes dispostos a comprar diretamente títulos da dívida europeia. O governo brasileiro já afirmou, por meio do ministro da Fazenda, Guido Mantega, que irá aplicar parte de suas reservas na Europa, mas por meio do Fundo Monetário Internacional (FMI), forma de atuação considerada mais segura pelo governo. A Rússia também informou que irá investir por meio do FMI.

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