Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

Emprego: o fenômeno que poderia mudar o Brasil – mas não mudou

Ao apostar todas as suas fichas (políticas e econômicas) no emprego, o governo se esquece que a economia não irá a lugar algum sem avanços de produtividade

Por Ana Clara Costa
7 abr 2013, 08h55

O grande trunfo dos 10 anos do PT na Presidência da República é a taxa de desemprego. Nunca ela foi tão baixa (chegou à mínima histórica de 4,6% em dezembro), nem houve década semelhante na criação de vagas: foram quase 20 milhões até o final 2012. Tal modelo de crescimento baseado na ampliação do emprego, contudo, não basta para manter o país no rumo da prosperidade. Ele traz riscos inflacionários e reduz a produtividade de diversos segmentos da economia brasileira, resultando no período de desaceleração econômica verificado atualmente. Retomar a agenda de crescimento requer medidas de urgência que, até o momento, o governo não se mostrou disposto a tomar.

A confortável situação do mercado de trabalho no Brasil tem dois componentes primordiais: o gasto público e o consumo. O governo aumenta seus gastos para estimular a economia, resultando na criação de postos de trabalho. A massa salarial recém-criada exerce seu poder de compra e faz girar a roda do capitalismo, criando uma espiral de otimismo e crescimento econômico – como vinha acontecendo até o início de 2011. Num mundo ideal, essa dinâmica seria acompanhada por investimentos pesados em educação e inovação, além da abertura de mercado para estimular a concorrência e melhorar, assim, a produtividade dos setores econômicos. E justamente nesta segunda etapa mora o erro do governo petista: a inovação foi relegada ao último plano ao longo da era Lula, e o protecionismo da indústria é a regra básica do governo Dilma. Assim, o emprego cresce estimulado pelo consumo, a demanda aumenta num ritmo acelerado acentuando desequilíbrios de preço – e a inflação encontra aí sua morada.

Recentemente, o economista e ex-ministro da Fazenda, Antonio Delfim Netto, escreveu uma análise sensata sobre a questão do emprego e o aumento inflacionário. Delfim reconheceu a dificuldade de se traçar uma relação direta entre ambos, mas afirmou que, a despeito do baixo desemprego, a economia cresce muito aquém de sua capacidade, evidenciando a estagnação da produtividade. Segundo ele, tal situação se deve ao “choque de oferta da agricultura, ao evidente problema estrutural do mercado de trabalho, à mudança induzida pela taxa de câmbio no comportamento dos setores industrial e de serviços e à visível deterioração da infraestrutura que há três décadas esteve abandonada”.

Leia também:

Economia pode perder motor do emprego nos próximos anos

Continua após a publicidade

Ao apostar todas as suas fichas (políticas e econômicas) no emprego, o governo se inspira de forma desmedida no keynesianismo. Pai da teoria desenvolvimentista, o economista britânico John Maynard Keynes defendia a intervenção do estado na economia, por meio do estímulo direto ao emprego, como saída para situações de recessão. Para Keynes, o empurrão do governo à criação de vagas faria o setor privado aumentar seu nível de confiança na economia e investir mais para atender a demanda formulada artificialmente pelo setor público. Desta forma, acreditava o britânico, os gastos com tal medida se converteriam rapidamente em ganhos devido ao crescimento econômico.

A presidente Dilma tem chancelado tal modelo, sobretudo nas muitas vezes em que criticou a chanceler alemã Angela Merkel por sua truculência ao exigir duros ajustes fiscais de países europeus em crise. O ministro da Educação e articulador político de Dilma, Aloizio Mercadante, reafirmou em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo que o caminho do aperto fiscal na busca por crescimento não é o mais adequado, na avaliação do governo. “O mundo está buscando competitividade, aumentando o desemprego e arrochando salário. Nós estamos buscando um caminho alternativo”, disse.

