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Chegamos à sexta extinção?

Nos próximos anos, 41% dos anfíbios, 26% dos mamíferos e 13% dos pássaros do planeta podem sumir do planeta. Cientistas explicam como atingimos esse cenário crítico e como o homem é o único ser capaz de salvar a natureza

Por Rita Loiola Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 9 Maio 2016, 14h46 - Publicado em 20 dez 2014, 09h24

Angalifu, um rinoceronte branco do norte, tinha 44 anos quando morreu, no último fim de semana, no zoológico de San Diego, nos Estados Unidos. Agora, só restam outros cinco de sua espécie no mundo. O drama do animal, ameaçado de extinção por causa da caça que busca seus chifres valiosos e das guerras na África, que dizimaram seu habitat, é compartilhado por pelo menos outras 4 529 espécies próximas de desaparecerem da superfície da Terra, de acordo com a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN). No Brasil, são 1 173, segundo o último estudo do Ministério do Meio Ambiente, divulgado na quarta-feira. No total, de acordo com uma ampla análise publicada pela revista Nature este mês, 41% dos anfíbios, 26% dos mamíferos e 13% dos pássaros do planeta podem sumir nos próximos anos. Desde 1500, 765 espécies foram dissipadas do globo.

Extinção é um processo natural da Terra. Em nossa história, enfrentamos cinco: a última foi a que acabou com os dinossauros, há 65 milhões de anos. De todas as espécies que já povoaram a superfícies, 90% foram extintas. A biologia não é uma ciência exata, mas sua regra é que todas as espécies conhecidas irão, um dia, desaparecer. No planeta, o tempo de duração de uma espécie varia de acordo com suas características, mas segue uma média de 1 a 2 milhões de anos. No entanto, nos dois últimos séculos, a taxa de extinção considerada natural aumentou por volta de 100 vezes. E a previsão, para o futuro, é que seja multiplicada por dez.

“Desde que o homem moderno surgiu, as taxas de extinção aumentaram exponencialmente. Os registros fósseis mostram que, antes de nós, elas eram muito menores e podemos traçar com exatidão quando foram os picos de extinção e como algumas espécies desapareceram, com suas causas e consequências”, explica o português Henrique Miguel Pereira, professor do Centro Alemão de Pesquisa Integrativa da Biodiversidade, em Leipzig, e uma das autoridades mundiais em biodiversidade. “A grande questão que nos assombra é que esse desequilíbrio pode levar a graves consequências para nós. Pode estar por trás de grandes epidemias. Mas não estamos falando de extinções relâmpago, ou seja, podemos agir para mudar essa história.”

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Biodiversidade desconhecida – A análise da Nature, que reuniu os últimos dados da lista de espécies ameaçadas da IUCN aos mais recentes estudos sobre extinção, menciona os grandes buracos no conhecimento da biodiversidade como uma das maiores dificuldades para a proteção das espécies. O relatório da IUCN avaliou 76 000 espécies, apenas 4% das mais de 1,7 milhões de espécies descritas até hoje. De acordo com as estimativas, entretanto, pode haver entre 2 milhões e 11 milhões de animais povoando o globo.

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“É um trabalho imenso conhecer todas as espécies que habitam a Terra e não estamos nem perto de saber tudo o que precisamos. Isso significa que, provavelmente, há muito mais espécies em risco do que imaginamos. Não protegemos algumas delas porque sequer sabemos que estão ameaçadas”, diz o biólogo Anthony Barnosky, professor da Universidade da Califórnia em Berkeley, nos Estados Unidos.

Mesmo se descobríssemos todas as espécies que faltam, as porcentagens de animais em perigo seriam as mesmas. Os pesquisadores já incluem as estimativas de animais que possivelmente seriam descobertos nos cálculos.

“Perder animais significa ter um mundo mais pobre em todos os sentidos. Se, por exemplo, os corais forem extintos, o que está se desenhando como um cenário provável nas próximas décadas, 25% da vida oceânica desapareceria, destruindo pelo menos 10% dos pesqueiros de todo o mundo. Bilhões de dólares seriam perdidos e muitas pessoas morreriam de fome por causa da falta de peixes. Se as plantas não forem polinizadas, perdemos descobertas farmacêuticas e promessas de cura de doenças. Além disso, emocionalmente falando, sofreríamos com a falta de elefantes, tigres ou passarinhos”, diz Barnosky.

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Taxa de extinção – A maneira encontrada pelos cientistas para estudar a extinção das espécies é estabelecer uma taxa anual de desaparecimento dos animais. Estudando os fósseis de diferentes períodos históricos, os pesquisadores estabeleceram uma média de 1 espécie extinta a cada 1 milhão. Ou seja, antes do aparecimento do homem na Terra, essa era a velocidade com que se dissipavam. Evidências recentes, entretanto, mostram que esse número pode estar superestimado. Uma pesquisa feita pela Universidade Duke, nos Estados Unidos, e publicada este ano no periódico Conservation Biology, revisou os dados de extinção nos fósseis e descobriu que a taxa correta pode ser de 0,1 ao ano.

