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‘A moda nacional está em crise’, diz estilista da Maria Garcia

Grife volta à semana de moda paulistana após dois anos, graças à mudança no perfil do evento, que, segundo a estilista Keka Torello, está mais comercial na tentativa de posicionar a moda brasileira contra a dura concorrência estrangeira

Por Mariane Morisawa
31 out 2012, 10h29

“Tudo começou porque nossos concorrentes viraram os aeroportos. As pessoas hoje acham melhor comprar roupa lá fora do que aqui, por causa do preço. Elas ficam inconformadas com o valor das coisas no país” (Keka Torello, da Maria Garcia)

A Maria Garcia, grife mais jovem do grupo Huis Clos, de Clô Orozco, volta a desfilar pela São Paulo Fashion Week nesta quarta-feira depois de uma ausência de dois anos, período em que Keka Torello, 34, iniciou sua carreira como estilista da marca. O retorno se deve não apenas ao amadurecimento do trabalho de Keka, que se refere à grife como se fosse gente para dizer que ela é agora “uma mulher mais segura” e quer se mostrar ao mundo. Mas também à mudança no perfil da SPFW, que adota nesta edição um caráter menos conceitual. E portanto menos identificado com a Huis Clos, marca mais autoral de Clô Orozco, do que com a Maria Garcia — como o grupo conta com a mesma equipe trabalhando para as duas grifes, é praticamente impossível ter ambas desfilando em uma mesma semana de moda.

A linguagem mais objetiva da semana de moda, como a define Keka, não se deve por sua vez apenas a uma questão de agenda — à antecipação da edição de inverno 2013. Ela é reflexo também de uma necessidade do setor de falar diretamente ao consumidor. A moda brasileira está em crise, diz a estilista. Primeiro, porque o aumento no custo da produção nacional fez dos aeroportos, base de partida de turistas ávidos por roupas, fortes concorrentes das grifes locais. Depois, porque o desembarque por aqui de marcas estrangeiras levou muita gente a deixar de lado as nacionais. “O brasileiro valoriza o que vem de fora”, diz Keka.

Foi sobre a “segura” Maria Garcia, as expectativas para o novo calendário da moda brasileira e a crise do setor que a estilista Keka Torello falou ao site de VEJA.

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Por que a Maria Garcia decidiu voltar à SPFW? Primeiro, porque foi um convite de Paulo Borges. A gente já estava a fim de voltar, fazia três coleções que a marca não participava do evento. Aí, o Paulo chamou a gente para uma conversa e disse que, com a mudança que está acontecendo no calendário e no mercado, esta edição teria uma proposta diferente. A linguagem seria mais objetiva, os desfiles seriam menos conceituais. O que a pessoa vai ver na nossa passarela é o que vai estar nas araras – normalmente, não é isso que acontece. Então era mais viável, porque havia pouco tempo para preparar a coleção. A gente fez o desfile em mais ou menos 15 dias. Era uma oportunidade que a Maria Garcia não queria deixar passar porque ela está amadurecendo, está uma mulher mais segura. E a gente quer mostrar isso.

Mas a grife se afastou da SPFW porque os desfiles ficaram conceituais demais? Não, até porque o mercado há dois anos estava calmo, não havia tantas mudanças quanto agora. A moda está mudando muito, a gente está passando por uma crise. O mercado todo está diferente. O que nos fez parar com o evento foi o fato de a Maria Garcia ser a marca jovem da Huis Clos. A gente divide a mesma estrutura. Tem uma equipe, que é mais enxuta, mas divide o mesmo teto. Na hora da produção, são as mesmas pessoas. Era muito difícil as duas marcas desfilarem ao mesmo tempo. E, como a Huis Clos tem um trabalho autoral, tem toda uma história, o grupo abriu mão de ter a Maria Garcia na SPFW para garantir a Huis Clos. Como esta é uma edição mais comercial, a Clô Orozco achou que era a vez da Maria Garcia.

A que crise você se refere? Tudo começou porque nossos concorrentes viraram os aeroportos. As pessoas hoje acham melhor comprar roupa lá fora do que aqui, por causa do preço. Elas ficam inconformadas com o valor das coisas no país. E realmente tudo subiu: a matéria-prima é mais cara, a mão-de-obra é mais cara, o custo fixo é maior. Então, não tem como o preço da roupa ser mais baixo. Concorrer com as lojas de fora está difícil. Pode até não ser uma vantagem real para o comprador, porque ele também gasta com a viagem, mas as pessoas ficam com a ideia de que vale a pena. Depois começou a vir muita marca para cá e a atrair a atenção do nosso consumidor. Infelizmente, eu sinto que o brasileiro não dá valor para o que tem. Por exemplo, quando a gente estava no shopping Iguatemi, tinha uma loja do Marc Jacobs na frente com um shorts a 600 reais. Na Maria Garcia, o shorts custava 560 reais. A cliente preferia comprar no Marc Jacobs. O brasileiro costuma valorizar o que vem de fora.

Esse aumento de preços também tem a ver com uma questão industrial? Exatamente, é tudo. Tecidos, aluguéis, impostos, é uma série de coisas que prejudica todo mundo.

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Quais seriam as soluções para esses problemas? A meu ver, essa nova proposta do Paulo Borges já é uma tentativa de mostrar uma coisa diferente. A gente quer atingir mais o consumidor, estar mais próximo do público-alvo, criar desejo. Senão, a moda vai acabar, porque ninguém vai comprar, ninguém vai consumir, e a gente vai morrer. Acho que ele está tentando fazer esse movimento. E precisaria de uma movimentação do país, começando pelos impostos, que é onde dá para mexer mais rápido.

E essa mudança do calendário, é benéfica para o setor? Eu, sinceramente, acho uma loucura. Pode ser positiva, mas bem no futuro. Agora, é uma mudança radical que deixa as pessoas transtornadas. Está começando o verão, as vitrines estão ficando levinhas, e a gente vai apresentar o inverno. Isso deixa as pessoas um pouco confusas. O que o Paulo Borges diz é que é uma chance de errar menos. Se não for bem aceito ou se a gente sentir que pode mudar alguma coisa, dá tempo. Mas é preciso esperar que toda a cadeia se adapte, que as tecelagens tenham cartela de cores e tecidos para mostrar para as grifes saberem o que haverá no mercado no lançamento daquela coleção. Talvez no futuro funcione. Ainda é uma adaptação.

Esse movimento do mercado se refletiu na coleção? Nessa transformação da Maria Garcia, o processo de criação está diferente. Agora, a roupa virou objeto e não o contrário — não é você que é objeto da roupa. A gente tem o desafio de adivinhar o que as pessoas querem. A Maria Garcia quer estar antenada com a tendência, com o movimento geral, com o que está no ar. Aí, a missão é, dentro da tendência, tentar se destacar. Por isso, é preciso um diferencial. A marca vai ter um azul que todo mundo tem, mas um pouco diferente. Estar na tendência não significa apresentar uma coisa batida.

E como está a coleção? Está super anos 1960 para 70. Para todo o mundo entender um pouco o espírito da coleção, é uma coisa “Swinging London”. E, mesmo sendo para o inverno, está muito quente. A gente quis trabalhar com cor para dar uma vida a esse inverno. O ponto de partida foi uma estampa floral. A gente até brincou que, como está chateada com a moda no momento, quer receber flores de presente. A cor da estampa começa com framboesa e distribui na cartela com variações, desde o nude até um rosa mais seco e alegre. Para acender mais, tem um amarelo. A gente está fazendo muitas peças recortadas, e o amarelo estará em várias.

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