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Pesquisadores usam técnica de clonagem para criar células-tronco embrionárias humanas

Estudo consegue, pela primeira vez, criar células-tronco embrionárias a partir de células de um ser humano. Descoberta reacende debates éticos e traz a esperança de novos tratamentos contra uma série de doenças

Por Guilherme Rosa e Mariana Janjacomo
Atualizado em 6 Maio 2016, 16h20 - Publicado em 15 Maio 2013, 20h51

Cientistas da Universidade de Saúde e Ciência de Oregon, nos Estados Unidos, conseguiram pela primeira vez reprogramar células humanas adultas para que se tornassem células-tronco embrionárias. Para isso, eles utilizaram uma técnica de clonagem, retirando células da pele de um indivíduo e inserindo seu DNA dentro do núcleo de óvulos humanos. O desenvolvimento desse óvulo levou à geração das células-tronco – capazes de se transformar em qualquer tipo de célula do corpo humano e, por isso, esperança para uma série de tratamentos médicos. Segundo os cientistas, elas poderiam substituir células danificadas por ferimentos ou doenças e oferecem esperanças no tratamento contra o Parkinson, esclerose múltipla, doenças cardíacas e lesões na espinha. “Como essas células reprogramadas podem ser geradas com o material genético da célula de um paciente, não há preocupações quanto à rejeição em um transplante”, diz Shoukhrat Mitalipov, pesquisador da Universidade de Saúde e Ciência de Oregon e autor do estudo, publicado nesta quarta-feira na revista Cell.

CONHEÇA A PESQUISA

Título original: Human Embryonic Stem Cells Derived by Somatic Cell Nuclear Transfer

Onde foi divulgada: periódico Cell

Quem fez: Masahito Tachibana, Paula Amato, Michelle Sparman, Nuria Marti Gutierrez, Rebecca Tippner-Hedges, Hong Ma, Eunju Kang, Alimujiang Fulati, Hyo-Sang Lee

Instituição: Universidade de Saúde e Ciência de Oregon, nos Estados Unidos

Resultado: Os pesquisadores desenvolveram uma técnica capaz de, pela primeira vez, criar células-tronco embrionárias humanas. Para isso, eles inseriram o material genético de uma célula adulta da pele em um óvulo não-fertilizado, cujo material genético foi retirado.

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A técnica utilizada pelos pesquisadores se chama transferência nuclear de células somáticas, e é uma variação da técnica de clonagem utilizada para criar a ovelha Dolly, em 1996. Ao transferir o DNA de uma célula adulta para um óvulo não fertilizado, os pesquisadores dão origem a um processo de divisão celular que pode levar ao surgimento de um embrião com o mesmo genoma da célula doadora. Na pesquisa atual – diferentemente do que aconteceu com a Dolly, por exemplo -, os pesquisadores pararam esse processo em um estágio muito inicial, conhecido como blastocisto, quando estavam sendo produzidas as primeiras células-tronco.

Cultivadas em laboratório, elas se mostraram tão versáteis quanto células criadas em embriões gerados a partir da fecundação natural. “Um exame completo das células-tronco criadas por essa técnica demonstrou sua habilidade de se converter, do mesmo modo que as células-tronco embrionárias normais, em vários tipos diferentes de células, incluindo as nervosas, do fígado e do coração”, disse Mitalipov.

Falhas anteriores – Tentativas anteriores de produzir o mesmo tipo de célula-tronco em laboratório não foram bem sucedidas: os óvulos humanos se mostraram mais frágeis do que o de outros animais e costumavam frear seu desenvolvimento antes mesmo de atingir o estágio de blastocisto. O sucesso da equipe veio sete anos depois de eles terem conseguido fazer o mesmo com macacos – o que permitiu que realizassem uma série de mudanças nas técnicas utilizadas anteriormente.

A chave para o sucesso foi a descoberta de um modo de fazer com que os óvulos permanecessem em um estado chamado metáfase, uma fase de seu processo natural de divisão celular no qual o material genético se alinha no meio da célula pouco antes de ela se dividir. Os pesquisadores descobriram que, ao utilizar um processo químico para manter o óvulo nessa fase durante a transferência do núcleo, eles eram capazes de fazer com que o desenvolvimento do óvulo fosse normal, produzindo as células-tronco. “Por enquanto, ainda existe muito trabalho a ser feito para desenvolver tratamentos efetivos e seguros com essas células. Mas nós acreditamos que esse é um passo significativo em direção ao desenvolvimento de células que possam ser usadas na medicina regenerativa”, disse o pesquisador.

Clones – A pesquisa deve trazer de volta o debate ético sobre a clonagem. Críticos já dizem que o estudo pode levar ao desenvolvimento de clones humanos e à morte injustificada de embriões. Para evitar as críticas, os pesquisadores destacam que o seu método é conhecido como clonagem terapêutica, e é diferente da clonagem reprodutiva – usada para criar a Dolly. Eles dizem que diversas pesquisas realizadas com macacos mostraram que a técnica da transferência nuclear de células somáticas não é capaz de criar clones desse tipo de animal, o que também deve ser o caso dos humanos.

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Saiba mais

CÉLULAS-TRONCO

Também chamadas de células-mãe, as células-tronco podem se transformar em qualquer um dos tipos de células do corpo humano e dar origens a outros tecidos, como ossos, nervos, músculos e sangue. Dada essa versatilidade, elas vêm sendo testadas na regeneração de tecidos e órgãos de pessoas doentes.

