Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

Devagar se vai longe — só que não

Há uma forte correlação entre ritmo de vida e saúde econômica: países ricos miram no longo prazo, perseguem metas e andam depressa

Por Marcella Centofanti e Daniel Jelin
Atualizado em 6 Maio 2016, 16h05 - Publicado em 4 abr 2015, 12h45

Existe uma forte correlação entre percepção temporal, ritmo de vida e saúde econômica. Nos países ricos, a vida tende a ser acelerada, as pessoas costumam olhar além do aqui-agora e sabem perseguir metas. Ao contrário, nos países pobres, a vida é mais arrastada, a preferência é pelo presente, e objetivos distantes são negligenciados.

Em mais de trinta anos de pesquisas, os psicólogos americanos Philip Zimbardo e John Boyd tentaram entender as diferentes atitudes das pessoas em relação ao tempo e seu profundo impacto na sociedade. Para a dupla, as pessoas podem ser classificadas em três categorias: orientadas para o passado, presente ou futuro. Diversos fatores influem nessa orientação: religião, escolaridade, cultura, estabilidade socioeconômica, geografia e até o clima.

Pessoas focadas no passado tendem a remoer memórias, boas ou más. São ligadas às tradições familiares e frequentemente se entregam a fantasias sobre um passado idealizado. Abominam mudanças – a não ser que sejam para voltar no tempo. Sociedades voltadas para o passado costumam ser marcadas por um trauma passado, o que eleva a propensão à vingança e à violência e reduz a disposição para a conciliação. Convivem com baixo desenvolvimento econômico e tendem a ter maioria muçulmana ou católica.

Já os indivíduos focados no presente têm tendência a serem impulsivos, espontâneos, amigáveis, sensuais, aventureiros e altruístas. Negativamente, são indisciplinados, impontuais, têm comportamento sexual de risco, usam mais drogas e álcool e são menos cuidadosos com a saúde. Morar próximo à linha do Equador, viver em um país de maioria católica e com política e economia instáveis são fatores que predispõem à orientação para o presente.

Por fim, pessoas focadas no futuro tendem a ser mais bem-sucedidas na escola e no trabalho, comer bem, exercitar-se e fazer check-ups médicos. Torram menos dinheiro com bobagem, fazem economias e planejam a aposentadoria. Negativamente, trabalham demais, divertem-se de menos e são pouco altruístas. Fatores que influenciam a orientação no futuro são morar em região de clima temperado, ter família e governo estáveis, ser protestante ou judeu e ter alta escolaridade.

Continua após a publicidade

Leia também:

No país das cigarras: o longo inverno

Tempo e confiança – Para além dos fatores de ordem pessoal, os pesquisadores destacam a impacto das variáveis políticas e econômicas sobre a orientação temporal. “Quanto menos as pessoas confiam nas promessas do governo, das instituições e das famílias, mais elas evitam o futuro e focam no presente, criando um mundo de sim e não, branco e preto, em vez de um mundo de contingências e probabilidades”, dizem os psicólogos no livro O Paradoxo do Tempo, lançado em 2009 no Brasil. “O desenvolvimento de uma orientação para o futuro requer estabilidade e consistência no presente, ou as pessoas não podem fazer uma estimativa razoável das consequências de suas ações.”

Assim, quando a inflação sobe, o PIB cai e o índice de desemprego aumenta, o impacto não é somente no bolso de uma pessoa, mas no seu grau de confiança em relação ao governo. O mesmo critério se aplica às instituições jurídicas e legislativas. A cada vez que um juiz aparece dirigindo o carro que ele mandou apreender de um réu ou que o nome de um deputado surge na lista de acusados de corrupção, o país como um todo anda para trás.

Continua após a publicidade

A biologia do imediatismo – Ninguém nasce orientado para o futuro. Biologicamente, o ser humano é imediatista. Os genes programam as células para dar o melhor de si no começo da vida, e empurrar com a barriga o que há de pior. Como resumiu o biólogo inglês William Hamilton, a lógica do organismo é “viver agora, pagar depois”. Os espermas e óvulos produzidos na juventude, por exemplo, são de melhor qualidade do que aqueles do meio para o fim da vida fértil.

