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Energia das térmicas custará R$ 3,2 bi para o setor elétrico

Enquanto a presidente Dilma busca reduzir conta de luz em 20% em 2013, consumidores terão de arcar com os (altos) custos do ligamento dessas usinas

Por Naiara Infante Bertão
15 dez 2012, 17h17

Embora custosas, usinas movidas a óleo combustível, diesel e carvão dão segurança ao sistema elétrico nacional

Em outubro e novembro deste ano, quando os reservatórios das hidrelétricas do Sudeste e Centro-Oeste atingiram os piores níveis desde 2001, todas as usinas térmicas do país tiveram de ser ligadas – inclusive as mais caras, movidas a óleo combustível e carvão. Esse custo adicional, estimado em 3,2 bilhões de reais para o todo o período em que estiverem ligadas, será todo transferido às contas de luz no ano que vem. No momento em que a presidente Dilma Rousseff e sua equipe perseguem a prometida diminuição média de 20% da tarifa de energia elétrica em 2013, a notícia não agrada muito.

Dados levantados a pedido do site de VEJA pelo Instituto Acende Brasil e pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) mostram que o encargo referente ao ligamento das térmicas – o chamado Encargo de Serviço de Sistema (ESS), que é embutido na conta de luz – somou um custo adicional de 950 milhões de reais apenas nos últimos dois meses. Foram 367,04 milhões de reais em outubro (os equipamentos foram acionados a partir do dia 18) e 581,46 milhões de reais em novembro. Logo, a cifra deve ultrapassar tranquilamente 1 bilhão de reais em 2012 com a contabilização dos gastos de dezembro.

A expectativa no setor é que as usinas a diesel, óleo combustível e carvão terão de ficar ligadas até março. Considerando que, nos três primeiros meses do ano, todas as térmicas tenham de ficar ligadas enquanto as barragens voltam a encher no período de chuvas, o custo total de sua operação será da ordem de 3,2 bilhões de reais. Este valor será transferido a todos os clientes do sistema. Ainda não é possível calcular o impacto desta despesa sobre as tarifas porque o cálculo dos reajustes – feitos pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) – é complexo; leva em conta as especificidades de cada empresa, como, por exemplo, índices de produtividade; e ocorre em diferentes datas, o que faria, portanto, com que uma distribuidora com reajuste programado para janeiro não incorpore todo esse custo que incorrerá até março.

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Água de menos – Informações do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), que é responsável pelo monitoramento diário de todo o setor, mostram que as barragens das hidrelétricas brasileiras encerraram outubro com armazenamento de 40,2%. Este índice baixou para 33,9% ao final do mês seguinte e a situação continuou a piorar neste mês. No último dia 12, os reservatórios do Sudeste e do Centro-Oeste atingiram a marca crítica de 29,65%. Os do Sul e do Nordeste vinham na sequência, com 33,75% e 34,52%, respectivamente. As represas das usinas do Norte, ainda que em situação um pouco mais confortável, estavam com apenas 41,8% de sua capacidade de armazenamento. Enquanto isso, as térmicas continuam ligadas.

Menos água implica menor participação na matriz energética nacional. Ainda segundo o ONS, de janeiro a novembro foram produzidos 45 184,67 gigawatts-hora (GWh) pelas térmicas brasileiras, com aumento de 93% sobre o mesmo período do ano passado. No sentido oposto, as hidrelétricas forneceram 411 754,9 GWh entre janeiro e novembro de 2011 e passaram a 406 317,7 GWh no mesmo intervalo de 2012. As usinas nucleares também estão produzindo mais neste ano: 14 647,4 GWh até o mês passado contra 14 187 GWh no mesmo período do ano anterior.

Divergência – Segundo o presidente do Instituto Acende Brasil, Claudio Sales, o consumidor sentirá o peso desse encargo adicional quando as distribuidoras de energia reajustarem suas tarifas, o que é negociado com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). No caso dos integrantes do mercado livre – segmento formado por grandes consumidores de eletricidade que negociam livremente os contratos de suprimento com as distribuidoras que escolhem -, o encargo cai na conta logo no mês seguinte.

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“O acionamento das usinas não teria ocorrido se houvesse um planejamento coerente do sistema, com a ONS e a EPE (Empresa de Pesquisa Energética) atuando com os mesmos critérios”, diz o especialista. Sales explica que há um descompasso entre o que é determinado pela EPE – estatal vinculada ao Ministério de Minas e Energia que planeja o longo prazo do setor, num horizonte de dez a trinta anos – e o ONS.

