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Frio ‘escapa’ do Ártico e derruba termômetros na Europa e nos Estados Unidos

Enquanto Estados Unidos e Europa registram nevascas históricas, a temperatura sobe na região polar

Por The New York Times
Atualizado em 6 Maio 2016, 17h10 - Publicado em 25 jan 2011, 18h47

A principal razão do tempo estar de cabeça para baixo é que o padrão de circulação atmosférica que tende a manter o ar frio restrito ao Ártico tem enfraquecido nos últimos dois invernos, permitindo que grandes frentes de ar frio rumem ao Sul, enquanto massas de ar quente se deslocam para o Norte

A julgar pelo tempo, o mundo parece ter virado de cabeça para baixo. Por dois invernos seguidos, o frio vindo do Ártico cobriu a Europa de gelo e neve. Nos Estados Unidos, nevascas históricas atingiram estados do Sul e a costa atlântica. Enquanto isso, 3.200 quilômetros ao Norte, os últimos invernos têm sido estranhamente mais quentes. Por todo o noroeste do Canadá e Groenlândia, as temperaturas em dezembro ficaram entre -9º e -7º Celsius, acima do normal. Baías e lagos têm demorado a congelar, e a pesca no gelo, a caça e as rotas de comércio foram afetadas.

Iquluit, capital do remoto território canadense de Nunavut, teve de cancelar seu desfile em veículos de neve no Ano Novo. David Ell, o prefeito em exercício, diz que os moradores têm olhado com inveja para as cidades americanas e europeias cobertas pela neve, comentando: “É para lá que toda a nossa neve está indo!”.

Deslocamento de massas – O tempo parece de cabeça para baixo porque um padrão de circulação atmosférica que tende a manter o ar frio limitado ao Ártico tem enfraquecido nos últimos invernos, permitindo que grandes frentes de ar frio rumam ao Sul, enquanto massas de ar quente se deslocam para o Norte. Esta é a causa imediata. Um problema mais sério é se esse padrão está ou não ligado às rápidas mudanças que o aquecimento global está causando no Ártico, particularmente a drástica diminuição das geleiras. Ao menos dois cientistas climáticos de renome acham que sim. Mas muitos outros estão em dúvida, afirmando ou que os eventos recentes não são excepcionais ou que seria preciso obter mais provas por um maior período de tempo para estabelecer essa conexão.

Desde que satélites começaram a acompanhar o fenômeno, em 1979, o gelo na superfície do oceano Ártico em setembro diminuiu mais de 30%. É uma mudança impactante na superfície do planeta em décadas recentes, e a pergunta principal é se isso está começando a afetar padrões climáticos maiores. O gelo reflete a luz do sol, e os cientistas afirmam que a perda do gelo está fazendo com que o Oceano Ártico absorva mais calor no verão.

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Geladeira aberta – Num aparente paradoxo, alguns cientistas apontam o calor em excesso como possível culpado pelos recentes invernos rigorosos na Europa e nos Estados Unidos. Suas teorias envolvem um rio de ar que se move rapidamente, chamado jet stream, que cobre o Hemisfério Norte. No inverno, uma forte diferença de pressão entre a região polar e latitudes mais baixas canalizam esses jet streams num círculo apertado, ou vórtice. “É como se fosse uma cerca”, conta Michelle L’Hereux, uma pesquisadora de Camp Springs em Maryland, da Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA).

Quando a diferença de pressão diminui, no entanto, o jet stream se enfraquece e ruma ao Sul, levando ar frio para as latitudes mais baixas e trazendo ar quente para o Ártico – exatamente o que tem acontecido nos últimos dois invernos. O efeito é por vezes comparado ao efeito de deixar a porta da geladeira aberta, com o ar frio inundando a cozinha ao mesmo tempo que o ar quente entra na geladeira. Isso tem acontecido intermitentemente por muitas décadas. Ainda assim, é incomum para o vórtice polar se enfraquecer tanto.