Leia também:

Relaxar e viver o momento é impossível, afirma pesquisa

Continua após a publicidade

Estudo mapeia área do cérebro relacionada à inteligência​

Essa lógica faz sentido do ponto de vista evolutivo. Num ambiente repleto de ameaças, não há tempo a perder – por isso, nossos ancestrais caçadores-coletores viviam sob a égide do imediatismo. Com o advento da agricultura, os homens começaram a olhar mais longe e planejar: construir abrigos, confinar animais, armazenar alimentos etc. A perspectiva temporal mudou: em vez de olhar somente para o ciclo noite/dia, o homem passou a observar as fases da lua e as estações do ano. Pensar à frente foi um elemento essencial para nossos antepassados que sobreviveram aos invernos sem comida.

A capacidade de olhar para o futuro é um aprendizado para cada ser humano. Um bebê não está preocupado com a refeição de amanhã, mas com a fome que sente agora. Ele terá de aprender a controlar seus impulsos. No famoso “experimento do marshmallow”, o psicólogo Walter Mischel, da Universidade Stanford, testou a habilidade de autocontrole de crianças de quatro anos. A maioria não conseguiu controlar o desejo de gratificação imediata e comeu o doce, enquanto um terço esperou 15 minutos e foi recompensado com duas guloseimas.

Pesquisas com as mesmas crianças anos depois mostraram que aquelas que esperaram tinham mais autoconfiança e lidavam melhor com o stress e a adversidade na vida adulta. Além disso, tiraram notas mais altas no SAT, o vestibular americano, do que as que não controlaram o impulso. Elas começaram a desenvolver, desde cedo, a habilidade de olhar para o futuro.

Continua após a publicidade

Brasil em ritmo lento – Por razões culturais profundas, o Brasil está em grande parte orientado para o presente. Nos anos 1970, durante uma temporada em Niterói (RJ), a impontualidade dos brasileiros, o descompromisso e a imprecisão dos relógios desnortearam o psicólogo americano Robert Levine. “Por mais que eu tentasse desacelerar”, lembra, “acabava sempre ouvindo um ‘Calma, Bobby, calma’.” O choque cultural o levou a centrar suas pesquisas nas relações entre cultura e perspectiva temporal.

Levine viajou o mundo e comparou o ritmo de 31 países, com atenção a três variáveis: velocidade do pedestre; agilidade dos Correios; acurácia dos relógios. Ele descreveu o resultado no livro Uma Geografia do tempo: o brasileiro caminha devagar (última posição no ranking), é impreciso na contagem das horas (28º lugar) e perde tempo para comprar um selo (24º lugar). Na média geral, o país ficou em 29º lugar, entre El Salvador e Indonésia. O primeiro lugar é da Suíça.

O psicólogo retornou ao Brasil em 2013 e acredita que o país ainda demonstra uma incrível vocação para relaxar. Desta vez ele foi à Bahia. A bagagem se perdeu no caminho. Até reavê-la, foram três dias – quase o tempo de toda sua estadia. Não passou despercebido ao americano que ‘esperar’, em português, pode assumir os sentidos de espera, esperança e expectativa (‘wait’, ‘hope’ e ‘expect’).

Leia também:

​Imagens mostram o cérebro de quem perde a paciência

Acelerando – Então estamos condenados a viver no dia da marmota? Para John Boyd e Philip Zimbardo, não. “A atitude de uma pessoa em relação ao tempo é em grande parte fruto do aprendizado”, dizem. O ritmo da vida e a percepção do tempo na comunidade onde vivemos são internalizados, aceitos e disseminados por nós. Investir em educação é uma maneira de se ensinar uma criança a dar valor ao futuro.

Levine concorda. “A maneira como a pessoa enxerga o tempo reflete o modo como ela encara a vida”, diz. Não se trata de perder a espontaneidade – uma qualidade da orientação no presente – e tornar-se um maníaco por controle – um defeito que pode emergir do foco no futuro -, mas de encontrar um meio termo saudável e aprender a mudar de ritmo conforme a necessidade. Levine ressalta que algumas pessoas não separam o ritmo no trabalho dos demais momentos da vida. “Tem gente que precisa se sentir ocupada o tempo todo. No Brasil, notei que as pessoas que trabalhavam em ritmo acelerado podiam adotar um ritmo mais lento de vida ao final do expediente”, diz. “A chave é procurar um equilíbrio e tomar controle da situação, para que você não sinta que está abrindo mão de outras coisas da sua vida.”

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.