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A Venezuela deve dar calote?

Para pesquisador de Harvard, país deveria pedir auxílio ao FMI para pagar seus credores e usar o capital interno para saldar as dívidas de importação de medicamentos e alimentos

Por Ricardo Hausmann e Miguel Angel Santos
11 out 2014, 09h51

Será que a Venezuela vai dar calote em seus títulos estrangeiros? Os mercados temem que sim. Esse é o motivo pelo qual os títulos venezuelanos pagam 11 pontos porcentuais a mais que os títulos do tesouro norte-americano, 12 vezes mais que os do México, quatro vezes mais que os da Nigéria, e o dobro do que a Bolívia paga. Em maio passado, quando a Venezuela fez uma emissão privada de 5 bilhões de dólares em títulos de dez anos com um cupom de 6%, efetivamente tinha que dar um desconto de 40%, deixando-a com aproximadamente 3 bilhões de dólares. Os 2 bilhões de dólares extras que o país terá de pagar em dez anos é a remuneração que os investidores exigem para a probabilidade de inadimplência.

O governo da Venezuela precisa pagar 5,2 bilhões de dólares nos primeiros dias de outubro. Será que vai? Tem o dinheiro na mão? Será que vai levantar o dinheiro vendendo às pressas a CITGO, agora totalmente controlada pela empresa de petróleo estatal da Venezuela, PDVSA?

Outra pergunta é se a Venezuela deve pagar. Concordando, o que os governos devem fazer e o que vão fazer nem sempre são questões independentes, porque as pessoas muitas vezes não fazem o que deveriam. Mas questionamentos envolvendo o “dever pagar” envolvem algum tipo de julgamento moral que não está presente nas questões envolvendo o “irão pagar”, o que as deixam mais complexas.

Um ponto de vista defende que se você pode honrar seus compromissos, então isso é o que deveria fazer. Isso é o que a maioria dos pais ensinam a seus filhos. Mas o cálculo moral torna-se um pouco mais complicado quando você não pode honrar todos seus compromissos e tem que decidir qual vai honrar e qual deixará para trás. Até o momento, com o ex-presidente Hugo Chávez e seu sucessor, Nicolás Maduro, a Venezuela optou por pagar seus títulos estrangeiros, muitos dos quais são mantidos por venezuelanos ricos e bem-relacionados.

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Yordano, um cantor popular venezuelano, provavelmente teria um conjunto de prioridades diferentes. Ele foi diagnosticado com câncer no início deste ano e teve que lançar uma campanha nas mídias sociais para comprar os medicamentos que seu tratamento necessitava. A grave escassez de medicamentos que salvam vidas na Venezuela é o resultado da inadimplência do governo de 3,5 bilhões de dólares nas faturas de importações das indústrias farmacêuticas.

Uma situação semelhante prevalece em todo o resto da economia. Os atrasos de pagamento em importações de gêneros alimentícios chegam a 2,4 bilhões de dólares, levando a uma substancial escassez de bens básicos. No setor automotivo, a inadimplência passa de 3 bilhões de dólares, levando a um colapso nos serviços de transporte, como resultado de falta de peças de reposição. A dívida com as companhias aéreas é de 3,7 bilhões de dólares, fazendo com que muitas suspendem as atividades e o serviço em geral caiu pela metade.

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Na Venezuela, os importadores devem esperar seis meses depois da chegada das mercadorias à alfândega para comprar dólares previamente autorizados e pagá-las. Mas o governo optou por dar calote também nestas obrigações, deixando os importadores com um monte de moeda local inútil. Por enquanto, o crédito de fornecedores estrangeiros e matrizes compensam a falta de acesso à moeda estrangeira; mas, devido ao atraso elevado e desvalorizações maciças, o crédito secou.

A lista de inadimplência vai longe. A Venezuela não pagou fornecedores, empreiteiros e parceiros de joint ventures da PDVSA, causando a queda de 45% nas exportações de petróleo em comparação a 1997, e a produção caiu para quase metade que o plano de 2005 havia projetado para 2012.

Além disso, o banco central da Venezuela não cumpriu sua obrigação de manter a estabilidade dos preços, quase quadruplicando o fornecimento de moeda em 24 meses, o que resultou em uma queda de 90% no valor do bolívar no mercado negro e a taxa de inflação mais alta do mundo. Para piorar, desde maio, o banco central parou de publicar a inflação e outras estatísticas.

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A Venezuela opera com quatro taxas de câmbio. Não é novidade que a arbitragem na moeda tem impulsionado a Venezuela ao nível mais alto dos indicadores de corrupção global.

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Todo este caos é a consequência de um enorme déficit fiscal que está sendo financiado pela emissão de moeda fora de controle, repressão financeira e escalada da inadimplência – apesar da sorte inesperada no orçamento com o valor de um barril de petróleo sendo cotado a 100 dólares. Em vez de corrigir o problema, o governo de Maduro decidiu complementar o câmbio ineficaz e controles de preços, com medidas como fechar fronteiras para deter o contrabando e tirar as impressões digitais de compradores a fim de evitar “estocagem”. Isto constitui uma violação aos direitos mais básicos dos venezuelanos, o que a Bolívia, o Equador e a Nicarágua – três países ideologicamente alinhados que têm uma única taxa de câmbio e inflação de um dígito — conseguiram preservar.

Então, a Venezuela deve dar calote em suas obrigações internacionais? Se as autoridades adotassem políticas de bom-senso e procurassem o apoio do Fundo Monetário Internacional e outros credores multilaterais, como os países mais problemáticos tendem a fazer, eles seriam aconselhados justamente a pagar as dívidas do país. Assim, o fardo do ajuste poderia ser compartilhado com outros credores, como ocorreu na Grécia, e a economia ganharia tempo para se recuperar, particularmente à medida que os investimentos nas maiores reservas de petróleo do mundo começassem a dar frutos. Os portadores de títulos seriam sensatos ao trocar seus títulos atuais por títulos de prazo maior que se beneficiariam do retomada econômica.

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Nada disso vai acontecer no governo de Maduro, que carece de capacidade e capital político, e vontade para mover-se nessa direção. Mas o fato de que sua administração optou pelo calote em 30 milhões de venezuelanos e cumprir com as obrigações em Wall Street não é um sinal de sua retidão moral. É um sinal de sua falência moral.

Ricardo Hausmann é diretor do Centro de Desenvolvimento Internacional e Professor de Desenvolvimento Econômico na F. Kennedy School of Government da Universidade de Harvard, e é ex-Ministro do Planejamento da Venezuela. Miguel Angel Santos é pesquisador sênior do Centro de Desenvolvimento Internacional da Universidade de Harvard.

(Tradução: Roseli Honório)

© Project Syndicate 2014

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