Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

O mistério da água

A descoberta de que a água do cometa 67P, orbitado pela sonda Rosetta, é bem diferente da existente na Terra enfraqueceu a teoria de que o líquido do nosso planeta tem origem extraterrestre. Ao site de VEJA, astrofísicos e químicos explicam o que aconteceria se alguém bebesse a água do cometa, quais são os tipos de água existentes na natureza e qual pode ser, afinal, a origem desse elemento essencial à vida

Por Juliana Santos e Rita Loiola
Atualizado em 6 Maio 2016, 16h07 - Publicado em 14 dez 2014, 16h15

No século VI a.C., o filósofo grego Tales de Mileto afirmava que a água “está na origem de todas as coisas”. Mas foi somente no século XVIII que Lavoisier desvendou a composição desse elemento: duas partes de hidrogênio para uma de oxigênio. A química como conhecemos hoje, com a tabela periódica e a descoberta do átomo, só se desenvolveu depois da segunda metade do século XIX. Desde então, cientistas decodificaram as propriedades da água e seu papel essencial para a existência de vida. A origem desse líquido, no entanto, ainda é uma incógnita para a ciência.

Pelas crateras na Lua, os cientistas sabem que nosso planeta foi intensamente bombardeado por corpos menores há 3,8 bilhões de anos, 800 milhões de anos após sua formação. Como a Terra era provavelmente muito quente no início, uma das teorias é de a água tenha sido trazida pela colisão de pequenos corpos celestes. A dúvida é quais foram esses corpos: cometas ou asteroides?

Os cometas, formados por 80% de água, eram a aposta preferida dos astrônomos. Já os asteroides pareciam candidatos menos prováveis, uma vez que são essencialmente rochosos, embora possuam água congelada, hidrogênio e oxigênio.

Continua após a publicidade

Uma das principais razões pelas quais a sonda Rosetta foi enviada em uma cinematográfica missão ao cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko era verificar se a água desse corpo celeste era a mesma da Terra. Um resultado positivo reforçaria a teoria de que a água foi trazida até aqui pelos cometas. A teoria, no entanto, perdeu força na última quarta-feira, quando um estudo publicado na revista Science mostrou que a água do 67P é diferente da existente no planeta azul.

Leia também:

Missão Rosetta: por que o pouso em um cometa é tão importante para a ciência

Continua após a publicidade

Missão Rosetta: novas imagens dão pistas do percurso de robô em cometa

Composição da água – Toda molécula de água é composta por dois átomos de hidrogênio e um átomo de oxigênio, a H2O como conhecemos, mas a composição química desses átomos pode variar. O hidrogênio comum, mais abundante na Terra, é formado por apenas um próton, com duas variações, chamadas de isótopos (átomos de um mesmo elemento químico que diferem em massa). Uma delas, o deutério, possui um próton e um nêutron, e a outra, mais rara, possui um próton e dois nêutrons e é conhecida como trítio.

O mesmo acontece com o oxigênio. O mais comum, chamado oxigênio 16, tem oito prótons e oito nêutrons, mas existem também o oxigênio 17 (com nove nêutrons) e o oxigênio 18 (com dez nêutrons). Todos eles podem se combinar em 18 composições químicas diferentes para a água, que existem misturadas na Terra. “Quando tomamos um copo de água, estamos tomando cada uma dessas misturas de isótopos”, diz Fabio Rodrigues, professor do Instituto de Química e coordenador de química do Laboratório de Astrobiologia da Universidade de São Paulo (USP).

Continua após a publicidade

Para determinar se a água de um corpo celeste é ou não parecida com a do nosso planeta, os cientistas usam como base o deutério. Ele é um bom marcador porque sua quantidade permanece estável mesmo ao longo de bilhões de anos. Assim como se fazem testes de carbono 14 para determinar a idade de um fóssil, analisa-se o deutério para saber de onde a água da Terra pode ter vindo.

Deutério – Medições do instrumento Rosina, da sonda Rosetta, composto por dois espectrômetros de massa e um sensor de pressão, mostraram que a H2O do cometa possui três vezes a quantidade de deutério da água da Terra.

