Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

Neutrino ‘mais veloz que a luz’ põe físicos em suspense

Entre a cautela e a apreensão, comunidade científica aguarda seminário nesta sexta que discutirá medições de partículas viajando a uma velocidade acima da luz. Caso sejam confirmadas, a física pode mudar para sempre

Por Jones Rossi e Marco Túlio Pires
Atualizado em 6 Maio 2016, 16h59 - Publicado em 22 set 2011, 20h53

“Se for provado que o neutrino viaja acima da velocidade da luz, os teóricos terão que quebrar a cabeça para pacificar essa observação com tudo que já construímos e verificamos estar correto.”

A revelação feita por cientistas do CERN de que flagraram partículas viajando acima da velocidade da luz – algo até agora considerado impossível – pôs a comunidade científica em suspense. Entre a cautela e o assombro, muitos físicos apostam em um possível erro do laboratório europeu. Mas, dada a respeitabilidade do centro científico que criou o acelerador de partículas LHC, todos aguardam o seminário que será realizado nesta sexta-feira para discutir as medições e, mais ainda, futuras tentativas de reproduzir o mesmo experimento. A cautela é compreensível: caso a descoberta se confirme, a física como a conhecemos poderá mudar para sempre.

Em entrevista ao site de VEJA, o físico brasileiro Ernesto Kemp disse ser bem possível que esteja errada a velocidade dos neutrinos medida no trajeto de 732 quilômetros entre o CERN, em Genebra, na Suíça, e o detector de partículas OPERA, em Gran Sasso, na Itália. Contudo, o cientista está apreensivo porque conhece o trabalho do OPERA. Kemp trabalha no laboratório ao lado: é colaborador do Large Volume Detector (LVD), um experimento que também mede neutrinos, mas vindos do espaço e não do CERN. “Conheço o trabalho dos pesquisadores do OPERA e eles não teriam publicado um dado assim se não tivessem certeza das medições que fizeram.”

Saiba mais

O que é um neutrino?

Neutrinos são partículas subatômicas (como o elétron e o próton), sem carga elétrica (como o nêutron), muito pequenas e ainda pouco conhecidas. São gerados em grandes eventos cósmicos, como a explosão de supernovas, em reações nucleares no interior do Sol e também por aceleradores de partículas. Viajam perto da velocidade da luz e conseguem atravessar a matéria praticamente sem interagir com ela. Como não possuem carga, não são afetados pela força eletromagnética. Existem três “sabores” de neutrinos: o neutrino do múon, o neutrino do tau e o do elétron.

Por que um corpo com massa não é capaz de atingir a velocidade da luz?

De acordo com as equações da Teoria da Relatividade, quanto mais um corpo se aproxima da velocidade da luz, mais energia é necessária para que ele continue ganhando velocidade. Essa energia teria que ser infinita – uma quantidade maior, por exemplo, do que a existente no universo – para que esse corpo fosse acelerado até a velocidade da luz.

Einstein errou?

Até hoje, as previsões feitas pela Teoria da Relatividade que puderam ser verificadas na prática foram todas confirmadas. Algumas proposições, como a existência de ondas gravitacionais que teriam sido emitidas durante a criação do universo, nunca foram detectadas, mas existem experimentos em desenvolvimento para tentar descobri-las.

De acordo com Kemp, apesar de o LVD não ter recebido o mesmo ajuste fino que o OPERA para analisar o feixe de neutrinos, seu experimento nunca detectou tamanha discrepância. “Pelo contrário, sempre percebemos que os neutrinos viajavam dentro da velocidade da luz, em concordância com a Teoria da Relatividade”, disse.

Incerteza – Em entrevista à revista Science, Chang Kee Jung, porta-voz de outro experimento que faz a detecção de neutrinos, chamado T2K, explica que a parte complicada neste tipo de estudo é medir com precisão o tempo entre a criação da partícula e o momento em que ela atinge o detector. A medição depende do Sistema Global de Posicionamento, ou GPS, e a margem de erro pode chegar a dezenas de nanossegundos, diz ele, e não apenas 10, como o grupo do CERN afirma ter conseguido.

Em 2007, Philippe Gouffon, professor do Departamento de Física Experimental do Instituto de Física da USP, também observou neutrinos acima da velocidade da luz em uma pesquisa feita na universidade, publicada no Physical Review D, periódico da Sociedade Americana de Física. Ele afirma, contudo, que o resultado foi descartado por estar dentro do intervalo de incerteza, comum nesse tipo de experimento. “Vamos rever nossos experimentos”, disse ao site de VEJA.

Continua após a publicidade

Erro sistemático – De acordo com Gouffon, o experimento do CERN ainda precisa ser confrontado: há uma série de erros possíveis. Assim como apontou Chang Kee Jung na Science, Gouffon também citou a possibilidade de um erro de sincronização no GPS. “E há outro problema: os próprios aparelhos de GPS são feitos baseados na Teoria da Relatividade”, diz. “É como tentar medir um erro no instrumento usando o próprio instrumento.”

Desvios metodológicos deste tipo acabam influindo em todo o experimento. É o que os cientistas chamam de “erro sistemático”, o que explicaria por que 16.000 medições feitas pelos cientistas do CERN podem estar todas erradas. De qualquer forma, adverte Gouffon, é preciso esperar pelo seminário que ocorrerá nesta sexta-feira para confirmar os resultados. “Será chocante se isso estiver correto.”

Revoluções – Kemp explica que se os resultados estiverem corretos, a revolução será profunda, mas não irá invalidar as descobertas já feitas a partir da Teoria da Relatividade, pilar da física moderna, em que Albert Einstein postulou que a velocidade da luz não depende de referencial e nada pode ultrapassá-la.

“Einstein não invalidou o mundo todo construído a partir da mecânica clássica”, disse Kemp. “Quando propôs a Teoria da Relatividade, ele estava tentando pacificar várias observações físicas que não eram compatíveis teoricamente. Agora, se for provado que o neutrino viaja acima da velocidade da luz, os teóricos terão que quebrar a cabeça para juntar essa observação a tudo que já construímos em uma teoria única.” O pesquisador lembra que tudo na ciência é feito com muita cautela e em passos de formiga. Daí a necessidade de replicar diversas vezes o experimento.

Ficção científica – Se confirmada, a descoberta pode dar margem a desdobramentos que hoje só a ficção científica pode vislumbrar. “Quando você postula a existência de partículas que são mais rápidas que a luz, elas teriam acesso a regiões do espaço-tempo antes proibitivas. Aí é domínio da especulação e ficção científica: seria possível voltar no tempo, alimentando equações da mecânica quântica com partículas mais rápidas que a luz com acesso a regiões do espaço-tempo no passado”, diz Kemp. “Uma coisa é certa: se for verdade, é uma espécie de revolução. Muita coisa terá que ser revista e tudo isso é muito empolgante.”

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.