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Para ministro do STF, embriaguez não agrava crime no trânsito

Baseado estritamente nos livros, Luiz Fux decide que motorista embriagado não deve responder por homicídio doloso

Por Bruno Abbud, Marina Pinhoni
21 set 2011, 07h31

Para o jurista e professor Luiz Flávio Gomes, o fato de o país conviver com tantos acidentes fatais faz com que os brasileiros queiram punir quem mata ao volante

Em outubro de 2007, Paulo César Timponi, 49 anos, ex-professor de Educação Física, dirigia seu Volkswagen Golf a 130 quilômetros por hora na ponte JK, em Brasília, quando chocou-se contra um Toyota Corola que transportava três mulheres. Antônia Vasconcelos, Altair Barreto e Cíntia Cysneiros atravessaram o para-brisa e morreram na hora. Timponi estava embriagado.

Em 9 de julho, Marcelo Malvio de Lima, 36, engenheiro, dirigia seu Porsche a 150 quilômetros por hora na Rua Tabapuã, em São Paulo, quando chocou-se contra o Hyundai Tucson de Carolina Santos, 28. Ela morreu. Ele estava alcoolizado, disseram testemunhas.

No último sábado, 17 de setembro, Marcos Alexandre Martins, 33, auxiliar de bibliotecário, dirigia seu Golf a 100 quilômetros por hora na Marginal Pinheiros, também na capital paulista, quando atropelou e matou Miriam Baltresca, 58, e sua filha Bruna, 28, que estavam na calçada. O motorista também estava bêbado, informou um policial.

Timponi, Lima e Martins tiveram a intenção de matar? No entendimento de Luiz Fux, ministro do Supremo Tribunal Federal, não. Em 6 de setembro, Fux julgou um habeas corpus impetrado pela defesa de um motorista que, depois de provocar a morte de uma pessoa ao dirigir embriagado, foi enquadrado por homicídio doloso ─ quando há intenção de matar. A defesa queria que o crime fosse considerado culposo (quando não há tal intenção). Fux avaliou que motoristas bêbados só devem responder por crime doloso quando ingerem bebida alcóolica para “encorajar-se para cometer um delito qualquer”. Como não era o caso, a defesa saiu vitoriosa. A decisão, embora não sirva para embasar outros julgamentos, abre um precedente.

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“A decisão do ministro Fux é tecnicamente perfeita”, afirma o professor e jurista Luiz Flávio Gomes. “A discussão é totalmente técnica”. Segundo Gomes, quem bebe e acelera não assume o risco de matar. “Pela lei, só a bebedeira e a velocidade do veículo não caracterizam dolo eventual. É preciso haver mais detalhes”. Um dos detalhes, informa o jurista, acontece quando o motorista dirige perigosamente, em zigue e zague, ou ultrapassando semáforos vermelhos, por exemplo. Outro detalhe é quando o réu diz com todas as letras que quis dirigir e “se alguém morrer, morreu”. Sobre a morte de Miriam e Bruna Baltresca, Gomes afirma: “Martins cometeu uma tremenda imprudência, que deve ser punida, mas sem dolo eventual”.

Segundo o jurista e criminalista Damásio de Jesus, autor do livro Crimes de trânsito, embora a teoria do direito Actio Libera In Causa determine que “só a embriaguez não configura dolo eventual”, os motoristas que matam no trânsito costumam ter atitudes que evidenciam a intenção de matar. “O dolo é o famoso ‘dane-se’ do direito penal”, diz. “Esse ‘dane-se’ ocorre o tempo todo no trânsito. Os motoristas que bebem e dirigem em alta velocidade, cometem barbaridades ao volante. Isso basta para configurar o dolo”.

Damásio discorda da posição de Luiz Fux. “É absurda a hipótese levantada pelo ministro Fux, de que só é crime doloso se o sujeito bebe para tomar coragem para cometer o crime”, afirma. Sobre o atropelamento provocado por Marcos Martins, Damásio é categórico: “Martins deve ser processado por homicídio doloso. Cada caso é um caso, mas há situações que temos que levar para o terreno do dolo”.

População saturada – No primeiro semestre deste ano, 378 boletins de ocorrência de acidentes de trânsito com morte foram registrados só em São Paulo, segundo a Secretaria de Segurança Pública do estado. Em 2010, foram 269. Do ano passado para cá, houve um aumento de 40,5% nos acidentes fatais. “O Brasil vive praticamente uma guerra no trânsito, são 35.000 mortos por ano”, ressalta Damásio. “É um momento muito infeliz para o STF dizer que um motorista bêbado que provoca uma morte não tem a intenção de matar”.

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Para o jurista Luiz Flávio Gomes, o fato de o país conviver com tantos acidentes fatais faz com que os brasileiros queiram punir exemplarmente quem mata ao volante. “O Brasil não suporta mais acidentes de trânsito, por isso a população faz tanta pressão para que seja imputado dolo nesse tipo de crime”, observa. “Os delegados são pressionados pela população e pela mídia para que enquadrem os motoristas bêbados com firmeza”.

A vontade da população, contudo, vai contra a lei, acredita Gomes. “Os delegados tentam imputar dolo em todos os crimes de trânsito e acabam forçando a barra”, afirma. Para Gomes, um crime de trânsito é sempre culposo. Uma solução, segundo o jurista, seria triplicar ou quadruplicar a pena. Hoje, homicídios culposos, têm pena de 1 a 3 anos de prisão, e, dolosos, de 6 anos a 20 anos.

Mãe e filha – Para a família de Miriam e Bruna Baltresca, não há dúvidas de que Marcos Martins teve a intenção de matar. “É um absurdo que a pessoa tenha consciência para beber, mas não seja punida por isso”, diz Manoel Fernandes, tio de Bruna. “O cara que bebe está ciente da responsabilidade que tem”.

Segundo Fernandes, a família está muito abalada, mas pretende começar uma campanha para que a morte das duas mulheres não tenham sido em vão. “Nós somos uma família pequena, mas muito unida. Nossa intenção é aproveitar esse momento de tristeza para conscientizar o máximo de pessoas possível”.

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