No inverno passado, um índice relacionado ao vórtice atingiu o valor mais baixo durante o período do inverno desde que o registro começou, em 1865, e em dezembro também estava muito baixo. James E. Overland, cientista climático da NOAA em Seattle, sugeriu que o calor excessivo no oceano Ártico poderia estar aquecendo a atmosfera o suficiente para torná-la menos densa, fazendo com que a pressão sobre o Ártico fique parecida com a pressão de latitudes mais baixas.

Incerteza – Mas Overland reconhece que sua ideia é baseada em observações e precisa de mais pesquisa. Muitos outros cientistas climáticos não estão convencidos e dizem quem o espaço de dois anos, mesmo que seja incomum, não é muito para servir de base a uma nova teoria. “Ainda não temos conhecimento suficiente para fazer afirmações definitivas”, disse Tevin Trenberth, chefe de análise climática do Centro Nacional de Pesquisas Atmosféricas em Boulder, Colorado.

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A incerteza sobre o que está provocando os invernos estranhos reflete uma dificuldade central dos estudos do clima. A maioria dos pesquisadores está certa de que os gases do efeito estufa liberados pelos seres humanos estão aquecendo a Terra. Mas eles reconhecem que há muita incerteza quando se tenta predizer os efeitos causados por esta mudança. É perfeitamente possível, dizem eles, que algumas regiões esfriem temporariamente, por conta da agitação da circulação atmosférica e oceânica, mesmo que o planeta como um todo se aqueça.

Invernos rigorosos e ondas de calor – Sem dúvida, o clima do inverno que começou e terminou em 2010 foi notável. Duas das maiores nevascas na história da cidade de Nova York aconteceram no ano passado, incluindo a que tumultuou a volta para casa logo depois do Natal. As duas nevascas que caíram em Washington e nas áreas próximas com menos de uma semana em fevereiro não tiveram nenhum precedente conhecido, totalizando um metro de acúmulo de neve em alguns lugares.

Mas os invernos não são a história completa. Mesmo sem eles, 2010 teria sido um dos anos mais estranhos nos anais da climatologia, em parte graças ao fenômeno climático conhecida por El Niño, que levou calor do Oceano Pacífico para a atmosfera no início do ano passado. Mais tarde, a superfície oceânica esfriou, com o fenômeno La Niña, o que contribuiu para fortes chuvas em muitas regiões. Dados recentes mostram que 2010 foi um dos anos mais quentes desde o início das medições. Houve uma intensa onda de calor na Rússia, temperaturas máximas registradas em pelo menos 17 países, o verão mais quente na história da cidade de Nova York e enchentes devastadoras no Paquistão, China, Austrália, Estados Unidos e outros países.

“Foi um ano selvagem”, conta Christopher C. Burt, historiador climático do Weather Underground, um site na internet. Ainda assim, embora o tempo tenha se tornado instável, não está claro para muitas pessoas como o aquecimento global pode levar a invernos rigorosos. Muitos cientistas hesitam em apoiar tais afirmações, pelo menos até conseguirem um melhor entendimento do que está acontecendo no Ártico. Durante entrevistas, inúmeros cientistas recordam que na metade do fim da década de 1990, o vórtice polar parecia estar se fortalecendo, e não enfraquecendo, gerando invernos amenos no Leste dos Estados Unidos e Oeste europeu. Na época, alguns cientistas climáticos publicaram artigos atribuindo a mudança ao aquecimento global. Mas logo em seguida, a tendência desapareceu, uma experiência que fez com que muitos cientistas ficassem mais cautelosos.

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John M. Wallace, cientista atmosférico da Universidade de Washington, escreveu alguns daqueles antigos artigos. Dessa vez, disse ele, serão precisas muitas provas para convencê-lo de que uns poucos invernos rigorosos em Londres ou Washington têm alguma coisa a ver com o aquecimento global. “Logo que você publica algo e parece estar vendo alguma ligação”, disse Wallace, “a natureza dá um jeito de nos inferiorizar”.

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