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“No futuro, as pessoas vão experimentar sensações para as quais não nasceram equipadas para perceber”

Segundo o neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, "essa é a primeira demonstração de uma interface cérebro-máquina que realmente aumenta a capacidade perceptual de um mamífero"

Por Guilherme Rosa
Atualizado em 6 Maio 2016, 16h23 - Publicado em 12 fev 2013, 19h51

A pesquisa divulgada nesta terça-feira na revista Nature Communications, na qual a equipe coordenada pelo neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis foi capaz de criar um ‘sexto sentido’ em ratos, tornando-os capaz de sentir a luz infravermelha, faz parte de um grande projeto chamado Walk Again (Andar de Novo). A ideia do cientista é usar os microimplantes cerebrais para controlar de modo mais preciso próteses mecânicas. A equipe trabalha no desenvolvimento do primeiro exoesqueleto de corpo inteiro, destinado a restaurar a mobilidade em pacientes paralisados. A primeira demonstração desta tecnologia está prevista para acontecer no jogo de abertura da Copa do Mundo de 2014.

A última conquista da equipe foi conseguir gravar os sinais de quase 2.000 células cerebrais ao mesmo tempo, um número inédito. No futuro, os pesquisadores esperam registrar a atividade elétrica produzida simultaneamente por 10.000 neurônios corticais, necessária para o funcionamento pleno do equipamento.

A atual pesquisa que conferiu aos ratos a habilidade de perceber luz infravermelha também é importante para o projeto, pois permitirá um novo tipo de comunicação entre o paciente e o exoesqueleto. Atualmente, os cientistas tentam fazer com que o eletrodo no cérebro dos pacientes transmita respostas tácteis para permitir que ele sinta os movimentos feitos pelas vestes robóticas. Mas, a partir da nova experiência, a resposta do equipamento também poderá se dar na forma de um sinal de rádio ou luz infravermelha, que daria mais velocidade à comunicação.

Em entrevista ao site de VEJA, Miguel Nicolelis, chefe do laboratório de neuroengenharia da Universidade de Duke, nos Estados Unidos, e diretor científico do Instituto Internacional de Neurociências de Natal, salienta, no entanto, que a pesquisa representa mais do que apenas um simples passo na construção do exoesqueleto. Ela demonstra, pela primeira vez, o potencial de expandir o alcance perceptivo de uma espécie. “Fizemos com que o cérebro passasse a responder a grandezas físicas que o corpo biológico não é capaz de processar”, afirma Nicolelis. As possibilidades abertas pelo experimento são enormes e, no limite, representam a quebra dos limites impostos ao corpo humano. “No futuro, poderemos criar próteses para fazer com que pessoas experimentem novas sensações – sensações para as quais não nascemos equipados para perceber.”

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Em sua pesquisa, os ratos realmente adquiriram um novo sentido? Foi exatamente isso que aconteceu. Por meio da prótese, os ratos passaram a poder perceber a luz infravermelha, que é invisível para os mamíferos. Eles começaram a perceber a luz como um estímulo tátil, de modo diferente do qual captam a luz normalmente. Em todos os efeitos, trata-se de um novo sentido.

Como os ratos interpretavam o sinal de luz infravermelha? Não sabemos – os ratos não são capazes de nos relatar sua experiência. Mas estamos reproduzindo o estudo em macacos, e um deles já aprendeu a sentir a luz de modo semelhante aos ratos. Tudo leva a crer que eles interpretam o sinal como um estímulo táctil: uma nova modalidade em que os animais percebem pelo tato a presença de luz que ele não consegue enxergar pelos olhos.

Como os ratos reagiram ao novo estímulo? Eles começaram a desenvolver uma nova estratégia comportamental. O animal começou a mover a cabeça em movimentos laterais, como se fosse um morcego. Assim, ele procurava a fonte de luz, e conseguia encontrar a recompensa. Seus movimentos lembravam o de um radar, em busca da luz.

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E qual era seu comportamento quando o dispositivo era desligado? Depois de algumas semanas, o animal passa a querer usar essa nova capacidade. Quando desligamos o dispositivo, eles ficam aflitos, porque se acostumam com a possibilidade de encontrar as fontes de luz infravermelha. Quando ligamos o aparelho, dá para perceber que eles ficam mais tranquilos. O novo sentido passou a fazer parte da rotina dele.

O que essa pesquisa representa? Até agora, se pensava que o córtex táctil só era capaz de processar as sensações táteis que conhecemos. Nós ultrapassamos um limite que se pensava impossível, uma barreira que era quase dogmática. Em teoria o trabalho mostra que qualquer outro sinal físico que não percebemos normalmente – como raios-x, ondas de radio, ondas eletromagnéticas – podem ser percebidos pelo cérebro. Essa é a primeira demonstração de uma interface cérebro-máquina que realmente aumenta a capacidade perceptual de um mamífero. Todas as demonstrações até hoje apenas restauravam funções corporais perdidas. Dessa vez, nós demos uma nova função ao animal.

Como esse estudo poderá ser usado no desenvolvimento do Projeto Walk Again? Ela abre uma nova porta para o exoesqueleto se comunicar com o cérebro dos pacientes. Podemos usar luz para isso, que é transmitida muito mais rapidamente do que qualquer outro sinal.

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Como está o cronograma do projeto? O senhor acredita que o exoesqueleto estará pronto para a Copa de 2014? As pesquisas estão dentro do ritmo planejado. É um projeto extremamente desafiador, mas estamos dentro da agenda. Temos quatro trabalhos muito importantes prestes a serem publicados. Não posso entrar em detalhes, mas adianto que uma das interfaces é ainda mais inesperada que a da pesquisa atual, uma tecnologia que não foi sequer cogitada.

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