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“Bebês já fazem escolhas morais”, diz psicólogo

Para o canadense Paul Bloom, temos um senso moral inato, moldado pela evolução para nossa sobrevivência. Nesta entrevista, o professor de ciências cognitivas da Universidade Yale, nos Estados Unidos, conta como seus experimentos com bebês de até um ano revelam aspectos de uma ética universal e mostram que, desde que nascemos, sabemos diferenciar o bem e o mal

Por Rita Loiola Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 9 Maio 2016, 14h46 - Publicado em 31 ago 2014, 11h58

O canadense Paul Bloom reuniu em seu último livro dois temas com apelo popular: bebês e moralidade. Referência mundial em estudos sobre desenvolvimento cognitivo, seu propósito é mostrar, em O que nos faz bons ou maus (Editora Best Seller, 304 páginas), que parte de nosso senso moral é inato. Seus experimentos com bebês, feitos no Centro de Cognição Infantil de Yale em conjunto com sua colega e mulher, Karen Wynn, dão pistas de como a moralidade seria mais uma característica moldada pela evolução para nossa sobrevivência e indicam quais aspectos do nosso sistema ético seriam universais e biológicos.

Professor da Universidade Yale desde 1999, Bloom gosta de temas pop – seus últimos livros discutem porque gostamos de obras de arte (How Pleasure Works, de 2010, sem edição em português) e como as crianças são capazes de ler emoções (Descartes’ baby: How the Science of child development explains what makes us human, de 2004, sem edição em português). Dessa vez, o autor aprofundou suas pesquisas com a infância para abordar as origens da moralidade. De Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, onde esteve para a sétima edição do ciclo de conferências Fronteiras do Pensamento, Bloom conversou com o site de VEJA e, em um bate-papo com contornos filosóficos, explicou por que está tão confiante de que sabemos diferenciar o bem do mal desde que nascemos.

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Sua pesquisa é sobre a natureza humana. Como experimentos com bebês, seres humanos que ainda não são plenamente desenvolvidos, a revelariam? Quero saber o que há de natural em nosso sentimento de certo e errado, ou seja, o que não muda com a cultura. Eu poderia ver o que há de comum em diferentes sociedades ou analisar o que dividimos com outras espécies. No entanto, acredito que a melhor forma de descobrir o que todos os homens compartilham é estudar bebês e crianças. Se eu encontrar algo em uma pessoa tão jovem – estudamos crianças de três meses até um ano – é um bom sinal de que isso seja parte de nossa moralidade universal. Estudar bebês e, depois, adultos nos dá uma boa ideia de quais aspectos de nossa moral são universais e biológicos e quais são culturais.

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Quais são as escolhas morais dos bebês? Eles são capazes de distinguir ações gentis e cruéis, sofrem com a dor dos que os cercam e têm vontade de acabar com esse sofrimento, e possuem um senso primitivo de igualdade e justiça, querendo que as boas ações sejam recompensadas e as más punidas. Um de nossos experimentos, com bebês entre seis e dez meses, mostrava um show de fantoches em que uma bola tentava subir uma ladeira e era auxiliada por um boneco ‘bom’, ou empurrada para baixo por um boneco ‘mau’. Eles preferiam, invariavelmente, a personagem ‘boazinha’. Isso sugere que eles contam com uma apreciação geral do comportamento bom e mau.

Como, mesmo sem falar ou se mover com independência, bebês são capazes de demonstrar seu senso de justiça? Em outro experimento, com bebês de cinco e oito meses, mostrávamos um fantoche ‘bom’ e outro ‘mau’ no centro de duas situações: em uma delas, o fantoche ‘bom’ jogava uma bola para um boneco que devolvia a bola para ele, sendo bonzinho e, em seguida, para um segundo, que saía correndo com a bola, sendo malvado. Em seguida, o fantoche ‘mau’ também lançava a bola para os dois bonecos, que agiam da mesma maneira. Queríamos ver como elas se comportavam em relação ao boneco ‘mau’ �- se preferiam quem lhe fez bem ou quem lhe fez mal. Os bebês de cinco meses preferiam se aproximar dos fantoches que foram simpáticos com o cara ‘malvado’. Os bebês de oito meses, contudo, preferiam o fantoche que castigou o ‘malvado’. Isso mostra que, em algum momento depois dos cinco meses, os bebês começam a apoiar os responsáveis pelas punições – desde que elas sejam justas.

Esses elementos morais, que parecem inatos, não poderiam ser aprendidos pelos bebês? Vivenciamos experiências antes e logo após nascer. E pode ser que algumas delas sejam necessárias para que a moral se desenvolva, como uma parte do corpo que só cresce com os nutrientes certos. Os bebês certamente têm alguma experiência do mundo e de sua cultura, mas eles não falam, leem ou estão expostos a ensinamentos religiosos. Além disso, mesmo com essa vivência, os testes que fizemos não envolvem situações familiares. Por isso, estou confiante de que alguém com três ou nove meses expressa algo não aprendido pela linguagem.