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O diretor do Acende Brasil exemplifica essa diferença de pensamento entre os órgãos com o indicador que mede o risco do sistema. A EPE dita que o setor pode segurar por mais tempo os reservatórios das hidrelétricas em níveis baixos caso a previsão aponte para chuvas próximas. Já o ONS faz com que, ao atingir determinado volume reduzido de represamento de água, um sinal de alerta seja disparado. Numa situação com essa, uma ordem é automaticamente enviada às térmicas para que entrem em ação. Sales diz que o problema é que os leilões de energia são planejados pela EPE com base em seus próprios critérios, os quais, em sua avaliação, não atendem às questões práticas de oferta e demanda.

“A realidade dos leilões é outra. Nem o planejamento nem a operação são ideais”, conclui. Em suma, por ter um entendimento menos rigoroso do risco de os reservatórios ficarem baixos, teme-se que as licitações de novas usinas fiquem aquém da realidade do clima e da demanda.

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Segurança – A despeito desse descasamento de planejamento, especialistas concordam que o país não está à beira de um novo apagão, como o ocorrido em 2001. O próprio presidente da EPE, Maurício Tolmasquim, garante que o sistema elétrico brasileiro está hoje blindado contra racionamentos graças às térmicas que foram construídas a partir de 2002. “Temos térmicas suficientes para nosso sistema. Desde 2008 o sistema está programado para acioná-las quando os reservatórios estão baixos. Risco (de apagões constantes e racionamento) não temos. O problema é a conta que tem de ser paga”, afirma, referindo-se ao custo de manter uma termelétrica ativa.

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De fato, usinas termoelétricas, apesar de serem necessárias para dar segurança ao sistema, possuem alto custo de operação – além de trazer danos ao meio ambiente se seus poluentes não forem tratados adequadamente, haja vista que sua maioria é movida a combustíveis fósseis. O especialista Cyro Boccuzzi, membro sênior do Instituto de Engenheiros Elétricos e Eletrônicos (IEEE), explica que o preço médio de geração no longo prazo de uma térmica é superior a 140 reais por megawatt-hora (MWh), em média, contra 80 a 100 reais por MWh de um hidrelétrica hoje – esse preço pode cair para até 30 reais por MWh a partir do ano que vem com a renovação antecipada e condicionada das concessões de algumas geradoras, conforme as determinações da medida provisória (MP) nº 579.

Armazenamento – Toda essa discussão descortina uma mudança estrutural por que passou o Brasil na última década e que implica uma redução, cada vez maior, da participação das fontes hídricas na matriz energética brasileira. Tal quadro decorre da própria perda da capacidade de armazenamento das usinas.

Com as leis ambientais recentes, além das pressões crescentes da opinião pública e de organizações não governamentais (ONGs) sobre grandes empreendimentos hidrelétricos, o futuro reserva ao país um cenário de esgotamento para a construção de grandes barragens. Hoje é muito difícil conseguir autorização ambiental para alagar uma grande área para constituição de reservatórios do tipo “caixa d’água”. A usina de Belo Monte, no Rio Xingu, é um exemplo. O projeto de construção atual contempla uma represa que possui um terço do tamanho originalmente proposto – e ainda assim o empreendimento continua a render polêmica.

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Hoje, a maior parte das usinas é projetada no estilo “fio d’água”, em que a energia motriz necessária para produzir a eletricidade vem do movimento natural da água, não sendo mais possível guardá-la.

Em resumo, quando se tem um país cuja economia deve demandar quantidade cada vez mais expressiva de energia, entende-se que a margem de segurança do sistema hídrico está se estreitando. Na década de 1990, a capacidade de armazenamento dos reservatórios existentes chegava a quatro anos; agora se resume a poucos meses, avalia Tolmasquim. Isso não só aumenta a suscetibilidade ao clima, como também eleva a importância das termoelétricas no sistema nacional.

Boccuzzi, do IEEE, lembra ainda que a capacidade total de armazenamento nos grandes reservatórios brasileiros subiu menos de 20% nos últimos 30 anos, enquanto a oferta de hidroeletricidade (capacidade instalada) quase dobrou, o que evidencia o descompasso. “Hoje as hidrelétricas, que poderiam entregar 92% de sua capacidade instalada, estão sendo projetadas para entregar 55%. Essa diferença de 37 pontos percentuais realça que essas usinas não têm reservatórios”, diz.

Logo, está claro que tanto o país terá de contar cada vez mais com as termoelétricas, quanto essa opção implicará custos adicionais que precisarão ser pagos por alguém – possivelmente os consumidores brasileiros. “No momento ainda estamos seguros, sem risco de racionamento, mas o futuro a Deus pertence”, comenta Claudio Sales, do Acende Brasil.

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