Para consertar o bonde, tem que quebrar Santa Teresa
Todos os 17 quilômetros de trilhos precisam ser trocados, o que implica em obras pesadas nas ruas da Montmartre carioca. Presidente da Central avisa: antes de dois anos, sistema não volta a funcionar
“Desafio alguém a dizer que há algo que se aproveite nesse sistema. Os trilhos estão condenados, gastos. Não pode ser esse o trilho, temos que usar o bilabiado”, sentencia Macedo
Eduardo Macedo pegou o bonde andando. A piada é velha, mas a situação não tem mesmo graça. O engenheiro de 66 anos assumiu algo ainda pior, ao aceitar a presidência da Central. Embarcou, assim, em um sistema descarrilado, com seis mortos na conta da empresa e o compromisso de restabelecer o transporte sobre trilhos na Montmartre carioca. É um problemão, composto basicamente de uma investigação sobre a tragédia de 27 de agosto no Rio e um plano para fazer funcionar uma máquina sucateada.
Na última terça-feira, ele apresentou a Sérgio Cabral o que considera o X da questão para a tragédia de Santa Teresa. O governador do Rio já suspeitava, mas ouviu, desta vez com amparo técnico, que o sistema precisa ser todo trocado, a começar pelos trilhos. E mexer em trilhos em um bairro histórico, com ruas, pavimentação, galerias e casas antigas, é mexer em toda a infraestrutura do bairro. Ou seja, para consertar os bondes, tem que quebrar Santa Teresa.
“Desafio alguém a dizer que há algo que se aproveite nesse sistema. Os trilhos estão condenados, gastos. Não pode ser esse o trilho, temos que usar o bilabiado”, sentencia Macedo, depois de ouvir especialistas de Portugal, da Carris, que operam um sistema de características semelhantes. A partir da conversa com o governador, serão chamados a participar da empreitada a Cedae, que opera água e esgoto; a Light, que já participa do projeto de substituição da rede aérea para os bondes; a CET-Rio, para cuidar do nó que vai se fazer no trânsito; e órgãos da prefeitura, que terão que autorizar o desmonte de ruas inteiras.
“De forma alguma o bonde volta a andar num período inferior a dois anos”, diz Macedo. “E não adianta vir o Ministério Público dizer que tem que funcionar em dois meses. Não dá”, ressalta. O processo será longo. E envolve uma licitação internacional, pois os trilhos em questão só são fabricados na Europa. Só para preparar essa licitação o prazo deve ser de seis meses. O custo aproximado é obtido por Macedo com a multiplicação dos 50 euros do metro do trilho, por 17 quilômetros da malha de Santa Teresa, por dois – afinal, os trilhos caminham lado a lado – e pelos 2,46 do câmbio do euro, é de cerca de 4 milhões de reais. Já para instalação, com todas as obras necessárias, ainda não se sabe.
Bilabiado – Em vez do sistema de trilho e contratrilho usado atualmente – em que cada lado tem dois trilhos independentes, e justamente por isso sujeitos a desgastes e deformações diferentes – o sistema bilabiado consiste em apenas uma peça de cada lado. É mais adequado a bondes para locais como Santa Teresa, pois reduz-se o risco de um descarrilamento, de deformações na linha.
Macedo, com uma equipe da Central, foi a Lisboa conhecer o sistema operado pela Carris. Lá a coisa é diferente, pois o bonde é um transporte de massa, com linha de cerca de 70 quilômetros, contra os 17 de Santa Teresa. O monitoramento é computadorizado. Depois da visita, o presidente da Central não tem dúvida: o sistema do Rio parou no tempo. “Aqui, o trilho e o asfalto estão acabados, há desnível, desgaste. Em Lisboa, dá pra pentear o cabelo usando o trilho como espelho”, compara.
Seria de arrancar os cabelos – se Macedo ainda os tivesse. Cabeluda, mesmo, é a forma como os bondes amarelinhos, cartão-postal do Rio, foram se acabando, desmanchando no balanço das viagens e na inércia do descaso. O controle de tráfego na estação Carioca dos bondes usava a tecnologia celular. Ou seja, na estação, um funcionário telefonava para o motorneiro, que, conduzindo o bonde, atendia, para saber se poderia prosseguir ou se havia risco de bater noutra composição.
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