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“Transporte não é mera questão de trânsito”

Idealizador do rodízio de automóveis em São Paulo, Fabio Feldman critica falta de políticas para criar alternativas ao carro e se diz descrente com a Rio+20

Por Márcia Régis
13 Maio 2012, 14h52

“Os países do Norte avançaram na questão porque entenderam e adotaram uma política urbana, um bom exemplo vem de Londres atualmente. Para dar um exemplo desse ponto de vista, 25% das construções hoje existentes numa cidade do tamanho de São Paulo se destinam ao transporte – são garagens e estacionamentos”

Em 1997, ano em que implantou o rodizio de automóveis na cidade de São Paulo, o então Secretário Estadual de Meio Ambiente, Fabio Feldman, chegou a ser vaiado por uma multidão ao chegar pedalando sua bicicleta até o estúdio de um programa de rádio. Ativista engajado, advogado e ex-parlamentar, Feldman trabalhou em diversos papéis institucionais em nome do governo brasileiro na Eco 92 e na Rio+10, onde foi o representante oficial do Presidente Fernando Henrique Cardoso nas negociações. Hoje, engrossa o coro dos descontentes com relação à atuação do Brasil na Rio+20. Quinze anos depois da vaia, Feldman talvez corresse o risco de ser multado no Rio de Janeiro, cidade-sede da Rio+20 e de mega-eventos esportivos, que ambiciona ser um exemplo de incentivo ao transporte sobre duas rodas – inclusive, no período da conferência. De 15 anos para cá, o uso da bicicleta, em suas diversas modalidades, ganhou força e incentivo político em cidades como Londres, Paris e Berlim. São Paulo viu nascer a Associação dos Ciclistas Urbanos, engajada na luta pelos direitos dos usuários de bicicletas. O que no Rio de Janeiro transformou-se em uma discussão sobre deveres de ciclistas no âmbito do Código Nacional de Trânsito, para Feldman não foi surpresa, como explicou em entrevista ao site de VEJA:

O que significa incentivar o uso de bicicletas como transporte urbano em grandes cidades?

Trata-se de promover o que chamamos de transporte sustentável e controle de poluição. O transporte responde hoje por 12% das emissões globais de gases causadores do efeito estufa. No Brasil, 83% da população vivem em centros urbanos. Precisamos encarar a problemática das megacidades. A questão do trânsito é fundamental e muito visível. Mas aqui o transporte sustentável é tratado como uma mera questão de trânsito, quando demanda, na verdade uma política pública urbana integrada, o que o governo não quer promover.

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Por que as cidades brasileiras têm tanta dificuldade em adotar os padrões que vemos em cidades de países do Norte?

Os países do Norte avançaram na questão porque entenderam e adotaram uma política urbana, um bom exemplo vem de Londres atualmente. Para dar um exemplo desse ponto de vista, 25% das construções hoje existentes numa cidade do tamanho de São Paulo se destinam ao transporte – são garagens e estacionamentos. Na região da Berrini (Av. Engenheiro Luís Carlos Berrini, centro de negócios localizado na parte Sul da capital paulista), estudos dão conta que os cidadãos já gastam 45 minutos para sair das garagens e alcançar o sistema viário. Mais carros na rua parece ser um bom negócio.

Quais estratégias poderiam ser adotadas em um modelo de política urbana integrada para o transporte?

Há várias. Um exemplo é a mudança do regime de tributação do IPVA, que manteria a cobrança sobre a propriedade do automóvel mas acrescentaria a cobrança sobre o raio de circulação do veículo na cidade, o que provavelmente faria as pessoas a pensarem antes de adquirirem carros. Do jeito que está hoje, o Estado arrecada o IPVA e destina 25% aos municípios, logo governadores e prefeitos estão felicíssimos com o aumento crescente da venda de carros, dos congestionamentos e da poluição. A questão do IPVA hoje remete ao cigarro no passado, tempos em que a primeira arrecadação do IPI vinha do produto, o que fazia do Governo um grande sócio das estatísticas de câncer.

O rodízio de automóveis divide opiniões em São Paulo. Afinal, é uma boa alternativa ou não?

É uma das alternativas. Rodízio, sozinho, não resolve. Quando criei o rodízio, minha meta era contribuir para a redução da poluição, que é um efeito intangível do transporte e difícil de mobilizar o cidadão. Mas congestionamentos são visíveis. Há três anos, o prefeito de São Paulo suspendeu o rodízio e a cidade entrou em colapso. A medida voltou a vigorar. Daqui a três, quatro anos todas as cidades médias brasileiras – na faixa de 500 mil habitantes para cima – terão que adotar o rodízio. O trânsito congestionado já é realidade em cidades como Belo Horizonte e Curitiba. Temos que prever o aumento da frota. Os incentivos fiscais e de crédito tornaram o automóvel o item de consumo número um das classes médias emergentes. Outra boa medida é o pedágio urbano, semelhante ao que foi implantado em Londres, o Congestion Charge. Quanto mais para o centro da cidade a pessoa trafega, mais caro fica o pedágio e é necessário pagá-lo, sob o risco de ser multado e perder pontos na carteira.

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É possível frear de alguma forma o aumento da frota de automóveis, com toda a lógica envolvida nessa indústria?

É utópico bater somente nesta tecla. A solução, dentro de uma política urbana integrada, é investir no sistema de transporte público e criar linhas especiais de financiamento – até por que não é possível locomover-se em bicicleta para todo canto, mas dá para usar uma combinação dos meios de transporte. Mas no Brasil a expectativa da indústria montadora é gigantesca e, com um sistema público de transporte deficiente, há espaço e oportunidade para venda. E é engraçado isso: tem espaço para venda de automóveis, mas não tem espaço para circular.

É viável operar essa mudança apenas com decisões políticas?

Vai mais além. O cidadão tem que aderir, tem que querer a mudança também. Uma nova política pode acabar estimulando novas medidas de comportamento e o somatório disso poderia nos levar a outros patamares. Por exemplo, pode ajudar na institucionalização da carona solidária, em que as pessoas fazem um rodízio para se locomoverem a cada semana no carro de um companheiro de trabalho. Pode estimular o uso da bicicleta. Se as pessoas perceberem que parte da felicidade delas no cotidiano pode estar em ganhar tempo para o lazer e não em perdê-lo no trânsito, talvez se tornem mais pragmáticas como os cidadãos europeus, que elegem morar perto do metrô, por exemplo, para ganhar tempo no trajeto até o trabalho.

Na sua opinião, o transporte vai merecer destaque na Rio+20?

Se a conferencia não encarar essas questões, não terá o menor sentido. Mas da maneira como está sendo arquitetada, a Rio+20 está fadada ao fracasso. Não tem liderança do governo brasileiro, a sociedade civil parece não estar envolvida, os cidadãos não estão envolvidos, ninguém. No Rio de Janeiro, praticamente às vésperas de um evento político internacional deste peso, nem motorista de táxi do Aeroporto Santos Dumont sabe dizer o que é a Rio+20. É uma grande perda de oportunidade.

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