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Economias à prova de políticas

Nobel de Economia Michael Spence e o professor de Stanford David Brady afirmam que economias menos engessadas e que são à prova de protecionismo crescem mais

Por Michael Spence e David Brady
31 mar 2014, 07h26

A incapacidade dos governos de agir com determinação para enfrentar desafios, tais como problemas de crescimento, o emprego e os problemas de distribuição de suas economias surgiu como uma importante fonte de preocupação em quase todas as partes. Nos Estados Unidos, em particular, a polarização política, o impasse no Congresso e uma arrogância política irresponsável têm recebido muita atenção e muitos estão preocupados com as consequências econômicas.

Mas, como uma análise recente demonstrou, existe pouca correlação entre o desempenho econômico relativo de um país em várias frentes e como é o grau “funcional” de seu governo. Na verdade, nos seis anos desde a eclosão da crise financeira mundial, os Estados Unidos registraram melhores resultados que os demais países avançados em termos de crescimento, desemprego, produtividade e em custo unitário do trabalho em dólares (indicador que mede o custo da mão de obra na produção), apesar de um nível recorde de polarização política em Washington.

Naturalmente, não devemos generalizar. O desemprego é mais baixo na Alemanha, Canadá e no Japão e a distribuição de renda nos Estados Unidos é mais desigual do que a maioria dos países desenvolvidos – e está em vias de ser mais. Ainda assim, em termos de desempenho econômico relativo global, está claro que os EUA não estão pagando um preço alto por sua disfunção política.

Nossa premissa é que a integração global e o crescimento econômico de vários países em desenvolvimento tenha desencadeado um processo de profunda mudança que se manifestará ao longo de várias décadas. A presença destes países no comércio global está afetando os preços relativos de bens e fatores de produção, incluindo tanto a mão de obra quanto o capital. Ao mesmo tempo, a redução de custos de semicondutores incentivou a proliferação de tecnologias de informação e comunicação, que estão substituindo a mão de obra, removendo os intermediários da cadeias de abastecimento e reduzindo o trabalho rotineiro e aqueles com menor valor agregado no que diz respeito a bens comercializáveis em economias avançadas.

Estas são tendências seculares que exigem cuidadosa avaliação e respostas de longo prazo. As estruturas políticas relativamente míopes podem ter funcionado muito bem no início do pós-guerra, quando os EUA eram o país dominante, e quando grupos de países desenvolvidos, estruturalmente semelhantes, representavam uma imensa maioria da produção mundial. Contudo, tais estruturas deixam de funcionar bem quando o apoio ao crescimento requer uma adaptação comportamental e estrutural a mudanças rápidas em termos de vantagem comparativa e o valor de diversos tipos de capital humano.

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O que, então, explica os resultados relativamente bons da economia dos EUA no período pós-crise?

O fator principal é a flexibilidade estrutural subjacente da economia americana. A desalavancagem ocorreu mais rapidamente do que em outros países e, o mais importante, os recursos e a produção passaram rapidamente para o comércio para preencher a lacuna criada por uma demanda doméstica persistentemente fraca.

Isto indica que, qualquer que seja o mérito da ação do governo, também é importante o que os governos não fazem. Muitos países têm políticas que protegem setores e postos de trabalho, introduzindo assim a rigidez estrutural. O custo dessas políticas aumenta a necessidade de mudanças estruturais para sustentar o crescimento e o emprego (e para recuperar os padrões de crescimento desequilibrado e choques).

Nesse sentido, nenhum país está livre de atrito, mas existem diferenças substanciais. Relativamente falando, a Alemanha, norte da Europa, o Reino Unido, Canadá, Austrália, Nova Zelândia e os Estados Unidos são relativamente livres de rigidez estrutural. O Japão pretende chegar lá. O sul da Europa tem adiante uma agenda substancial de reformas para aumentar a flexibilidade.

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Remover a rigidez estrutural é mais fácil dizer do que fazer. Algumas dessas estruturas decorrem de mecanismos de proteção social, focados em setores e postos de trabalho em vez de indivíduos e famílias. Outras refletem políticas que simplesmente protegem a certos setores da concorrência e geram rendas e direitos adquiridos. Em suma, a resistência à reforma pode ser considerável, precisamente porque os resultados têm efeitos distributivos.

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Ditas reformas não são fundamentalismo de mercado. O objetivo não é de privatizar tudo ou defender a crença equivocada de que mercados sem regulação se autorregulam. Pelo contrário, o Estado tem um papel significativo nas transições estruturais, mas também deve ficar fora do caminho.

Em comparação com os EUA, a Europa mostra duas classes de problemas. O primeiro é a necessidade, especialmente em países do sul Europeu, de aumentar a flexibilidade estrutural e intensificar a produtividade. Na primeira década do euro, os custos por unidade de trabalho no sul da Europa divergiram daqueles registrados na Alemanha e Norte da Europa, dado que o crescimento foi sustentado ou pelo excesso da dívida pública e o componente da demanda doméstica agregada, ou, no caso da Espanha, por uma enorme bolha imobiliária.

Na ausência do mecanismo de taxas de câmbio, redefinir o sistema para permitir que os setores comerciais gerem crescimento envolve dolorosa deflação relativa, um processo que requer mais tempo em um ambiente de baixa inflação. O segundo problema é que a zona euro permite essas divergências porque as políticas que afetam o crescimento estão descentralizadas. A moeda única e a política monetária estão em uma tensão constante com a tomada de decisão descentralizada na tributação, investimentos públicos e políticas sociais – as quais afetam a flexibilidade estrutural dos países. Além disso, o mercado único é bastante completo em relação a mercadorias, mas não em serviços.

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Esta não é uma situação estável. Na prática, a Europa deve avançar no sentido de uma mais profunda integração normativa, fiscal e política ou rumo a uma estrutura capaz de incluir mecanismos de ajuste – tais como aumento da mobilidade da mão de obra – para se adaptar às diferenças na produtividade.

Muitos países, e não só na Europa, devem passar por um processo de ajuste estrutural para atingir os padrões de crescimento sustentável. As estruturas e as diversas oportunidades de emprego das economias avançadas deparam-se com forças competitivas e tecnológicas semelhantes e todas elas tendem a movimentar a renda ao limite máximo da distribuição e aos detentores do capital.

As diferenças entre os países, em matéria de desempenho, em parte refletem escolhas políticas passadas que afetam a velocidade de ajuste. As condições iniciais têm sua importância e a esse respeito a estrutura política dos Estados Unidos parece ter garantido uma capacidade de resiliência relativamente maior de sua economia não só à crise global, mas também à volatilidade política interna.

A flexibilidade estrutural não é a resposta para tudo; o aumento dos níveis de investimento do setor público também contribui para uma recuperação sustentável, especialmente nos países desenvolvidos. No entanto, em muitos países, graves restrições financeiras poderiam atrasar os elementos de uma resposta política, portanto, a reforma é o ponto certo de partida.

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Michael Spence foi laureado com o Nobel de Economia e é professor da Universidade de Nova York. David Brady é professor de Ciências Políticas na Universidade de Stanford.

(Tradução: Roseli Honório)

© Project Syndicate, 2014

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