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Juros em queda livre

Segundo Barry Eichengreen, excesso de poupanças em países como a China não são tão expressivos a ponto de motivar a manutenção da era de juros baixos no mundo (menos no Brasil, claro)

Por Da Redação
19 abr 2014, 08h45

Duas das instituições econômicas mais importantes do mundo, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o ex-secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Larry Summers, alertaram recentemente que a economia global pode estar enfrentando um longo período de baixas taxas de juros. Por que é que isso é uma coisa ruim e o que pode ser feito em relação a isso?

Ajustadas pela inflação, as taxas de juros vêm caindo há três décadas e o seu atual baixo nível incentiva os investidores, que procuram lucros, a assumirem riscos adicionais. As baixas taxas de juros também deixam pouca margem de manobra aos bancos centrais para adotarem uma política monetária menos rigorosa num cenário de desaceleração, porque os juros nominais não podem cair abaixo de zero. E são sintomáticas de uma economia que está em baixa.

Identificar o problema, muito menos que determinar as soluções, requer um diagnóstico das causas subjacentes. E aqui, infelizmente, os economistas estão de acordo. Alguns apontam para um aumento da poupança global, atribuível principalmente aos mercados emergentes com altas poupanças. Os leitores irão descobrir aqui ecos do “excesso de poupanças” – argumento popularizado há quase uma década por pessoas que compartilhavam as mesmas crenças que os ex-presidentes do Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA), Alan Greenspan e Ben Bernanke.

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Há apenas um problema: os dados mostram poucas evidências de um excesso de poupança. Desde 1980, as poupanças globais oscilaram entre 22% e 24% do PIB mundial, com pouca tendência a subirem ou descerem.

Mesmo se as poupanças globais excederem ligeiramente os 24% do PIB mundial em 2014, é improvável que permaneçam tão altas por muito tempo. A economia da China irá cair à medida que o crescimento do PIB desacelera, as autoridades livram de fiscalização as taxas de juros nos depósitos bancários e a economia se reequilibra em direção ao consumo. Isso também será uma realidade para outros mercados emergentes, à medida que as suas taxas de crescimento caem de forma semelhante dos altos picos excepcionais do final da década passada.

A mesma objeção empírica aplica-se aos argumentos que culpam as baixas taxas de juros pelo crescimento da concentração de renda e riqueza. É plausível que os ricos consumam partes menores dos seus rendimentos e as tendências recentes na distribuição de rendas e riqueza são certamente preocupantes em muitos motivos. Mas, para afetar as taxas de juros globais, essas tendências têm de traduzir um aumento das poupanças globais. E as provas não existem.

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Uma segunda explicação para as baixas taxas de juros é a escassez de projetos de investimento atraente. Mas esse não parece ser o diagnóstico dos mercados de ações, especialmente nos Estados Unidos, onde as ações são negociadas a preços tão elevados que batem recordes. Esse mercado também não se conforma com o entusiasmo com que os capitalistas de risco estão investindo em empresas de comercialização de novas tecnologias.

Alguns economistas, liderados por Robert Gordon, da Universidade North Western, argumentam que, apesar das valorizações nos mercados de capitais, todas as grandes invenções foram feitas. O potencial comercial da Internet, o projeto genoma humano e a robótica perdem destaque quando comparados com a máquina de fiar, a máquina a vapor e a água encanada.

Talvez seja assim, mas vale a pena observar que os céticos da tecnologia estiveram constantemente errados durante 200 anos. A História sugere que, enquanto não sabemos quais serão as invenções mais rentáveis do futuro, podemos estar confiantes de que haverá alguma.

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Ainda há outros, como a atual líder do Fed, Janet Yellen, que sugerem que o investimento e as taxas de juros estão em baixa como resultado dos danos causados à economia e à força laboral durante a Grande Recessão. Especificamente, as competências e o estado de espírito dos desempregados de longa duração enfraqueceram-se. Separados do mercado de trabalho, eles não têm rendimentos para gastar; e, estigmatizados pelo desemprego de longa duração, não são considerados como trabalhadores convenientes.

Como resultado, as empresas conferem uma demanda insuficiente por seus produtos e uma escassez de trabalhadores qualificados para as suas linhas de montagem. O resultado são as baixas despesas de capital, uma das anomalias marcantes da atual recuperação, que por sua vez pode explicar outros aspectos preocupantes da recuperação, desde o crescimento lento até às baixas taxas de juros.

Este argumento tem mérito considerável. Mas, embora possa explicar o porquê de os gastos de capital serem fracos e as taxas de juros estarem baixas nos últimos três anos, não consegue explicar por que é que as despesas de capital têm sido insuficientes para evitar que as taxas se inclinem para a descida há mais de três décadas. Aqui, a única explicação que ainda está de pé é a mudança na composição da atividade, longe das formas intensivas de produção, como a indústria fabril, dirigindo-se para atividades de capital menos intensivas, como os serviços.

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Se o transtorno tem múltiplas causas, então deve haver vários tratamentos. Deveria haver incentivos fiscais para as empresas contratarem desempregados de longa duração; mais gastos públicos com infraestrutura, educação e pesquisa, para compensar o déficit nos gastos de capital privado; e ainda requisitos de capital mais elevado para os bancos e um Regulamento reforçado de sólidas instituições financeiras para impedir que corram riscos excessivos.

Finalmente, os bancos centrais deviam definir uma meta de inflação mais alta, o que lhes daria mais espaço de manobra para cortarem as taxas de juros nominais em resposta a um abrandamento futuro. Isto não é algo que uma nova cadeira do Fed, ansiosa por estabelecer a sua boa-fé na antiinflação, possa dizer em voz alta. Mas é isso que os seus argumentos sugerem.

Barry Eichengreen é professor de Economia e Ciências Políticas da Universidade da Califórnia, em Berkeley

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(Tradução: Roseli Honório)

​© Project Syndicate, 2014

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