‘Grécia já não tem potencial de risco sistêmico’, diz economista
Octavio de Barros, diretor de Pesquisa e Estudos Econômicos do Bradesco, acredita que a crise grega já não representa mais perigo
Com uma economia em frangalhos, desemprego recorde, crise política e manifestações populares violentas, a Grécia está hoje em ebulição. Não bastasse o clima sombrio em Atenas, as perspectivas não apontam para a resolução de quaisquer dos problemas citados. Exemplo disso é a dificuldade que os líderes gregos enfrentam para convencer as autoridades europeias de que o país pode se habilitar a receber uma nova – e necessária – ajuda financeira.
Por outro lado, a economia grega já não tem força para provocar uma crise sistêmica. A avaliação é feita por Octavio de Barros, diretor do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos (Depec) do Bradesco e profundo conhecedor do tema – Barros tem mestrado em Economia pela Sorbonne e doutorado pela Universidade Paris X, ambas na França. “Não interessa se a Grécia ficará ou não na zona do euro. O que interessa é que ela já não tem potencial de estrago sistêmico”, afirmou durante evento da Câmara de Comércio França-Brasil, na tarde desta terça-feira, em São Paulo.
Para Barros, a aprovação do plano de austeridade que visa abrir caminho à liberação de um pacote de socorro de 130 bilhões de euros é suficiente para garantir uma sobrevida à Grécia na zona do euro, ainda que o país se mantenha em situação fiscal precária nos próximos anos. “A Grécia é uma situação à parte que não irá se repetir. A União Europeia assumiu os custos do desastre”, afirmou.
O economista citou a atitude contundente do novo presidente do Banco Central Europeu (BCE), Mario Draghi, em garantir a solidez das instituições bancárias europeias, como principal motivação de otimismo. “O Draghi decretou que nenhum banco quebrará. Eu o vi na minha frente dizendo isso”, afirmou Barros, referindo-se ao painel comandado pelo italiano em Davos, durante a última edição do Fórum Econômico Mundial, no qual discursou sobre a situação europeia.
Qual é a gravidade do problema grego hoje?
A situação da Grécia é dramática. Ela conseguirá chegar em 2020 com uma relação dívida/PIB de 120%, que significa ainda mais do que o número de Portugal hoje, que é de 117%. Contudo, ficou claro que os países da União Europeia tomaram o problema da Grécia para si. É uma situação à parte que não irá se repetir. A União Europeia assumiu os custos do desastre, pois é um desastre o que está acontecendo na Grécia.
Portugal é a nova Grécia?
É incômodo as pessoas confundirem Portugal com Grécia. O governo português vai conseguir cumprir o superávit primário no ano que vem. E a Grécia talvez consiga dentro de cinco anos. Então, não faz o menor sentido a comparação que andaram fazendo. A economia de Portugal é muito mais aberta. Além disso, a percepção do mercado melhorou desde que, na semana passada, o ministro das Finanças da Alemanha foi a público defender que Portugal não precisa fazer um ajuste fiscal tão forte. A própria Alemanha dizendo isso a Portugal significa muito.
A Grécia deve sair da zona do euro?
Ela pode até vir a sair, mas somente dentro de dois ou três anos, quando a zona do euro tiver uma nova governança que preveja mecanismos menos traumáticos de saída. Hoje, um país só pode sair da união monetária se ele mesmo quiser, pois a decisão tem de ser por unanimidade. Ou seja, mesmo se a Grécia quiser sair e algum país se colocar contra, ela não consegue.
Houve muita demora da Europa em agir para estancar a crise grega?
Não houve. Eles chegaram a um perdão de 70% para o setor privado e, daqui a pouco, deverá vir a parte do setor público. Pode até ser que haja perdão da dívida junto ao FMI e aos governos europeus. Isso não quer dizer que a Grécia não terá mais dificuldades. Ela vai ter. O que acontece agora é que a Grécia não tem mais potencial de risco sistêmico. Acabou. Ela não tem mais o potencial de estrago que tinha alguns meses atrás. O que ela podia contagiar, já está lá.
O mercado já precificou a saída da Grécia da zona do euro?
O mercado já precificou e desprecificou mil vezes. A maior parte dos analistas acredita que a Grécia sairá da zona do euro. Mas isso não significa nada. O que interessa é o potencial sistêmico, que não existe mais. Ela deverá saldar sua parcela de dívida de 14 bilhões de euros e vai se tornar um assunto desinteressante aos mercados. O importante para a Europa agora é a recessão.
Suas perspectivas são de uma recessão severa?
Prevemos uma queda de cerca de 0,5% até 1% do PIB. Ainda não dá para saber se será severa ou não. Em princípio, isso não é um grande problema porque a Europa está acostumada a crescer de forma medíocre. Nos últimos 21 anos, a taxa média de crescimento anual na zona do euro foi de 1,4%, então retrair 0,5% não doi tanto. Essa taxa é historicamente menor que a americana, por exemplo. E isso sempre foi assim em função do regime de bem-estar social europeu, que tem um alto custo em relação ao PIB.
A Espanha também continua no centro do problema?
A Espanha é o país com a melhor situação fiscal. A relação dívida/PIB é a menor da Europa. O problema era o setor bancário. Mas isso foi mitigado com o auxílio do governo às chamadas ‘cajas’. O BCE e o Banco da Espanha estão sendo muito rigorosos em seus pedidos de aumento de nível de capital aos bancos espanhóis. O Santander e o BBVA estão muito bem e fizeram ajustes. O Santander, inclusive, vendeu ativos, ou seja, todos estão enquadrados. Além disso, depois que o Mario Draghi assumiu o BCE, esse tema se dissipou. O Draghi decretou que nenhum banco quebrará. Eu o vi na minha frente dizendo isso. Ele acrescentou que, nos casos problemáticos, o BCE analisará caso a caso. Ele não quer nenhum cadáver bancário. Sabe o que aconteceu com o Lehman Brothers e que o primeiro banco médio ou grande que quebrar na Europa causará um estrago gigantesco.