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Comédias são a força que impulsiona o cinema nacional

Gênero passou por transformação profunda e consagra nova elite do humor

Por Bruno Meier e Marcelo Marthe
25 jan 2014, 05h00

Ter ou não ter Jerry Lewis na sequência da comédia Até que a Sorte Nos Separe – o filme nacional mais visto em 2012, com 3,5 milhões de espectadores – foi motivo de longas discussões entre os produtores. Mesmo com um orçamento de 6 milhões de reais, o cachê do astro veterano era considerado alto demais para uma simples ponta. Márcio Fraccaroli, presidente da Paris Filmes, coprodutora e distribuidora do longa nas salas de exibição, resolveu a questão com uma ligação para o protagonista Leandro Hassum: “Você realmente acha importante tê-lo no elenco?”. Hassum confirmou sem pestanejar: “Mais do que um ídolo, Jerry servirá como chancela da força de uma comédia brasileira”. O público, porém, dispensou a chancela do lendário comediante americano. Uma pesquisa qualitativa para avaliar a aceitação de Até que a Sorte Nos Separe 2, realizada pouco antes de sua estreia, na virada do ano, revelou que aquilo que era motivo de orgulho para a equipe passava batido aos olhos dos espectadores. “A maior parte do nosso público, que está na faixa dos 15 aos 25 anos, não reconheceu Jerry Lewis. Ou nem sequer tinha ouvido falar dele”, diz o produtor Fabiano Gullane. Participantes da pesquisa confundiram Lewis com Mel Brooks, David Letterman – ou até com Charles Chaplin, morto em 1977. Mas esse detalhe não afetou em nada o desempenho do filme. Até que a Sorte Nos Separe 2 foi lançado em 763 salas, recorde absoluto no cinema nacional desde a chamada retomada, em 1995. Há duas semanas, durante entrevista a VEJA, Hassum soube por meio de um assessor que naquela tarde sua fita havia batido a marca de 3 milhões de espectadores em três semanas. Moral da história: ninguém precisa da forcinha de um astro americano se tem à mão um nome de peso como Leandro Hassum. E que peso pesado: aos 40 anos, o humorista ostenta seus 135 quilos com o orgulho dos vencedores.

Gráfico cinema nacional

O sucesso de Até que a Sorte Nos Separe 2 – adaptação livre do best-seller da autoajuda financeira Casais Inteligentes Enriquecem Juntos, de Gustavo Cerbasi – não é um caso isolado. Em 2013, as comédias produzidas aqui foram responsáveis por levar 22 milhões de brasileiros aos cinemas (veja ao lado). À frente delas, além de Hassum, estão outros três protagonistas de arrasa-quarteirões dos últimos quatro anos que se desdobraram (ou deverão se desdobrar) em franquias. No papel de uma abilolada dona de sex shops, Ingrid Guimarães fez dos dois filmes da série De Pernas pro Ar o fenômeno mais impressionante dessa leva, somando quase 8,5 milhões de espectadores. Também engrossam o filão os humoristas Fábio Porchat, da comédia de desencontros amorosos Meu Passado Me Condena, e Paulo Gustavo, de Minha Mãe É uma Peça. Ambos com sequências planejadas. Não se engane, leitor: o riso virou negócio seriíssimo.

O público que consome as atuais comédias é variado tanto na idade quanto na condição social. De Pernas pro Ar atrai desde crianças até senhoras de 70 anos. A alavanca para atingir tamanha audiência, porém, se dá pelos cinemas de periferia. Desde 2009, multiplicaram-se as salas de exibição em shopping centers fora das áreas centrais das cidades – seguindo a expansão dos próprios shoppings no Brasil (em 2000, eram 280; atualmente, são 495). Em um levantamento recente feito pela distribuidora Paris Filmes, das vinte salas com maior público de Até que a Sorte Nos Separe 2, treze estão longe dos bairros abastados. A adesão das classes C e D faz com que os roteiristas e produtores desenvolvam filmes mais populares e de fácil acesso. “Não fazemos comédia para alemães ou suíços. Se tiver muita sutileza ou uma tirada sobre Nietzsche, o público não vai entender”, diz Caio Gullane, também produtor de Até que a Sorte Nos Separe 2.

O cinema nacional levou quase duas décadas para promover a reinvenção de um gênero que tempos atrás atestou sua força nas chanchadas, nos sucessos de Mazzaropi, Oscarito e Grande Otelo – até degringolar na pornochanchada dos anos 1970. A comparação com a velha chanchada ou sua variante erótica, aliás, causa irritação nos criadores das comédias atuais. “A preocupação com a história era zero nesses filmes. Tudo era pretexto para exibir vedetes de maiô ou cenas de sexo”, diz Paulo Cursino, roteirista de Até que a Sorte Nos Separe e De Pernas pro Ar. A pornochanchada, em especial, afastou a classe média das comédias: nascia ali a noção de que filme nacional era sempre uma porcaria disfarçada com o desfile de mulheres peladas. Má fama em grande parte merecida, por sinal.