Se a moral é inata, então ela é um mecanismo de adaptação para nossa sobrevivência? A moralidade inata é muito limitada. Por meio da razão, também uma característica moldada pelas forças evolutivas, vamos ampliá-la e desenvolvê-la na idade adulta. Bebês, por exemplo, não têm nenhuma afeição natural por estranhos, mas, quando adultos, reconhecem que, mesmo que alguém viva em outro país, fale outra língua ou seja de outra família, têm direitos iguais. Isso não é óbvio para um bebê.

Um de seus argumentos é que a moralidade é composta de duas faces: emoções e princípios. Como isso funciona? Os princípios apontam caminhos, enquanto as emoções nos movem. O psicopata é alguém que não dispõe desses sentimentos e, por isso, é tão difícil para ele agir de acordo com princípios morais. Racionalmente, ele reconhece o certo e o errado, mas não sente nenhuma das emoções correspondentes e por isso age na contramão do que os princípios pregam.

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A razão tem um papel na moralidade? Sem dúvida. Embora atualmente qualquer um concorde que a escravidão é errada, durante a maior parte da nossa história, ela foi vista como algo moralmente defensável. O que aconteceu para mudar nossa visão? A resposta é clara: muitas pessoas argumentaram que isso era injusto, refletimos sobre o assunto e concordamos. A moral é resultado da racionalidade. Acreditar que ela é calcada apenas em instintos é como acreditar que a Terra é quadrada. Nos dilemas morais, fica evidente o emaranhado: há emoção, mas também um quebra-cabeça de argumentos que precisamos resolver.

O bebê tem uma relação fundamental com uma pessoa, a mãe. Isso influi na nossa formação moral? Sem dúvida. Nosso sistema moral é calibrado pelas pessoas mais próximas a nós. Há regras que dificilmente são quebradas, como o incesto. Além disso, nos importamos mais com nosso grupo. Acreditamos que devemos obrigações e favores a nossa família e amigos – há uma ética específica para os que estão ligados a nós, que não funciona para desconhecidos.

Alguns filósofos argumentam que deveríamos tratar os estranhos da mesma maneira que aqueles que amamos. Esse é um dos princípios fundamentais das religiões cristãs. A religião tem algum papel na origem da moralidade? Muitas pessoas acreditam que é preciso ser religioso para ser bom. Não há evidências científicas para isso. Os ateus podem ser exemplos de bondade e, normalmente, a religião motiva as pessoas a fazer coisas terríveis – exemplos assim não faltam em nossa história. Mas a religião também pode fornecer grandes ensinamentos morais, construir comunidades beneficentes e ser uma força importante na direção do bem. Ela é apenas um fator a mais, como as experiências ou leituras de nossa vida, que podem levar para o bem ou para o mal.

Outro elemento citado em seus estudos como importante para a origem da moralidade é a aversão. Como ela moldaria nossas escolhas? É muito interessante descobrir de onde vêm a aversão ou repugnância a algumas coisas. Temos nojo, por exemplo, de fluidos corporais e alguns psicólogos argumentam que isso é devido à lembrança de nosso lado animal. Porém, não nascemos com essa náusea. Um experimento da década de 1980 ofereceu a crianças com menos de dois anos algo que foi descrito como fezes de cachorro – feitas com manteiga de amendoim e queijo – e a maioria delas comeu a preparação. Ela pode ser desenvolvida, ao longo do tempo, como um propósito adaptativo: para evitar a ingestão de alimentos estragados, parasitas ou doenças.

O senhor relaciona a repugnância à moral sexual. De que forma essa sensação pautaria nossas opções ou avaliações morais sobre o sexo? Minha teoria é que, por termos aversão a algumas coisas que poderiam nos fazer mal, consideramos que elas sejam erradas. Assim, se eu sou um heterossexual, penso em dois homens fazendo sexo e sinto nojo disso, acredito que o que eles fazem é errado. Mas isso é um equívoco. Fazemos centenas de coisas desagradáveis que são corretas – trocar as fraldas de nossos filhos é desagradável, mas não é errado e nem os amamos menos por causa disso. Reconhecer que nem tudo que nos causa náusea é ruim é um passo moral que ainda precisamos tomar.

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Seus estudos mostraram que bebês exibem preferências pelos iguais. Essa seria uma das razões para a existência de preconceitos? Isso tem a ver com nossa predisposição natural ao estabelecimento de coalizões. Favorecemos nossos próprios grupos – o que tem lados positivos, como a valorização de línguas e culturas ou o sentimento de pertencimento e orgulho. Podemos usar nossa inteligência para dominar nossa tendência à coalizão quando sentimos que ela começa a sair do controle. Criamos tratados e organizações internacionais voltados à proteção dos direitos humanos universais. É assim que o progresso moral acontece: por meio da razão permitimos que o que há de melhor em nós suplante instintos e desejos negativos.

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