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Catar, o oásis político e econômico do mundo árabe

A pequena nação árabe tem feito investimentos dignos de grandes economias e atua como força pacificadora na região

Por Ana Clara Costa
6 fev 2011, 21h44

Em meio à onda de conflitos e protestos no mundo árabe, há um país que mais parece um oásis político e econômico na região: o Catar (veja galeria de imagens da capital, Doha). Banhado pelo Golfo Pérsico e com 900 trilhões de metros cúbicos de reservas de gás natural em seu subsolo, o pequeno emirado cresce a taxas de fazer inveja até à China. Segundo projeções do Deutsche Bank (DB), o PIB do país deve avançar 18,6% neste ano, contra ‘apenas’ 6,7% da economia chinesa. Além disso, o Catar dirige uma máquina de investimentos bilionária chamada Estado (veja galeria de imagens de investimentos realizados pelo país), por meio de um fundo soberano com 67 bilhões de dólares em caixa. Em seu radar estão empresas variadas, de bancos a times de futebol, passando por empreendimentos imobiliários e uma gigante empresa de comunicação, a Al Jazeera. O objetivo é diversificar a economia e se preparar para o futuro. Como prova maior de sua recente proeminência está a escolha para ser o primeiro país do Oriente Médio a sediar uma Copa do Mundo, em 2022 (veja galeria de fotos dos estádios).

Exceto o diminuto território – de apenas 11 mil quilômetros quadrados, pouco maior que a área da Grande São Paulo -, tudo no Catar é superlativo. As exportações de petróleo e, sobretudo, de gás natural fizeram o Produto Interno Bruto (PIB) do país saltar 605% em uma década, para 127 bilhões de dólares em 2010, apontam os dados do DB. Desta maneira, a renda anual per capita atingiu 73 mil dólares no ano passado (58% acima da americana, por exemplo). Entre 2005 e 2010, o país cresceu a taxas médias superiores a 20%. Mesmo em 2009, ano em que a crise financeira atingiu todo o planeta, o PIB do Catar aumentou 8%.

A produção de hidrocarbonetos triplicou nos últimos três anos. A receita anual com os produtos representa hoje metade do PIB, 85% das receitas com vendas externas e 70% da arrecadação do governo, de acordo com dados da agência de inteligência americana, a CIA. Empresas multinacionais, como Shell e ExxonMobil, investiram 100 bilhões de dólares em projetos de energia no país – e deverão aplicar mais 120 bilhões de dólares nos próximos dez anos. “Dificilmente algo irá substituir os hidrocarbonetos como principal fonte de crescimento no Catar”, afirma o analista Robert Powell, da Economist Intelligence Unit (EIU).

“Desde que as reservas de gás começaram a ser exploradas, em 1987, a realidade econômica do país mudou. Foram essas reservas que permitiram que o fundo soberano fosse criado e tivesse tanta força”, afirma Salim Taufic Schahin, presidente da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira. Os indicadores sociais, no entanto, não se assemelham em nada aos de um país nórdico. Mesmo assim, seu Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) vem melhorando progressivamente. Hoje, ocupa o 38º lugar no ranking mundial, acima de Portugal e Chile.

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Diversificação e futuro – A dependência do petróleo e do gás preocupa. Afinal, são riquezas que não durarão para sempre. A estratégia adotada pelos governantes mira a diversificação, com a destinação de vultosos recursos para petroquímica, a atração de bancos para potencializar a indústria financeira e a realização de investimentos em ativos ao redor do mundo.

Schahin conheceu o monarca do Catar, o emir Hamad bin Khalifa Al Thani, em uma de suas visitas ao Brasil, no início de 2010. O xeque veio ao Brasil, entre outras coisas, porque estava interessado em comprar parte da participação do governo na Petrobras, no Banco do Brasil e na Vale. Como a estratégia do Planalto era ‘estatizar’ e não privatizar – conforme a cartilha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva -, Al Thani saiu de mãos abanando. Se o governo disse não, o mesmo não se pode dizer do espanhol Emilio Botín, presidente do grupo Santander. O banqueiro estava disposto a negociar e vendeu, em outubro de 2010, 5% do Santander Brasil ao Qatar Investment Authority (QIA), o fundo soberano do país. Esse não é o único investimento do fundo no setor bancário. Em 2008, o QIA comprou 6,4% do britânico Barclays, além ter injetado recursos em diversas instituições financeiras do Oriente Médio que estavam em perigo durante a crise.

No Brasil, há hoje um tipo de setor que interessa ao Catar mais que qualquer outro: a agricultura. Com terra produtiva muito restrita, o país importa praticamente todo o alimento que consome das outras nações do Oriente, dos Estados Unidos e da Europa. Receoso pelo futuro alimentar de sua população, o QIA tem buscado incessantemente comprar terras brasileiras. No entanto, há barreiras legais que dificultam a entrada direta de estrangeiros neste mercado. “Os investidores árabes estão extremamente interessados em garantir o fornecimento de alimentos de alguma forma, e o Brasil é um dos principais países fornecedores. Nós temos 100 milhões de hectares de fronteiras agrícolas. É algo que eles nem sonham em ter”, afirma Schahin.

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Desenvoltura política – Além da capacidade de negociação, os xeques do Catar aperfeiçoaram-se na arte da diplomacia. O emir se destaca. No governo desde 1995, quando pacificamente depôs o próprio pai (já idoso), o monarca consegue circular com desenvoltura entre nações rivais, como Estados Unidos e Irã. Al Thani entende que, para sua própria sobrevivência, precisa conviver pacificamente com todos os países de sua região – que está em ameaça constante de conflito.

Tal esforço diplomático é o principal elemento que diferencia o Catar dos Emirados Árabes Unidos – confederação que reúne sete emirados, como Abu Dhabi, que é também a capital, e a famosa Dubai. Enquanto Abu Dhabi possui um fundo soberano mais rico, com mais de 600 bilhões de dólares em ativos, o Catar garante sua perenidade por meio da diplomacia, do islamismo moderado e de um estado tolerante. “Isso atribui muito mais longevidade ao emir e coloca o país em foco no mundo Ocidental. Os Emirados Unidos não assumiram esse papel e a Arábia Saudita geralmente fica de um lado só, o que abre espaço para o Catar intensificar sua força política”, afirma o analista Hani Sabra, da consultoria Eurasia Group.

Durante alguns anos, muitos economistas e investidores acreditavam que, no Oriente Médio, Dubai iria emergir como sinônimo de renascimento. Estavam enganados: o paraíso do consumo e entretenimento da península do Golfo se transformou em 2010 em prejuízo bilionário. “Apesar de a diversificação econômica de Dubai ser um modelo, o Catar tem uma política de atuação mais rígida e conservadora. Ele não quer ser dependente do petróleo para sempre, mas também não tem o mínimo interesse em migrar para a indústria do turismo exacerbado”, afirma Robert Powell, da EIU. Segundo analistas ouvidos pelo site de VEJA, o exemplo da crise de Dubai serviu para criar um Catar mais forte e provavelmente avesso a cometer os mesmos erros.

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