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Caixa de Pandora: uma história que não terminou

Há um ano, a operação implodia a política do Distrito Federal. Escândalo foi o mais bem documentado da história do país

Por Gabriel Castro
27 nov 2010, 09h19

Em 27 de novembro de 2009, a capital do país amanheceu surpresa com um acontecimento que mudaria a história política do Distrito Federal. A Operação Caixa de Pandora, da Polícia Federal (PF) e do Ministério Público Federal (MPF) desmontou um assustador esquema de corrupção que se distribuiu por governo, Câmara Legislativa, Tribunal de Contas e pela cúpula do MP do Distrito Federal. A dimensão das acusações impressionava. Mas o que diferenciou este escândalo dos demais foi a tecnologia: vídeos, muitos deles.

O governador, deputados, servidores públicos e empresários recebendo dinheiro. Tudo gravado. Foi o escândalo mais bem documentado da história do país.E graças a um nome: Durval Barbosa, ex-secretário de Relações Institucionais do governo de José Roberto Arruda (ex-DEM). Um homem ligado ao ex-governador Joaquim Roriz (PSC). Durval é acusado de envolvimento em vários esquemas de corrupção no governo local. Responde a mais de 30 processos na Justiça.

Entre as imagens divulgadas, havia de tudo: Leonardo Prudente (ex-DEM), presidente da Câmara Legislativa, pondo nas meias o pagamento que recebia de Durval – que, segundo as investigações da polícia, distribuía recursos de origem ilítica, fruto de desvios em contratos do governo com empresas privadas. As cenas mais chocantes exibiam o então governador José Roberto Arruda. Sentado numa poltrona, ele recebe um maço de dinheiro de Durval. Preocupado com a possibilidade de ser visto com o montante, chama o motorista e pede que ele coloque as notas numa cesta.

Arruda, ainda assim, só deixou o cargo quatro meses depois da divulgação das imagens, e por outro motivo: envolveu-se numa tentativa de suborno de Edson Sombra, braço direito de Durval e testemunha-chave do caso. A ousadia do governador custou caro: Sombra avisou à Polícia Federal, que filmou o flagrante. Arruda e mais sete pessoas foram presas. Quando deixou a cadeia, o homem que havia comandado o Distrito Federal por três anos já era ex-governador: perdeu o mandato porque deixou o DEM para não ser expulso. Foi enquadrado na lei da fidelidade partidária.

Ostracismo e impunidade – Um ano depois do escândalo, os principais personagens foram varridos do mapa político e encontram novas ocupações. O ex-governador tem viajado frequentemente ao exterior. Paulo Octávio (ex-DEM) o vice, renunciou alegando falta de apoio político. Dedica-se às suas empresas e ao patrimônio bilionário. Leonardo Prudente, então presidente da Câmara Legislativa, também foi expulso do DEM e renunciou ao mandato. Com a Lei da Ficha Limpa, deve ficar fora da política na próxima década – e tem dito que não pretende voltar ao cargo.

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Eurides Brito (PMDB), parlamentar que aparece escondendo dinheiro na bolsa, teve o mandato cassado e dedica-se à família. Júnior Brunelli (PSC) – célebre por causa da oração da propina – também renunciou e hoje ajuda a administrar a igreja fundada pelo pai. Tentou, sem sucesso, eleger a irmã, Lilian, deputada distrital.

Outros políticos suspeitos de envolvimento no caso, mas que não foram filmados, se safaram alegando exatamente isso: sem vídeo, não havia comprovação. Não por acaso, a Câmara Legislativa arquivou, na última quinta-feira, processos contra cinco deputados distritais. Quatro deles conseguiram se reeleger em outubro: Roney Nemer (PMDB), Benício Tavares (PMDB), Aylton Gomes (PR) e Benedito Domingos (PP). Outro não teve tanta sorte: Rogério Ulisses, expulso do PSB, não pôde concorrer.

Os vídeos envolvendo políticos influentes da capital do país são só parte do impressionante acervo produzido por Durval Barbosa, um ex-delegado de Polícia Civil que responde na Justiça por inúmeros casos de corrupção. Uma sucessão de anônimos, ou quase, desfilou pelas lentes do pivô do escândalo. O dono do jornal Tribuna do Brasil, Alcir Colaço, apareceu guardando dinheiro na cueca. O empresário José Celso Gontijo se queixa do alto valor da propina cobrada por Paulo Octávio. Um funcionário de segundo escalão recebe 30 mil reais e já nem se lembra a origem do dinheiro: “Isso aqui é de quê?”.

A operação promoveu também uma reviravolta no cenário eleitoral da capital do país. José Roberto Arruda aparecia como favorito na disputa, à frente de Joaquim Roriz e Agnelo Queiroz (PT). Com ajuda da Caixa de Pandora e da Lei da Ficha Limpa, o petista viu o caminho livre para o Palácio do Buriti. Mas trouxe consigo o próprio vice-governador, o peemedebista Tadeu Filipelli. Cria política de Roriz, pulou do barco de Arruda quando a situação se tornou incontornável.

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Motivação – Há várias versões para o que teria levado Durval Barbosa a incriminar a si mesmo ao implodir o esquema – que, ao que tudo indica, já funcionava no governo anterior, de Joaquim Roriz. Uma delas diz que o gatilho só foi disparado porque Roriz, antigo aliado de Durval, queria retirar José Roberto Arruda das eleições no ano seguinte. Outra tese afirma que o delator se desentendeu com Arruda, que – centralizador – não teria atendido aos anseios do aliado na divisão do bolo. Edson Sombra diz que a motivação foi outra: ele alega ter sido o responsável por convencer Durval a falar. Intermediou uma delação premiada.

“Ocorreu um episódio que mexeu muito comigo. A ex-mulher dele estava amamentando e o leite secou. Eu já perdi duas filhas. Quem é pai, já teve filho e perdeu, sente. Eu fui até ele. Falei: ‘olha, eu não sei que o bandido não é só você’. Eu me disponibilizei a ajudá-lo no que fosse necessário. Ele chegou ao ponto de me desautorizar. Mas eu levei o caso dele ao Ministério Público do Distrito Federal e consegui a palavra dos promotores de que seria dada a delação premiada dele”, relata Sombra.

Durval segue falando – Protegido pela Polícia Federal, o delator do esquema continua morando na capital federal. Volta e meia, é visto em eventos sociais. Depois do escândalo, casou-se pela segunda vez. Mas não tem uma vida tranquila: a Polícia Federal chegou a interceptar o plano de um atentado contra ele.

Um ano depois, a Caixa de Pandora ainda não é só um acontecimento do passado: as investigações continuam. O homem-bomba Durval Barbosa, protegido pela Polícia Federal, continua dando aos investigadores do Ministério Público Federal peças do esquema gigantesco de corrupção que atingiu a capital do país.

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Na última quinta-feira, Durval voltou a falar com os promotores. Deu novos detalhes do esquema. O homem que devastou a cúpula do Executivo e do Legislativo agora volta seus canhões para o Judiciário. Diz ter provas do envolvimento de magistrados no esquema de corrupção. Crédito, Durval tem: até agora, as acusações que ele fez têm se mostrado verdadeiras. A Caixa de Pandora é um cadáver insepulto.

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