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Descoberta de vencedores do Nobel revolucionou a medicina, mas ainda está longe dos consultórios

Segundo cientistas ouvidos pelo site da VEJA, as pesquisas realizadas por John B. Gurdon e Shinya Yamanaka abriram inúmeras portas para a compreensão de doenças e o desenvolvimento de novos tratamentos que, no entanto, ainda estão longe de fazer parte do dia a dia dos pacientes

Por Guilherme Rosa
Atualizado em 6 Maio 2016, 16h26 - Publicado em 8 out 2012, 20h01

O britânico John B. Gurdon já estava acostumado a enfrentar desconfianças em relação a sua capacidade científica quando, há 50 anos, publicou um estudo revolucionário, que desafiava o conhecimento estabelecido em relação ao funcionamento celular. Na época, os maiores pesquisadores da área defendiam que, assim que as células do embrião começavam a se diferenciar, seu conteúdo genético ficava irreversivelmente alterado. No entanto, Gurdon provou o contrário. Em um experimento com sapos, ele transplantou o núcleo de uma célula do intestino – e o DNA dentro dela – para um óvulo do animal. O óvulo se desenvolveu de modo normal, mostrando que o DNA do intestino ainda continha as informações necessárias para produzir todos os outros tipos de célula do corpo. Como era de se esperar, a ideia não foi bem aceita pelos outros cientistas, que demoraram cerca de uma década para aceitar o resultado da pesquisa.

Perfil

O britânico John B. Gurdon, que venceu o Nobel de Medicina ao lado do japonês Shinya Yamanaka ()

Sir John Gurdon

Nascido em 1933 em Dippenhall, na Grã-Bretanha, completou seu doutorado na Universidade de Oxford em 1960, e o pós doutorado no Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech). Atualmente é professor emérito de Biologia do Desenvolvimento no Departamento de Zoologia da Universidade de Cambridge. Também dirige, na mesma universidade, um instituto que leva o seu nome, voltado para a pesquisa sobre câncer e biologia do desenvolvimento.

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Shinya Yamanaka ()

Shinya Yamanaka

Nasceu em Osaka, Japão, em 1962. Antes de se dedicar à pesquisa básica, se formou em medicina em 1987, e chegou a ser cirurgião ortopédico. Em 1993 se tornou PhD pela Universidade de Osaka. Trabalhou no Instituto Gladstone, em São Francisco, nos Estados Unidos, que realiza pesquisas sobre doenças cardiovasculares, virais e neurológicas. Atualmente é professor na Universidade de Kyoto.

No mesmo ano em que a pesquisa foi publicada, Shinya Yamanaka nasceu no Japão. Mais de 40 anos depois, em 2006, ele levou aos limites a teoria de Gurdon. Em uma pesquisa com ratos, reprogramou células maduras para se transformarem diretamente em células-tronco. Com isso, mudou o conhecimento que temos sobre o corpo humano, criou novas possibilidades de tratamento para inúmeras doenças e deu um passo fundamental para as pesquisas da medicina que são realizadas hoje em dia.

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Nesta segunda-feira, Yamanaka e Gurdon receberam o Prêmio Nobel de Medicina por conta dessas pesquisas. “O prêmio do Yamanaka era previsível, pelas inúmeras consequências de seus estudos. Já o prêmio de Gurdon reconhece um trabalho revolucionário, que estava anos-luz à frente dos pesquisadores de sua época”, diz Antonio Carlos Campos de Carvalho, diretor da Rede Nacional de Terapia Celular e professor do Instituto de Biociências da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Segundo cientistas entrevistados pelo site de VEJA, o prêmio reconheceu um ciclo de 40 anos de pesquisas, que transformou o que sabemos sobre as estruturas mais básicas de nosso corpo – as células e o DNA – e ainda deve trazer consequências importantes para a saúde humana. Entre outros cientistas cotados para receber o prêmio estavam James Till, que descobriu as células-tronco em 1963 e James Thomson, que criou as primeiras células-tronco humanas a partir de embriões, em 1998.

Caixa-preta – “Achei muito boa a solução encontrada pelos organizadores do Nobel. A pesquisa de Gurdon mostrou que havia alguma coisa no óvulo que reprogramava o núcleo de uma célula adulta. O que Yamanaka fez, 40 anos depois, foi descobrir o conteúdo dessa caixa preta. Ele definiu quatro genes capazes de fazer isso, em um método simples, que podia ser repetido em centenas de laboratórios ao redor do mundo”, disse Lygia da Veiga Pereira, chefe do Laboratório Nacional de Células-Tronco Embrionárias da Universidade de São Paulo.

