Brasil se inspira em Chile, EUA e Israel para estimular startups
Governo mapeou exemplos de sucesso mundo afora e tentará implantá-los no Brasil
Com o objetivo de tentar reduzir o abismo tecnológico que separa o Brasil de nações desenvolvidas, o Ministério de Ciência,Tecnologia e Inovação (MCTI) lançou nesta segunda-feira uma nova política industrial para estimular a produção de softwares no Brasil. Chamado de ‘TI Maior’, o programa prevê a liberação de 40 milhões de reais para startups que desejarem desenvolver projetos nos setores de óleo e gás, energia, meio ambiente, mineração, agronegócio e defesa. Apesar do investimento um tanto tímido, trata-se de uma situação animadora: o governo lançou o programa com base em experiências de sucesso comprovado em países como Chile, Estados Unidos e Israel.
“Nossa ideia é valorizar as startups e fazer com que elas contem com o governo para isso. Vamos atuar como uma espécie de ‘investidor anjo'”, disse ao site de VEJA o secretário de Política de Informática do MCTI, Virgílio Almeida, idealizador do projeto. Ele tem percorrido países em busca de ideias para transformar a indústria de tecnologia brasileira em desenvolvedora – e não apenas fabricante. “A Índia exporta 59 bilhões de dólares anuais em softwares e o Brasil, apenas 2,5 bilhões de dólares. Temos condições de ir além”, afirmou o secretário.
O exemplo do Chile é o que mais se assemelha ao brasileiro. Criado em 2010 pelo governo chileno, o Start-up Chile nasceu com o objetivo “globalizar o empreendedorismo chileno”, segundo a própria apresentação do projeto. Hoje, já auxiliou mais de 300 empresas com uma bolsa de 40 mil dólares por projeto, sem que haja a contrapartida de o governo chileno se tornar acionista da companhia. Em junho deste ano, dirigentes da Start-up Chile estiveram no Brasil para angariar empreendedores dispostos a permanecer em Santiago por seis meses desenvolvendo suas startups e recebendo recursos do governo local. Em 2012, 30 nacionalidades diferentes faziam parte das 100 empresas que eram criadas dentro do Start-up Chile. O programa cede ainda um local de trabalho para cada empreendedor, que também dispõe de visto para a estadia e a possibilidade de contratar funcionários chilenos pelo período em que estiverem por lá.
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A ideia do governo chileno, além de estimular a difusão do conhecimento tecnológico, é fazer também com que as startups gastem os 40 mil dólares que receberam no país, estimulando o mercado interno. “O governo chileno não só investiu, como também levou tecnologia para o Vale do Silício e está trazendo para o Brasil”, afirma Sérgio Risola, diretor do Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia da Universidade de São Paulo (Cietec-USP), ao explicar os intercâmbios tecnológicos fomentados pela iniciativa. Contudo, o especialista tem dúvidas sobre a sustentabilidade de uma política como essa em um país onde a alta carga tributária ameaça constantemente a perenidade das empresas, como ocorre no Brasil. “Não adianta só colocar dinheiro se há gargalos que vão impedir o crescimento da empresa lá na frente, como a questão da tributação e da falta de mão de obra”, alerta Risola.
EUA e Israel – O exemplo americano trabalha com outros parâmetros – menos burocracia e cifras muito mais robustas. Depois que fomentar um mercado de startups com farto capital privado na década de 1990 – e nas subsequentes – os Estados Unidos anunciaram, no início de 2011, um programa de investimentos de 2 bilhões de dólares em startups que desenvolverem novas tecnologias para o setor de energia limpa – tudo em parceria com o setor privado. O programa criado pela administração Obama, chamado de Startup America, também tinha entre seus objetivos desburocratizar o acesso de jovens empreendedores ao capital, além de estimular a criação de empresas em um período de aumento do desemprego no país.
No Brasil, onde o custo do capital é elevado devido às altas taxas de juros e o subsídio ao crédito é necessário para fomentar o setor privado, uma iniciativa como a que foi tomada pelo governo não é vista com maus olhos. Já nos Estados Unidos, a indústria de tecnologia foi financiada, ao longo das décadas, por fundos de pensão, fundos de hedge, venture capital e private equities dispostos a tomar risco e dar dinamismo ao setor, sem precisar de auxílio do governo. Com o estouro da crise, a administração Obama percebeu que a disponibilidade de liquidez para projetos de alto risco havia recuado – e decidiu criar o programa justamente para estimular o setor privado a continuar investindo. Os americanos, pouco acostumados a ver esse tipo de iniciativa, não gostaram muito. Críticas à iniciativa foram muitas, sobretudo ao fato de o programa não estar inserido em uma estratégia de governo de estímulo à inovação. A revista Fortune chegou a citar, literalmente, a falta de uma “política industrial” para o setor. “Uma iniciativa de empreendedorismo precisa fazer parte de políticas econômica e industrial que criem empregos, de fato. E não fiquem apenas no mercado financeiro”, escreveu a publicação.
Contudo, o mais antigo e emblemático caso de investimento estatal no setor é o de Israel, que ficou conhecida como a “startup nation” (a nação das startups) graças aos investimentos pesados feitos para desenvolver, em especial, os setores de defesa, energia e tecnologia aeroespacial no final dos anos 1990. O país é o segundo maior berço de startups no mundo, perdendo apenas para os EUA. Cerca de 80% das 4 mil empresas israelenses envolvidas em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) foram criadas há menos de dez anos graças a um volume de investimento público sem precedentes: 4,5% do Produto Interno Bruto (PIB) – algo em torno de 10 bilhões de dólares por ano. A Universidade de Jerusalém, principal incubadora do país, recebe anualmente 1 bilhão de dólares em royalties e promove cerca de 2 bilhões de dólares em vendas de softwares e serviços de tecnologia.
Mas o excesso também se mostra um mal latente. Por se tratar de tecnologia de ponta, a indústria das startups emprega apenas 10% da força de trabalho israelense, apesar de ser responsável por 40% das exportações. Além disso, o país não consegue fazer com que novos ‘Google’ ou ‘Facebook’ surjam em seu território, já que as empresas locais que se destacam acabam sendo adquiridas por gigantes da tecnologia. O ICQ, um dos primeiros programas de bate-papo virtual, foi criado em 1996 por quatro israelenses.