Contudo, hoje, é ponto pacífico entre economistas – mesmo de escolas divergentes – que o aumento salarial causado pela forte criação de vagas precisa vir acompanhado de melhoria na produtividade, para não inviabilizar a competitividade industrial. Afinal, todo produto manufaturado no Brasil tem intrínsecos em seu custo altíssimos impostos – sobretudo trabalhistas -, infraestrutura sofrível e baixa qualificação de mão de obra. Como as melhorias na produção não ocorreram no ritmo e teor necessários, o cenário é alarmante. A evolução da produtividade por trabalhador entre 1996 e 2003 estava negativa em 2% na indústria de transformação. Entre 2003 e 2009, essa queda se ampliou para 10,3%, segundo dados presentes no estudo Uma história sobre dois países, elaborado pelos economistas Marcos Lisboa e Samuel Pessoa.

Portas fechadas – A abertura de mercado tem papel essencial nessa dinâmica. Conforme explica o economista Paulo de Tarso Almeida Paiva, professor da Fundação Dom Cabral e ex-ministro do Trabalho do governo FHC, a importação de tecnologia é essencial quando a capacidade de inovar de um país não é suficiente para melhorar sua produtividade. E o governo desestimula tais ganhos ao impor políticas protecionistas ao país para proteger justamente o emprego, como ocorre no setor automotivo, em que montadoras que não produzem localmente estão sujeitas a altíssima carga tributária. “A nossa capacidade de inovar gerando tecnologia própria é muito baixa. E quando se abre o comércio, importa-se o produto, a tecnologia e se ganha em produtividade”, explica. Paiva também cita o exemplo automobilístico para comparar o desempenho do Brasil com países asiáticos. “O setor sempre foi alvo de estímulos, mas o Brasil não conseguiu se reafirmar, não criou tecnologia própria nem marca própria, como fizeram China e Coreia”, afirma.

Continua após a publicidade

Setores mais expostos à concorrência internacional, como a agricultura, tendem a ser mais produtivos. O agronegócio brasileiro foi estimulado da maneira correta por meio de uma política pública criada ainda na era Geisel que previa a autossuficiência do país na produção de alimentos. Com a criação da Embrapa e o sucesso de suas pesquisas, o Brasil conseguiu atingir alto nível de produtividade adaptando insumos trazidos do exterior a condições climáticas nem sempre favoráveis. Atualmente, o país é o segundo maior exportador agrícola do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos.

Inovação – Com razão, o governo brasileiro tem o hábito de culpar os baixos salários chineses pela grande competitividade de seus produtos manufaturados, como carros – mas peca ao desconsiderar os investimentos incomparáveis em inovação feitos pelo país asiático para chegar ao nível de produtividade que tem hoje – a China está em 29º lugar no ranking de competitividade do Fórum Econômico Mundial, enquanto o Brasil está em 48ª posição. Em 1987, o economista americano Robert Solow ganhou o Prêmio Nobel de Economia por sua teoria de que grandes saltos civilizatórios eram decorrentes de investimentos pesados em inovação e qualificação da força de trabalho – e não apenas devido ao consumo das famílias, como parece crer o núcleo econômico petista.

A construção civil é um claro exemplo de avanço do emprego e dos preços devido ao aumento do consumo – e não da inovação. A expansão do crédito, a estabilidade econômica e o mercado de trabalho aquecido foram os grandes pilares de crescimento do setor imobiliário. Diante de tal aceleração, a oferta de trabalhadores se tornou escassa. Com isso, os salários pagos neste segmento tiveram reajustes fora da média – cerca de 30% nos últimos três anos, segundo o Índice Nacional de Custo da Construção (INCC). “Situações como essa são preocupantes. Pois a soma da valorização da moeda e do aumento real do salário que superam, de longe, a variação da produtividade do setor”, afirma o professor da FGV, André Portela Souza.

Restará ao Brasil a tarefa de descobrir o resultado da equação de baixo desemprego e baixa produtividade industrial. O economista austríaco Friedrich Hayek, grande opositor às ideias de Keynes, sugere um fim pouco otimista para situações aparentemente positivas no mercado de trabalho, como ocorre no Brasil. Hayek argumenta que os sucessivos aumentos salariais que excederem os aumentos de produtividade afetarão a demanda – e, consequentemente, a inflação. Segundo ele, quanto mais durar a inflação, maior será o número de trabalhadores que dependerão da continuidade do aumento de preços. “Porque eles (os trabalhadores) foram levados a empregos temporariamente atrativos devido à inflação e, depois de uma desaceleração de preços, as vagas desaparecerão”. A saber, quando as vagas desaparecerem, qual será o trunfo político da vez.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.