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Poliuretano, um dos vilões do incêndio em Santa Maria

Material usado para fazer o isolamento acústico de boates como a Kiss pega fogo rapidamente e emite substâncias tóxicas

Por Juliana Santos e Jean-Philip Struck
Atualizado em 6 Maio 2016, 16h23 - Publicado em 29 jan 2013, 06h47

O material mais usado pelas casas noturnas brasileiras para fazer o isolamento acústico também pode transformá-las em fornos. Trata-se da espuma de poliuretano que serve ao isolamento acústico – essencial para locais como a boate Kiss, em Santa Maria (RS). Quando não recebe a adição de um composto químico para retardamento de combustão, a espuma é inflamável e propaga o fogo com velocidade. Mais ainda: ela tem características de isolante térmico. Assim, impede que o calor se dissipe.

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“O calor em um lugar com isolamento dessa natureza se concentra no ambiente, em vez de se dissipar”, diz Ricardo Bentini, pesquisador do Laboratório de Biomateriais Poliméricos do Instituto de Química da USP. “O calor e as chamas aumentam de forma muito mais rápida do que aconteceria em um lugar que não tivesse esse revestimento.” Associada ao alastramento das chamas vem a emissão de fumaça e gases – em geral a principal responsável pelas mortes em incêndios. O aumento da temperatura acelera a decomposição de outros materiais presentes no ambiente – como móveis e portas – e intensifica ainda mais a liberação de substâncias tóxicas como o monóxido de carbono e gás cianídrico.

Nos Estados Unidos, o poliuretano foi banido do revestimento de casas noturnas desde 2003, quando um incêndio em uma boate deixou 100 mortos. Segundo Marlise Vasconcelos, presidente da Sociedade Brasileira de Engenharia de Segurança, um substituto para o poliuretano é a lã de rocha. “No Brasil, os prédios mais modernos tem ‘paredes sanduíches’, feitas de gesso e com lã de rocha por dentro.” Com ponto de combustão a partir de 800 graus Celsius – contra 140 graus Celsius, ou menos, para o poliuretano sem tratamento – a lã de rocha retardaria a propagação do fogo, salvando vidas. ,

O exemplo americano – As mudanças na segurança nos Estados Unidos foram motivadas pela tragédia ocorrida no dia 20 de fevereiro de 2003, no clube The Station, em West Warwick, Rhode Island. Músicos da banda Great White também usaram fogos de artifício no palco, o que deu início a um incêndio. Assim como na boate Kiss, de Santa Maria, o teto era forrado com poliuretano, que permitiu que o fogo se alastrasse velozmente. A construção, de 1946, estava fora dos padrões de segurança e a lotação estava acima do permitido.

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Depois do acidente, a National Fire Protection Association (NFPA), entidade americana que publica normas técnicas sobre prevenção de incêndios, revisou uma extensa série de regulamentos, criando classes específicas de materiais de revestimento, com base na sua inflamabilidade e produção de fumaça. Novas exigências foram feitas quanto a equipamentos de segurança, saídas de emergência e uso de material pirotécnico.

Em 2006, os dois donos do clube foram sentenciados a penas de prisão de 10 e 15 anos – essa última, a mesma pena aplicada ao gerente da banda que se apresentava.

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Impeachment – Oito anos atrás, uma tragédia semelhante à que atingiu a cidade gaúcha de Santa Maria também provocou mais de uma centena de mortes em Buenos Aires, Argentina. Similar até em alguns dos detalhes, o incêndio da discoteca portenha República Cromagnon provocou importantes mudanças na legislação de bares e boates portenhos e na política de concessão de alvarás.

Na noite de 30 de novembro de 2004, com lotação muito acima da sua capacidade – apesar de comportar 1.000 pessoas, estava com 3.000 no momento da tragédia -, a Cromagnon pegou fogo após o assistente de uma banda que se apresentava ter acendido um sinalizador, que provocou fagulhas que atingiram uma tela de plástico inflamável perto do palco. O material entrou em combustão e o fogo se espalhou. Como resultado, 194 pessoas – a maioria jovens – morreram. Quase todos foram vítimas de asfixia provocada pela fumaça.

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Nos dias seguintes, investigações revelaram que a casa funcionava mesmo com o alvará emitido pelos bombeiros vencido e que havia uma série de problemas na localização e na quantidade de saídas de incêndio.

Apontado como um dos responsáveis pela tragédia, por causa da fiscalização falha, o então prefeito de Buenos à época da tragédia, Aníbal Ibarra, acabou sofrendo um processo de impeachment e perdeu o cargo no ano seguinte. Já o gerente da discoteca, Omar Chaban, foi condenado a 20 anos de prisão em 2009. A pena foi posteriormente reduzida para dez anos e atualmente cumpre a sentença em uma prisão de Buenos Aires.

A comoção provocada pela tragédia não foi logo esquecida. Familiares de vítimas passaram a liderar movimentos pedindo mudanças na legislação e mais segurança para as discotecas da cidade. Nas semanas seguintes, dezenas delas foram fechadas por não atenderem os requisitos de segurança.

As que permaneceram abertas tiveram que adotar novas medidas, que incluíram a instalação de sinalização interna mais clara para indicar as saídas de emergência e a indicação da capacidade do local. Também foi proibido o uso de fogos de artifício em shows e festas. Já a fiscalização passou a ser mais rígida na concessão de alvará e fiscais aumentaram a rigidez no combate à prática de permitir a entrada de mais pessoas do que a capacidade oficial.

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