Os cientistas estimam que a água do nosso planeta contenha 0,017% de deutério. No 67P, esse valor é de 0,053%. A diferença é grande o suficiente para que os pesquisadores tenham certeza de que os líquidos não têm a mesma origem, mas pequena para que pudesse fazer mal a um humano essa água fosse consumida. “Se, por exemplo, esse cometa caísse no reservatório Cantareira, em São Paulo, sua água poderia ser consumida, pois a quantidade de deutério é ínfima para alterar as propriedades da nossa água”, afirma Eduardo Janot Pacheco, coordenador geral do Laboratório de Astrobiologia da Universidade de São Paulo.

Continua após a publicidade

O problema é que outras substâncias foram encontradas no 67P. “A água poderia ser consumida do ponto de vista do deutério. Você nem sentiria gosto algum, porque deutério e hidrogênio são quimicamente idênticos, com apenas um nêutron a mais no primeiro. No entanto, o cometa contém cianeto, amônia e outros elementos não saudáveis. Então, pode não ser uma boa ideia beber essa água ou refrescar o seu drink com suas pedrinhas de gelo”, diz Kathrin Altwegg, pesquisadora da Universidade de Berna, na Suíça, e principal autora do estudo publicado na Science.

Leia também:

Parte da água do planeta pode ser mais antiga que o Sol, diz estudo

Continua após a publicidade

Água é descoberta, pela primeira vez, na atmosfera de exoplaneta do tamanho de Netuno

Em laboratório, é possível fazer água em que todos os hidrogênios sejam do tipo deutério. Trata-se da chamada água pesada, usada em reatores nucleares. Ainda assim, para nos fazer mal, ela teria que ser ingerida em grande quantidade. “Para a água composta apenas com deutério prejudicar o organismo, uma pessoa de 70 quilos precisaria ingerir de 13 e 26 litros desse líquido, de modo que intoxicasse de 25% a 50% da água do organismo”, explica Fabio Rodrigues.

Outros cometas – O 67P não foi o primeiro cometa a ter sua água analisada. Outras duas “famílias” de cometas, as da Nuvem de Oort, mais distantes do Sol, e da família de Júpiter, mais próximas do astro, também foram estudadas pelos cientistas. Os corpos celestes da Nuvem de Oort mostraram uma quantidade de deutério muito alta. Na família de Júpiter, o Hartley 2 possui água semelhante à da Terra na quantidade de deutério. Curiosamente, a água do 67P, que também faz parte dessa família, revelou-se mais parecida com os cometas da Nuvem de Oort.

“Seriam necessários diversos milhões de cometas para trazer água para a Terra, e é pouco provável que a média de deutério dos cometas da família de Júpiter seja parecida com a do nosso planeta, a não ser que o 67P seja uma exceção e todos os outros tenham água parecida com a nossa”, afima Kathrin Altwegg.

Agora, a missão dos cientistas é investigar se a água veio de um asteroide. Há uma semana, a agência espacial japonesa, Jaxa, lançou a sonda Hayabusa 2, que percorrerá 300 milhões de quilômetros para chegar, em 2018, ao asteroide 1999 JU3, com objetivo de recolher amostras dele. Paralelamente, a Nasa planeja para o ano que vem o lançamento da OSIRIS-REX, com destino ao asteroide Bennu, para coletar amostras em 2019.

Se a teoria do asteroide não se confirmar, ganharia corpo uma terceira hipótese: de que a água teria se originado na formação da Terra. Nosso sistema planetário se formou a partir de uma imensa nuvem de gás e poeira cósmica, que produziu estrelas, planetas, asteroides, cometas e outros corpos celestes. “Pode ser que nesse gás primordial a água já estivesse presente e, por isso, ela aparece também em vários outros planetas do Sistema Solar. O mais provável é que uma mistura dessas três teorias indique a fonte da água terrestre. O planeta foi formado com água e também bombardeado por cometas e asteroides”, afirma Eduardo Janot Pacheco. “Hoje se sabe que todas as reações que criaram a vida ocorreram na água. Mas até hoje sua origem é um mistério para a ciência.”

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.