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Só em 2006, com o surgimento do sucesso Se Eu Fosse Você, de Daniel Filho, a comédia começou a reconquistar seu lugar. O filme em que Glória Pires e Tony Ramos são um casal que troca de corpo estabeleceu os pilares da nova comédia. As produções atuais não têm medo de abraçar os valores e anseios da classe média. “É um cinema que tem a cara da Barra da Tijuca, não da Zona Sul do Rio”, diz Cursino. Isso inclui não apenas a ambientação e a realidade social dos personagens, mas o apuro técnico: busca-se um padrão de fotografia, edição e trilha sonora de filme comercial americano. “É coisa de profissionais. Ninguém ali está brincando”, analisa Paulo Sérgio Almeida, da consultoria Filme B. Há uma tentativa de espelhar até mesmo os roteiros turísticos que inebriam a classe média: boa parte da sequência de De Pernas pro Ar se passa em Nova York; a de Até que a Sorte Nos Separe foi filmada em Las Vegas. “Enquanto a maioria dos filmes nacionais insiste em chamar os cidadãos de classe média de babacas, nós os tratamos com carinho”, diz Cursino.

O que diferencia de forma cabal essas comédias das congêneres de antigamente é a existência de alguma sustância no roteiro. É evidente que há concessões (muitas) ao humor de um programa como o Zorra Total – leia­­-se pastelão tosco e tiradas infames. Mas tão importante quanto as piadas é a historinha bem amarrada, ainda que simples, capaz de encerrar uma lição moral (veja lista abaixo). Por meio disso, reforça-se o valor de instituições como a família e o casamento. Trata-se daquilo que os americanos classificam de feel good movie: um filme feito para fazer o espectador sentir-se leve. “As pessoas não querem sair do cinema pensando”, analisa Fraccaroli, da Paris Filmes.

Há certa ciência em produzir comédias assim. “São filmes-delivery: amem ou odeiem, mas eles entregam o que prometem”, diz Mariza Leão, produtora de De Pernas pro Ar e Meu Passado Me Condena. Tanto que as pesquisas qualitativas, nos moldes das usadas pela Globo para avaliar novelas, são uma arma obrigatória. “Um título ou trailer fora do lugar pode comprometer o desempenho nas bilheterias”, diz o francês Eric Belhassen, que conduz boa parte dessas enquetes. De Pernas pro Ar se chamaria originalmente “Sex Delícia”. Detec­tou-se, porém, que o nome causava rejeição entre as mulheres, por parecer filme de apelo sexual para marmanjos.

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Mas o item fundamental é mesmo a presença de um humorista carismático. “Vivemos a era dos protagonistas de comédia”, diz Fraccaroli. Os quatro campeões do gênero, do roliço Hassum ao estridente Paulo Gustavo, tiveram seu cacife testado em peças teatrais antes de estrelar filmes (no caso de Porchat, houve ainda a exposição na internet com a trupe Porta dos Fundos). Curiosamente, apesar de Ingrid e Hassum terem protagonizado atrações na Globo, eles alcançaram um status maior no cinema do que na televisão. Ingrid passou uma década fazendo participações em programas de Chico Anysio e papéis no extinto Você Decide ou de empregada em novela até explodir no teatro. “Meu humor é de identificação. As mulheres me param para desabafar sobre seus problemas”, diz ela.

O trunfo de Hassum é seu físico. A galera vai ao delírio quando ele expõe sua pança pantagruélica. Hassum demorou dez anos fazendo bicos como professor de inglês e teatro até conseguir um quadro fixo no Zorra Total (no mesmo período em que Porchat era roteirista do programa) – e se juntar ao colega Marcius Melhem na bem-sucedida peça Nós na Fita. “Eu achava que minha carreira nunca ia acontecer”, diz. Alçados ao posto de novos palhaços da nação, Ingrid, Hassum e Porchat agora pensam alto. Pretendem investir dinheiro do próprio bolso nos próximos filmes. Afinal, ser estrela de comédia dá dinheiro: o cachê varia de 100 000 a 200 000 reais, fora a participação de 2% a 6% na receita líquida do filme. No caso de uma estrela do porte de Hassum, chega a 10%. Ele está vivendo a fase das vacas gordas.

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