Amor, estranho amor
Em meio a atuações canhestras e reutilização de temas clássicos, novela das nove se calca numa história de amor que parece inverossímil
Outro ponto que chama a atenção é a reciclagem de temas folhetinescos, com destaque para a releitura do conto bíblico de Esaú e Jacó
Marina e Pedro se conheceram no primeiro capítulo da novela. Juntos, salvaram um avião numa sucessão de cenas que misturaram o melhor dos filmes de ação de Hollywood com o pior da teledramaturgia brasileira: ritmo ágil e fatos improváveis, como um seqüestrador que rende dois pilotos com uma faca digna de escoteiro. Voltando aos pombinhos, se apaixonaram de tal forma que, mesmo descobrindo um obstáculo entre eles – a noiva dele, Luciana, que era a melhor amiga dela -, não conseguiram evitar a atração. Ela declinou de ser madrinha do casamento, ele desistiu de se casar. A intensidade faz a paixão do principal casal de Insensato Coração parecer mais um ponto em falso na trama de Gilberto Braga e Ricardo Linhares, já marcada por recursos folhetinescos sempre duvidosos e por atuações canhestras do elenco.
Especialistas garantem que, apesar de raro, esse tipo de paixão é possível. “É incomum um casal surgir assim de maneira repentina, mas pode acontecer”, diz o professor da USP Ailton Amélio. Psicólogo especializado em amor e paixão, Amélio é autor de livros como O Mapa do Amor e Relacionamento Amoroso: Como Encontrar Sua Metade Ideal e Cuidar Dela, em que indica, baseado em números, quais os caminhos mais prováveis para a formação de um casal. Nesse levantamento, feito pela primeira vez nos Estados Unidos e repetido por alunos de Amélio no Brasil, descobriu-se que 37% dos pares são compostos por pessoas que já se conheciam antes de começar a namorar e 32% por pessoas que foram apresentadas por conhecidos. Apenas 5% se conheceram casualmente, como Marina e Pedro.
No caso deles, dois ingredientes ajudaram. Em primeiro lugar, os dois são bonitos, interpretados por Eriberto Leão (ex-namorado de Tiazinha) e Paola Oliveira (que, dizem boatos, foi responsável pelo fim de um relacionamento na vida real: o da atriz Thais Fersoza com Joaquim Lopes). Em segundo, os personagens se cruzam num clima que é capaz ao mesmo tempo de catalisar emoções – dado o risco e tensão embutidos – e de gerar admiração mútua. “Marina ajuda Pedro a salvar o avião e, com isso, se torna a parceira do herói, a quem, por seu heroísmo, ela passa a venerar eroticamente”, diz o psicoterapeuta Paulo Fueta. “É só lembrar de Batman e Robin”, brinca.
O herói Pedro, que no capítulo de abertura mostrou destreza para pousar um avião de carreira grande cheio de passageiros, não foi capaz, dias depois, de decolar um simples táxi aéreo. A queda resultou na providencial morte da personagem Luciana (Fernanda Machado), mas esse detalhe não deve diluir a admiração de Marina pelo piloto, que providencialmente escapou da morte e agora tem caminho livre para ficar com a amada. Embora no começo, chocado ao saber que a ex-noiva morreu e que ficou paraplégico, vá recuar na aproximação. A relação também deve superar a sedução de Marina por Leo (Gabriel Braga Nunes), o irmão invejoso que quer o mal de Pedro.
Pastel e pastelão – Outros pontos chamam a atenção em Insensato Coração. A reciclagem de temas folhetinescos é um deles, com destaque para a releitura do conto bíblico de Esaú e Jacó. Já reusada por ficcionistas de credos diversos, a história do Velho Testamento em que a mãe beneficia um dos filhos volta com pequenas alterações: o protegido aqui é o rebento mais velho, o vilão Leo, não o mais novo, o bonzinho Pedro. Também os irmãos Umberto (José Wilker) e Raul (Antônio Fagundes), o pai de Leo e Pedro, são inimigos. Na última semana, Umberto armou uma cilada para Raul: marcou um encontro com o irmão e outro com sua mulher, Wanda (Natália do Vale). Umberto não precisou de nenhum esforço para colocar a armação em prática, de tão fácil que se revelou a cunhada. Quando o personagem de Fagundes chegou ao local, flagrou a mulher nos braços do irmão.
A cena que se seguiu é exemplo de outro ponto frágil em Insensato Coração: a má atuação de um elenco cheio de nomes consagrados. A briga que se viu entre um Antônio Fagundes que se descabelava para bater em um José Wilker sádico até o último espaço da careca era risível. Também incomoda, nesse campo, o excesso de drama na voz de Gabriel Braga Nunes, algo quase teatral. E Deborah Secco que, na pele da ex-participante de reality show Natalie, praticamente repete o que fez há seis anos em Celebridade, do mesmo autor.
Há também casos em que uma atuação não se sustenta por conta do texto. Lázaro Ramos não está mal como o conquistador André Gurgel. Mas a facilidade com que ganha as mulheres transformaria o verdadeiro Don Juan num amador. Com ingredientes como esses, Insensato Coração, que já ganhou o apelido de Insensata Aviação, pode mesmo terminar como um Insensato Pastelão.