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Advertência na OMC mostra que medida do IPI foi infeliz

Governo cometeu infrações às normas do comércio internacional. Além disso, manchou sua reputação num momento em que teria de brigar por algo crucial: regras para as distorções cambiais

Por Benedito Sverberi
15 out 2011, 11h37

Japoneses e sul-coreanos resolveram dar nesta sexta-feira em Genebra um tiro para alto em sinal de advertência ao Brasil. Em reunião no Comitê de Acesso a Mercados da Organização Mundial do Comércio (OMC), negociadores dos dois países pediram esclarecimentos e demonstraram insatisfação com a decisão do governo Dilma, tomada no mês passado, de elevar em 30 pontos porcentuais o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) dos veículos importados. Especialistas ouvidos pelo site de VEJA afirmam, no entanto, que tudo não deve passar de puxão de orelha. Não seria lógico nem interessante transformar o questionamento em uma disputa cujas conseqüências podem ser ruins para todas as partes. A postura faz mais sentido se entendida como uma forma de, primeiramente, chamar a atenção para o problema e abrir espaço para tentar negociar exceções. Em segundo lugar, Japão e Coreia do Sul querem deixar claro para o mundo que não compactuam com um recrudescimento do protecionismo. Mais clara ainda, dizem os especialistas, é a avaliação de que o novo IPI foi uma escolha desastrada. Ao por em prática a medida, o Palácio do Planalto afrontou as regras do comércio internacional e perdeu uma oportunidade de atacar a verdadeira causa da dita enxurrada de importações, que são as distorções no câmbio.

Para o professor de relações internacionais do Ibmec-DF, Creomar de Souza, Japão e Coreia do Sul devem evitar levar o caso ao Órgão de Solução de Controvérsias da OMC – instância que, após o pedido de abertura de investigação, colhe os argumentos das partes, emite um parecer final e decide retaliações cabíveis. “Se entrarem em disputa com o Brasil, esta será a pior das escolhas. Um contencioso demandaria tempo e não necessariamente vai resolver os problemas deles”, afirma. De fato, as análises neste órgão costumam levar, em média, um ano e meio para serem concluídas. Como a medida do IPI sai de cena em dezembro de 2012, tamanho esforço não faria muito sentido.

O barulho na OMC deve ajudar, contudo, os países asiáticos a incentivarem o Itamaraty a negociar e, quem sabe, abrir exceções. “Tanto o Japão quanto a Coreia, como são economias muito voltadas ao comércio externo, precisam exportar. Essa necessidade hoje é ainda mais forte dada a crise internacional. Eles devem buscar a exceção, ou seja, negociar aberturas e fazer uso da política de bastidores”, acrescentou Souza.

A advertência dos asiáticos cumpre ainda outra função: mostrar a outros mercados que estão dispostos a lutar por um mundo sem protecionismo. De fato, o levantamento de barreiras comerciais tornou-se um risco no período recente por conta da constatação de que poucos dos principais mercados globais vivem um momento de vigor econômico. Uma ação protecionista do Brasil, que goza de boa reputação no exterior, seria especialmente preocupante.

O professor do Insper Régis Braga lembra que a alegação do governo de que é preciso impedir que empregos no mercado doméstico sejam sacrificados pela forte competição estrangeira tem como contrapartida a insatisfação do consumidor. “O governo brasileiro é um homem de um metro e noventa centímetros tentando se cobrir com um cobertor de um metro e vinte. Ele sempre vai desagradar alguém. Ao proteger o emprego no país, acaba agradando as montadoras, mas enfurece o consumidor que era beneficiado pelo mercado competitivo. Ao levantar barreiras, desagrada as empresas que exportam para cá e tem de enfrentar situações difíceis como essa na OMC”, explicou.

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Contudo, o grande problema da ação brasileira e sua repercussão nos corredores da OMC em Genebra é o fato de não atacar uma questão central, que são as distorções no câmbio. A professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e especialista em comercio internacional, Vera Thorstensen, avalia que o real encontra-se hoje valorizado em 30%, enquanto as moedas da China (yuan) e da Coreia do Sul (won) estariam depreciadas em 20%. “O diferencial entre esses países é de, portanto, 50%. Com isso, você destrói qualquer setor”, afirma.

A especialista explica que o arcabouço regulatório do comércio internacional, de fato, não contempla esse tipo de reclamação. De acordo com esse conjunto de normas, aliás, a resolução brasileira de elevar o IPI em 30 pontos porcentuais comete três violações: contra o artigo III do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (o GATT, na sigla em inglês), o artigo nº 3 do Acordo de Subsídios e contra o Acordo TRIMS. “O Brasil tomou uma medida que afeta o comércio quando, na verdade, o problema dele é o câmbio. Os outros países têm toda a razão de questionar e agiram corretamente”, acrescentou. Ao site de VEJA, o Itamaraty argumentou que as resoluções não são discriminatórias, têm caráter temporário e estão de acordo com as normas internacionais.

O governo brasileiro estaria correto ao levar o tema do câmbio para discussão no G20, no Fundo Monetário Internacional (FMI) e também na OMC. O ideal é que o país conseguisse costurar junto a seus parceiros novas regras que contemplassem esse problema, o que lhe daria instrumentos legítimos de reação quando este se tornasse insustentável. Em vez disso, o Planalto partiu para o confronto na área comercial, colocando em risco anos de atuação exemplar de nosso país. “A medida foi infeliz porque apareceu exatamente no momento em que o governo estava apresentando o tema do câmbio na OMC. É uma pena porque o Brasil precisa das regras do comércio, ganhou todos os painéis que apresentou e dá show da eficiência na OMC”, concluiu.

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