Antes da pesquisa de Yamanaka, o único modo de se produzir células-tronco pluripotentes era a partir dos embriões. Com a descoberta dos quatro fatores, o cientista criou as células tronco pluripotentes induzidas (iPSCs, na sigla em inglês) , que podiam ser produzidas a partir de qualquer tecido do corpo. “Ele abriu portas incríveis na medicina. No ano seguinte, já estava demonstrado que o método era possível em humanos. Hoje, já há pesquisadores tentando fazer o mesmo com apenas dois genes”, diz Antonio Carlos Campos de Carvalho.

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Saiba mais

CÉLULAS-TRONCO

Também chamadas de células-mãe, as células-tronco podem se transformar em qualquer um dos tipos de células do corpo humano e dar origens a outros tecidos, como ossos, nervos, músculos e sangue. Dada essa versatilidade, elas vêm sendo testadas na regeneração de tecidos e órgãos de pessoas doentes.

CÉLULA-TRONCO EMBRIONÁRIA

Formada no blastocisto, aglomerado de células que forma o feto. Por ter o ‘objetivo’ de ajudar na criação e desenvolvimento de um novo organismo, pode se diferenciar em praticamente todos os tecidos do corpo

CÉLULA-TRONCO PLURIPOTENTE INDUZIDA (iPSC)

Célula adulta especializada que foi reprogramada geneticamente para o estágio de célula-tronco embrionária. Pode se transformar em qualquer tecido do corpo. Elas são obtidas por meio da reprogramação genética de células adultas. Uma célula somática (não envolvida diretamente na reprodução), como a da pele, pode “voltar” a um estágio similar ao de célula-tronco embrionária pela adição de alguns genes.

Terapia celular – O desdobramento da pesquisa que mais chama atenção é a terapia celular: usar uma célula-tronco saudável para substituir outra célula danificada. “Imagine a possibilidade de, após um infarto, retirar uma célula da pele, reprogramá-la, transformá-la em músculo cardíaco e transplantá-la de volta – tudo isso sem risco de rejeição pelo paciente”, diz Lygia da Veiga, que, no entanto, acredita que ainda existem muitos obstáculos para esse tipo de tratamento.

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As células-tronco embrionárias se mostraram mais seguras para esse tipo de tratamento e, ainda assim, as pesquisas com elas estão apenas começando. A menor segurança das iPSCs acontece porque a reprogramação da célula é induzida por mutações no DNA, que podem causar problemas futuros, como o desenvolvimento de um câncer. Também ainda não se sabe se as células-tronco podem guardar algum tipo de “memória” sobre sua identidade anterior. Por isso, ainda é muito cedo pensar em seu uso na terapia celular. No entanto, seu uso em pesquisas médicas está revolucionando o entendimento de diversas doenças.

Em construção – A possibilidade de se produzir qualquer tipo de tecido a partir do DNA presente em todas as células do corpo possibilitou o surgimento de uma nova gama de estudos que não poderiam ser realizados de outro modo. Os pesquisadores hoje podem obter e analisar células de seus pacientes, o que antes eram impossíveis. Eles, por exemplo, são capazes de induzir a transformação de células da pele em neurônios, e estudar os mecanismos por trás doenças neurológicas como o Alzheimer e a esquizofrenia. Antes, só podiam retirar os neurônios dos cérebros de mortos, o que diminuía muito as possibilidades de estudo. Outro exemplo é a transformação das células-tronco em células cardíacas, para estudar problemas do coração.

A pesquisa realizada por Karina Griesi Oliveira, geneticista do Instituto de Biociências da USP, é um exemplo de atividade impossível de ser realizada sem as descobertas dos ganhadores do Nobel. Ela estuda os neurônios de crianças portadoras de autismo em busca das razões da doença. “As famílias nos enviam os dentes de leite dessas crianças. Em nosso laboratório, nós retiramos as células da polpa do dente e, usando os quatro fatores descobertos por Yamanaka, produzimos as iPSCs e os neurônios”, afirma a pesquisadora.

Outro uso disseminado da iPSCs é no teste de novos medicamentos. Se antes eles tinham de ser feitos em modelos animais, hoje alguns deles podem ser testados em células humanas, criadas em laboratório.

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Se as descobertas que renderam o Nobel a Gurdon e Yamanaka ainda não atingiram as ruas, já mudaram as rotinas dos laboratórios e centros de pesquisa. “O prêmio reconhece uma pesquisa que ainda não mudou diretamente a vida do público, mas mudou a forma de fazer ciência. Ela ainda não levou à descoberta de nenhuma cura, mas desenvolveu uma nova área da medicina”, afirma Lygia da Veiga. Agora, é questão de tempo para que comece a salvar vidas. Tomara que não demore mais 40 anos.

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