Os mesmos cálculos, feitos para a taxa de extinção atual, mostram que a dinâmica é quase 100 vezes maior, se o primeiro número for considerado, ou espantosas 1 000 vezes. “Sabemos que muitas espécies são ameaçadas de extinção antes mesmo de serem descobertas. O desaparecimento é o cenário mais dramático, mas, antes que isso aconteça, a população diminui drasticamente em um processo chamado defaunação, que pode acabar com a espécie. Esse rápido declínio, que afeta todo o ambiente, passou a ser notado pelos pesquisadores há pouco tempo”, explica o biólogo Mauro Galetti, da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

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Animais carismáticos – Em julho, a revista Science publicou uma edição especial repleta de estudos sobre o fenômeno. De acordo com as pesquisas, a maior parte da população de invertebrados, como abelhas ou borboletas, sofreu um declínio de 45% desde os anos 1970. No mesmo período, os vertebrados tiveram uma queda populacional de 30%. No total, 322 espécies desapareceram nos últimos 500 anos.

Um dos obstáculos apontados pelos cientistas para a conservação da fauna está o apelo de animais carismáticos, como pandas ou tartarugas, que podem encobrir a necessidade de preservar espécies nem tão simpáticas, como besouros, pererecas e pulgas d’água. O engajamento em causas ecológicas não é apenas guiado pela razão, mas pela emoção também. Por isso, pessoas usam camisetas em defesa da onça-pintada, do urso polar e da ararinha-azul, jamais da lacraia, do caramujo de água doce e do pepino-do-mar, igualmente ameaçados.

“As relações ambientais são muito complexas e várias espécies desconhecidas do grande público oferecem para nós benefícios que nem imaginamos que sejam essenciais. O decréscimo da população de abelhas é uma catástrofe para a polinização e a diminuição dos anfíbios revela um imenso problema. Sapos e rãs consomem grande quantidade de invertebrados, como os insetos que transmitem doenças letais ao homem”, diz Galetti, que também é autor de um dos estudos sobre defaunação publicados no especial da Science. “Esses bichos prestam serviços ecológicos mesmo sendo desconhecidos do grande público. Protegê-los significa cuidar de espécies que são fundamentais para a humanidade.”

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As soluções – O motor por trás dos números elevados é, principalmente, a perda de habitat das espécies, com a conversão de florestas para a agricultura. Algumas espécies ainda sofrem com a caça e a pesca predatória e muitas são destruídas pela fauna invasora. Descobertas as causas, cientistas e pesquisadores têm se empenhado para combatê-las. Unidades de conservação ao redor do mundo têm mostrado que é possível reverter o declínio de populações e a extinção de animais em ambientes degradados.

“Temos visto taxa de sucesso crescentes em todas as tentativas de restabelecer populações de espécies ameaçadas. A reintrodução de espécies em perigo em seu habitat melhora o poder de recuperação do ambiente, que se torna uma proteção para outras espécies”, explica o biólogo Philip Seddon, professor da Universidade de Otago, na Nova Zelândia.

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Saber como funciona a biodiversidade e os processos de extinção dá ao homem a capacidade para revertê-los. Além da ação direta em projetos de preservação, a tecnologia tem sido usada pelos cientistas para salvar a natureza. Técnicas de irrigação econômicas e métodos orgânicos para o combate de pragas vegetais pretendem tornar a agricultura mais eficiente. Enquanto isso, modelos que possibilitem a compreensão e previsão de interações ambientais buscam oferecer conhecimento que impeça a destruição ambiental antes que ela aconteça. O primeiro desses sistemas, um programa de computador desenvolvido por uma equipe internacional de pesquisadores, chamado Modelo Geral de Ecossistema (GEM, na sigla em inglês), levou três anos para ficar pronto e foi descrito este ano em um artigo do periódico Plos One.

“A ideia é sintetizar um século de conhecimento em ecologia e produzir um sistema que funcione como os modelos climáticos. No entanto, ainda estamos pelo menos 50 anos atrás dos pesquisadores do clima”, explica o biólogo Derek Tittensor, do Centro de Monitoramento e Conservação das Nações Unidas em Cambridge, na Grã-Bretanha (Unep-WCMC, na sigla em inglês) e um dos envolvidos no projeto.

“É uma ferramenta a mais para a compreensão das relações entre os ecossistemas e para a previsão do impacto humano sobre eles. No futuro, ferramentas assim poderão apoiar os governos, indicando as consequências potenciais de suas decisões para o ambiente – e para a sociedade como um todo”, diz Tittensor. “Tudo que impacta a natureza chega até nós e sabemos que, quanto melhor ela funcionar, mais é capaz de se restaurar e mais recursos podem gerar para a vida.”

Com o auxílio desses métodos e com a gestão de recursos naturais mais sustentável, os cientistas acreditam que a sexta extinção pode ser adiada. “Extinção é uma situação cataclísmica, como as ondas gigantescas que varreram os dinossauros do planeta. Podemos perder até 10% da biodiversidade, o que seria uma tragédia, mas temos todos os recursos para evitar isso. As taxas de extinção reais devem ficar em torno de 0,1% ao ano, o que nos dá bastante tempo para tornar a economia mais eficiente até lá e evitar a catástrofe”, diz Henrique Miguel Pereira, professor do Centro Alemão de Pesquisa Integrativa da Biodiversidade, em Leipzig.

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