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A Argentina usa e abusa de Keynes

Para ex-ministro das Finanças do Chile, economista britânico John Maynard Keynes jamais reconheceria sua teoria espelhada nas medidas aplicadas pelo governo Kirchner

Por Andrés Velasco
10 set 2014, 07h34

Em 1971, Richard Nixon, presidente republicano dos Estados Unidos, disse numa frase célebre: “Somos todos keynesianos agora”. Hoje, o peronista Axel Kicillof, ministro da Economia da Argentina, ecoa este sentimento. Ele está certo?

Kicillof ganhou reconhecimento internacional como a face pública da luta argentina contra os chamados fundos abutres que querem extorquir o pagamento integral de títulos argentinos comprados por centavos de dólar. Mas, antes de entrar para o gabinete da presidente Christina Fernández de Kirchner, Kicillof era conhecido nos círculos intelectuais argentinos como o autor do livro Volver a Keynes (Voltar a Keynes).

Na semana passada, dirigindo-se a um salão dourado, lotado pela elite argentina dos negócios, Kicillof explicou as políticas do governo como uma aplicação prática das teorias keynesianas. Em um discurso de uma hora, ele ressaltou dois pontos-chave.

Primeiro, Kicillof atribuiu o rápido crescimento econômico da Argentina, nos anos entre 2001, do calote da dívida, e 2008, da crise financeira global, à uma reativação keynesiana de demanda agregada doméstica. Keynes fez uma tremenda colaboração intelectual ao mostrar que a oferta em uma economia de mercado não necessariamente cria sua própria demanda, e que déficits de demanda podem causar recessões evitáveis. Esta lógica está em curso na Argentina?

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Em 2001, quando a economia argentina implodiu, os cidadãos perderam seus empregos e as empresas o acesso ao crédito, levando a demanda interna ao colapso.

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Mas, quando o país abandonou a paridade cambial de um por um em relação ao dólar americano, a taxa de câmbio real sofreu uma forte desvalorização. Isto desviou a demanda por importações para os produtos internos. Em seguida, a alavancada do preço das exportações de alimentos, taxadas pesadamente na Argentina, aumentou a receita do governo, provendo o dinheiro para financiar os gastos orçamentários inflacionados. Dado o isolamento da Argentina dos mercados financeiros mundiais, o banco central do país pôde cortar as taxas de juros internas com temor limitado de evasão de capital. O impulso fiscal e monetário sustentou uma recuperação rápida.

À primeira vista, Kicillof parece estar certo: este parece um caso exemplar da reativação keynesiana. Mas Keynes não aprovaria as políticas macroeconômicas aplicadas por Christina e por seu predecessor e marido, o falecido Néstor Kirchner.

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Uma abordagem keynesiana asseguraria que a oferta não ficasse aquém da demanda. Os Kirchner fizeram com que a demanda superasse largamente a oferta. O fato de a taxa inflacionária anual da Argentina ter-se mantido em 20% ou mais, por mais de uma década, ilustra isto claramente – e isto não pode ser ocultado por taxas de serviço congeladas e manipulação constante do índice de preços ao consumidor.

O segundo ponto de Kicillof foi que as empresas e os consumidores argentinos não devem sucumbir ao pessimismo. Aludindo às teorias de Keynes sobre expectativas autossatisfatórias, ele alertou que, se as pessoas esperam que as coisas deem errado, elas vão dar.

Keynes disse mesmo – e foi uma visão muito importante – que a economia capitalista assemelha-se a um concurso de beleza, com juízes votando não na competidora mais bonita, mas na competidora que eles acreditam que os seus colegas vão achar mais bonita. Mudanças nas expectativas, portanto, podem alterar o resultado.

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Mas os argentinos não são pessimistas em relação à economia porque outros argentinos são pessimistas. Eles são pessimistas porque as bases da economia são fracas – uma diferença fundamental.

Em 1991, o economista Paul Krugman, vencedor do Nobel e talvez o mais proeminente keynesiano no mundo hoje, mostrou que o fato de as expectativas serem ou não autorrealizáveis depende das condições econômicas subjacentes. Se as bases da economia são muito fracas, uma crise inevitavelmente irá acontecer mais cedo ou mais tarde. Se as bases são muito fortes, uma crise jamais acontece. E se elas são intermediárias, uma crise só acontece se – e apenas nessas condições – as pessoas esperam que ela aconteça.

Há alguns anos, a zona do euro estava nesta situação. É por isso que o apelo de Mario Draghi, presidente do Banco Central Europeu, para salvar o euro imediatamente, “custe o que custar”, deteve a crise da dívida (a crise de crescimento, é claro, ainda não foi resolvida).

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Mas a Argentina não é a zona do euro. Não há nada que Kicillof possa dizer hoje que tenha o mesmo efeito tranquilizador que a promessa de Draghi. Os argentinos hoje sentem-se muito como Dorothy, quando ela aterrissou em Oz pela primeira vez – não estão mais no seguro e familiar “Kansas”. Mas Keynes não é o culpado. Kicillof e Kirchner, sim.

Andrés Velasco, ex-ministro das Finanças do Chile, é professor convidado na Universidade de Columbia

(Tradução: Roseli Honório)

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© Project Syndicate 2014

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