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Apertem os cintos, o crédito sumiu!

Aperto nas condições de financiamento liderado por bancos estatais dificulta liberação de dinheiro e frustra planos de brasileiros

Por Luís Lima e Teo Cury
24 Maio 2015, 17h19

O administrador fluminense Hugo Rodrigues costumava usar seu cartão de crédito vinculado à seguradora Porto Seguro para compras pessoais e relacionadas ao seu trabalho, já que é vendedor autônomo. Numa das compras que realizou, percebeu que a operação foi cancelada por falta de crédito. No início do mês, sem que tenha havido qualquer mudança em sua renda, a Porto reduziu o limite de Rodrigues de 8.300 para 4.200 reais. “Não me comunicaram previamente. Simplesmente cortaram o limite sem que eu tivesse qualquer restrição de crédito ou deixasse de pagar qualquer fatura”, conta.

Assim como Rodrigues, muitos brasileiros têm enfrentado problemas na obtenção de crédito desde que os bancos apertaram as regras, no final do ano passado, temendo o aumento da inadimplência. Em algumas agências, gerentes são autorizados a reduzir o limite dos clientes sem qualquer aviso prévio, se notarem que os gastos estão avançando num ritmo maior do que a renda. O objetivo é limitar o risco de emprestar a possíveis maus pagadores. Contudo, o aperto também respinga naqueles que mantêm as contas em dia.

Professor Mário de Vivo, de 59 anos
Professor Mário de Vivo, de 59 anos (VEJA)

O coordenador do laboratório de Finanças do Insper, Michael Viriato, explica que o novo cenário reflete o avanço da taxa básica de juros (Selic), atualmente em 13,25%, e a redução do nível de poupança no sistema financeiro. No ano, até abril, a caderneta já “perdeu” 29,08 bilhões de reais, a maior saída de recursos para o período da história, segundo dados do Banco Central (BC). “Não é tanto o ajuste fiscal que afeta o crédito, mas a queda dos recursos que são poupados. Com isso, os bancos começam a puxar as rédeas. Se até a Caixa está restringindo, é natural que as outras instituições sigam o mesmo caminho”, afirma Viriato.

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Diante da queda dos depósitos na caderneta de poupança, a Caixa Econômica Federal se viu obrigada a reduzir drasticamente o porcentual de financiamento imobiliário para imóveis novos e usados, freando o motor do crédito no país. O aperto ocorre porque esse tipo de crédito é financiado com recursos de poupadores. Agora, o governo estuda alternativas, como o ampliar o limite de financiamento com dinheiro do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Com a mudança anunciada pela Caixa, o banco financiará entre 40% e 50% do valor de imóveis usados, ante o intervalo de 70% a 80%. O impacto é brutal porque o banco estatal responde por 70% do crédito imobiliário no país. Para a compra de imóveis novos, o limite foi cortado de 90% para 80% do valor.

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O professor de zoologia Mário de Vivo, de 59 anos, comprou um terreno em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, no ano passado, para realizar o sonho de construir uma casa. O plano, no entanto, terá de ser adiado em pelo menos um ano, devido ao aperto nas condições de concessão de crédito. “A princípio, precisaria entrar com apenas 10% de 330 mil reais. Mas, após a Caixa dobrar esta exigência, levarei ao menos 12 meses para juntar o dinheiro necessário para a entrada”, conta. As situações vividas por Vivo e Rodrigues não seriam motivo de preocupação se fossem isoladas. Porém, acontecem em efeito cascata desde o início do ano. “Existia uma realidade de financiamento e eu me pautei por ela. Fui pego de surpresa. Vendi um apartamento para comprar esse terreno e agora vivo de aluguel”, afirma o professor.

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Para viabilizar novos empréstimos, a Caixa tem complementado o dinheiro disponível da poupança com a captação de recursos via LCI (Letras de Crédito Imobiliário), que pagam 80% do CDI (Certificado de Depósito Interfinanceiro, atualmente em 13,14% ao ano). O problema é que a remuneração desse capital está bastante acima daquela verificada na poupança, que tem pago menos de 8% ao ano. Para compensar essa diferença, a Caixa elevou os juros da habitação duas vezes neste ano.

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No caso dos imóveis usados, os proprietários interessados em vender devem encarar um período difícil. Possíveis compradores, como a personal trainer Gabriela Bueno, de São Paulo, moradora da Vila Prudente, desistiram dos planos. “Há mais opções de imóveis usados, mas a compra também é bem mais complicada que a de um novo. Agora, desisti. Não bastasse a redução do crédito, é quase impossível conseguir pagar um financiamento com esses juros sem me enforcar em dívidas abusivas”, afirma.

O aperto no crédito, apesar de prejudicar os brasileiros dispostos a comprar a casa própria, deve reequilibrar o mercado imobiliário, segundo o vice-presidente da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi), Aquiles Leonardo Diniz. “O forte estímulo dado ao consumo nos últimos anos está sendo revertido. O ajuste é necessário porque é hora de colocar os pés no chão”, diz. Segundo ele, outros tipos de crédito, como Crédito Direto da Caixa (CDC) ou voltado a empresas, seguem a mesma lógica. “Quanto mais caro é o preço do dinheiro, menos tomadores haverá. Isso causa uma retração muito forte no mercado de crédito de forma generalizada”, diz. A exceção, segundo Diniz, é o consignado, que engloba menos riscos por ter as parcelas descontadas diretamente nos salários dos clientes.

Comprar ou vender – Para quem tem dinheiro na mão, o esfriamento no setor imobiliário pode favorecer quem quer comprar, segundo Léo Rosenbaum, advogado especializado em transações imobiliárias. “Situação de crise costuma ser um bom momento para comprar. Um exemplo disso é que em leilões de bancos há descontos de 30% a 40% em relação há um ano. É uma boa oportunidade e que vale ser considerada”, conclui.

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Já Viriato, do Insper, recomenda cautela, já que, na sua avaliação o Brasil ainda não chegou ‘no fundo poço’ e o preços dos imóveis podem cair ainda mais. “O melhor momento para comprar é quando há outras pessoas que queiram vender. Como o cenário deve piorar, com mais desemprego e juros, aparecerá mais pessoas vendendo, o que pode elevar os descontos dados”.

Para quem precisa comprar, mas não tem pressa, uma alternativa viável é o consórcio, que submete o comprador a um sorteio e não há cobrança de juros. Nessa modalidade, os próprios participantes se financiam – o banco reúne grupos de interessados que pagam mensalidades acrescidas de taxas de administração, seguro e uma quantia para o fundo reserva de precaução a calotes.

O lado ruim do mercado em declínio é que, com menos dinheiro circulando, o sonho da casa própria, do carro novo ou da viagem de férias, mais do que nunca, permanece sonho.

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