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A Boa e a Má Desigualdade

Segundo o Nobel Michael Spence, acesso universal à educação e investimentos públicos e privados são os motores mais sustentáveis do crescimento e, portanto, da redução da desigualdade

Por Da Redação
20 set 2014, 07h53

A crescente desigualdade de renda e riqueza em muitos países tem sido uma tendência de longo prazo há três décadas ou mais. Mas a atenção dedicada a esse assunto aumentou consideravelmente desde a crise financeira de 2008: com o crescimento lento, a crescente desigualdade ataca mais forte.

A “velha” teoria sobre desigualdade pregava que a redistribuição por meio do sistema de tributação enfraquecia os incentivos e minava o crescimento econômico. Mas a relação entre desigualdade e crescimento é muito mais complexa e multidimensional do que o sugerido por esse dilema. Os múltiplos canais de influência e mecanismos de feedback dificultam conclusões definitivas.

Por exemplo, os Estados Unidos e a China são as principais economias que crescem mais rapidamente. Os dois países têm níveis igualmente elevados desigualdade de renda e em crescimento. Embora isso não leve à conclusão de que o crescimento e a desigualdade são também independentes ou positivamente correlacionados, a declaração favorável de que a desigualdade é ruim para o crescimento não está realmente de acordo com os fatos.

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Além disso, em termos globais, a desigualdade vem caindo à medida que os países em desenvolvimento prosperam – mesmo que ela esteja aumentando em muitos países desenvolvidos e em desenvolvimento. Isto pode parecer contraintuitivo, mas faz sentido. A tendência dominante da economia global é o processo de convergência que começou após a Segunda Guerra Mundial. Uma parte substancial dos 85% da população mundial que vive em países em desenvolvimento experimentou pela primeira vez. Um rápido e sustentável crescimento real. Esta tendência global desbanca aquela da crescente desigualdade doméstica.

No entanto, a experiência em muitos países sugere que os altos e crescentes níveis de desigualdade, especialmente a desigualdade de oportunidades, podem ser prejudiciais para o crescimento. Uma razão é que a desigualdade enfraquece o consenso político e social em torno de políticas e estratégias orientadas para o crescimento, o que pode levar a impasses, conflitos ou escolhas políticas medíocres. A prova dá suporte à visão de que a exclusão sistemática de subgrupos em qualquer base arbitrária (por exemplo, etnia, raça ou religião) é especialmente prejudicial neste aspecto.

A mobilidade entre gerações é um indicador fundamental da igualdade de oportunidades. O aumento da desigualdade de resultados não conduz necessariamente a uma redução na mobilidade social de uma geração a outra. Isso depende de importantes instrumentos que oferecem suporte à igualdade de oportunidades – principalmente educação e cuidados de saúde – universalmente acessíveis. Por exemplo, se os sistemas de ensino público começam a ser deficientes, muitas vezes eles são substituídos no topo da distribuição da renda por um sistema privado, com consequências negativas para a mobilidade intergeracional.

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Existem outras ligações entre desigualdade e crescimento. Altos níveis de desigualdade de renda e de riqueza (como em grande parte da América do Sul e em partes da África) muitas vezes reforçam os fenômenos da influência política desigual. Em vez de procurar criar padrões de crescimento inclusivos, os legisladores procuram proteger a riqueza e a vantagem de captação de recursos dos ricos. Geralmente, isto significa menor abertura aos fluxos de comércio e investimento, porque eles levam à indesejada concorrência externa.

Pode-se sugerir então que toda desigualdade (de resultados) não deve ser encarada da mesma forma. Desigualdade com base na captação de recursos e acesso privilegiado a eles, bem como a oportunidades de mercado, são altamente prejudiciais para a coesão social e a estabilidade – e, portanto, orientada para as políticas de crescimento. Num ambiente meritocrático em geral, resultados com base na criatividade, inovação ou talento extraordinário são geralmente bem vistos e acredita-se que tenham efeitos muito menos prejudiciais.

Em parte, é por isso que a atual campanha de “combate à corrupção” da China, por exemplo, é tão importante. Não é a desigualdade de renda relativamente alta da China, mas as tensões sociais criadas pelo acesso privilegiado de pessoas bem informadas aos mercados e transações, que ameaçam a legitimidade do partido comunista chinês e a eficácia de sua governança.

Nos EUA, o aumento da desigualdade de renda dAs últimos três décadas reflete as mudanças tecnológicas e a globalização (ambos favorecendo aqueles com níveis mais elevados de educação e habilidades). Também reflete um acesso privilegiado ao processo de formulação de políticas – uma questão complexa e indeterminada. Mas é importante se questionar por duas razões. Em primeiro lugar, as respostas políticas são diferentes; em segundo lugar, os efeitos sobre a coesão social e a credibilidade do pacto social também são diferentes.

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Crescimento rápido ajuda. Num ambiente de alto crescimento, com elevação da renda para quase todos, as pessoas aceitarão a crescente desigualdade até certo ponto, especialmente se ela ocorre em um contexto que é substancialmente meritocrático. Mas num ambiente de baixo crescimento (ou, pior, crescimento negativo), a crescente desigualdade rapidamente significa que muitas pessoas não estão experimentando um crescimento de renda ou estão perdendo terreno em termos absolutos e relativos.

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As consequências da crescente desigualdade de renda podem induzir os responsáveis políticos a um caminho perigoso: o uso da dívida, por vezes combinado com uma bolha de ativos, para sustentar o consumo. Isso sem dúvida ocorreu na década de 1920, antes da grande depressão; Certamente ocorreu nos Estados Unidos (e na Espanha e no Reino Unido) na década anterior à crise de 2008.

Uma variante, vista na Europa, é o uso de empréstimos de governo preenchendo uma lacuna de demanda e emprego criada por uma demanda privada externa e doméstica deficientes. Na medida em que a última é associada a problemas de competitividade e produtividade, e agravada pela moeda comum, esta é uma resposta política inadequada.

Preocupações semelhantes têm sido levantadas sobre o rápido aumento dos índices de dívida na China. Talvez a dívida pareça ser o caminho de menor resistência ao lidar com os efeitos da desigualdade ou de crescimento lento. Mas há melhores e piores maneiras de lidar com a crescente desigualdade. A alavancagem é uma das piores.

Então, aonde vamos com tudo isso? Para mim, os itens de alta prioridade estão bem claros. No curto prazo, a prioridade é apoio à renda para os pobres e desempregados, que são vítimas de crises, desequilíbrios fundamentais e problemas estruturais, que leva tempo para serem eliminados. Em segundo lugar, especialmente com a crescente desigualdade de renda, o acesso universal a serviços públicos de qualidade, particularmente a educação, é crucial.

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A inclusão sustenta a coesão social e política – e, a partir daí, o crescimento bastante necessário para ajudar a atenuar os efeitos da desigualdade crescente. Há muitas formas de as economias ficarem abaixo do seu potencial de crescimento, mas a falta de investimento, especialmente no setor público, é uma das mais fortes e comuns.

Michael Spence, prêmio Nobel em Economia, é Professor de Economia na Universidade de Nova York, Stern School of Business e Membro Sênior da Hoover Institution. Seu livro mais recente é The Next Convergence – The Future of Economic Growth in a Multispeed World.

(Tradução: Roseli Honório)

© Project Syndicate 2014

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