CÉLULA-TRONCO EMBRIONÁRIA

Formada no blastocisto, aglomerado de células que forma o feto. Por ter o ‘objetivo’ de ajudar na criação e desenvolvimento de um novo organismo, pode se diferenciar em praticamente todos os tecidos do corpo

CÉLULA-TRONCO PLURIPOTENTE INDUZIDA

Célula adulta especializada que foi reprogramada geneticamente para o estágio de célula-tronco embrionária. Pode se transformar em qualquer tecido do corpo. Elas são obtidas por meio da reprogramação genética de células adultas. Uma célula somática (não envolvida diretamente na reprodução), como a da pele, pode “voltar” a um estágio similar ao de célula-tronco embrionária pela adição de alguns genes.

Eles também destacam que sua pesquisa não utiliza embriões fertilizados naturalmente, mas criados em laboratório. “Nossa pesquisa é voltada para a gestação de células-tronco para o uso em futuros tratamentos no combate a doenças. Enquanto as descobertas na área da transferência de núcleo muitas vezes levam a discussões públicas sobre a ética da clonagem humana, esse não é o nosso foco, e nem acreditamos que nossas descobertas possam ser usadas por outros para levar ao desenvolvimento dessa possibilidade”, disse Mitalipov.

Tipos de célula – Durante os mais de dez anos em que os pesquisadores falharam na busca por essas células embrionárias, elas foram relegadas a segundo plano nas pesquisas genéticas. Desde 2006, os cientistas vinham estudando o desenvolvimento de outro tipo de célula-tronco, produzidas a partir de alterações genéticas em células adultas normais- são as células-tronco pluripotente induzidas.

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As pesquisas com a nova tecnologia vinham se desenvolvendo em grande velocidade em vários laboratórios pelo mundo e garantiram até um prêmio Nobel no ano passado aos descobridores da técnica que reprogramava as células adultas. O novo estudo deve gerar uma discussão sobre qual seria a célula-tronco mais efetiva. “A transferência nuclear parece ser um método muito mais complexo de ser realizado, pois são necessários óvulos – e é difícil consegui-los. Não foi relatado no artigo, e ainda não se sabe, se as células geradas no estudo têm alguma vantagem em relação às outras; se tiverem, talvez passe a existir um interesse maior na transferência nuclear. Por enquanto, acho que não existe”, diz Lygia da Veiga Pereira, geneticista do Laboratório Nacional de Células-Tronco Embrionárias da USP. É certo que os próximos anos devem trazer uma série de pesquisa comparando as duas técnicas em seres humanos.

Opinião das especialistas_____

Mayana Zatz, geneticista e coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano e do Instituto Nacional de Células-Tronco em doenças genéticas

“Esse método da pesquisa é muitíssimo mais difícil do que as pluripotentes. São necessários óvulos humanos, que não são fáceis de conseguir – na pesquisa, ele diz até que usou “óvulos humanos de primeira qualidade”. Esse método é muito mais complexo que o outro, e ele veio com muito atraso.

“Se fosse há uns anos, seria bem interessante, mas depois da descoberta das pluripotentes induzidas, perdeu-se muito do interesse. Se a célula de um método é melhor, mais eficiente que a outra, é necessário comparar para descobrir, ainda não há como saber.

“Esse estudo não mudará nada no rumo das pesquisas com células-tronco, porque esse método é muito difícil, muito complexo. Com muita eficiência já conseguimos usar as células induzidas para estudar as doenças humanas e gerar inúmeras linhagens celulares.

“Para fazer uma clonagem humana, é preciso um útero, e os úteros não andam por aí, nos corredores. Outra coisa, o fato de você ter conseguido uma linhagem, não significa que você conseguirá uma pessoa completa. Os estudos prévios com clonagem de animais mostraram que existe uma taxa de sucesso muito pequena, e que a grande maioria de animais que nasce a partir de clonagem sofre de muitos problemas. Então, seria uma loucura pensar em fazer isso com seres humanos.”

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Lygia da Veiga, geneticista e diretora do Laboratório Nacional de Células-Tronco Embrionárias da USP

“Se esse trabalho tivesse sido publicado há alguns anos, seria de um impacto enorme, porque essa técnica de transferência nuclear era a única forma conhecida até então de reprogramar uma célula. Essa ideia surgiu há muito tempo, e o seu criador ganhou inclusive um prêmio Nobel pelo trabalho. Depois disso, a transferência nuclear foi aplicada em um mamífero, no caso da ovelha Dolly.

“Já em 2006, um pesquisador japonês, o Shinya Yamanaka, descobriu que alterar somente quatro genes já era o suficiente para fazer uma célula se reprogramar e se transformar em uma célula embrionária, e assim ele descobriu as células pluripotentes induzidas. A partir daí, perdeu-se muito o interesse de se fazer a reprogramação por transferência nuclear – que é o que foi mostrado no estudo publicado hoje – porque o método do Yamanaka, das células pluripotentes induzidas, é um método muito mais fácil e viável, já adotado por centenas de laboratórios no mundo inteiro. A transferência nuclear se mostra um método muito mais complexo de ser realizado, pois são necessários óvulos, e é difícil conseguir óvulos.

“Quanto à eficácia, achei surpreendente que esses pesquisadores tenham conseguido células eficientes usando apenas dezenas de óvulos (e descobrindo novos meios de cultura, melhorando suas técnicas, como descrito no artigo). Sempre achamos que seria necessário pelo menos centenas. Mas isso ainda não significa que esse método seja mais vantajoso que o do Yamanaka.

“Não foi relatado no artigo, e ainda não se sabe, se essas células geradas no estudo têm alguma vantagem em relação às outras; se tiver, talvez passe a existir um interesse maior na transferência nuclear. Por enquanto, não.”

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