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Dinheiro do pré-sal some em cidade fluminense

Reportagem de VEJA revela que, mais do que o prefeito petista, são apadrinhados de José Dirceu quem dão as cartas em Maricá, município que enriqueceu por estar na rota das novas descobertas petrolíferas

Por Leslie Leitão 9 jun 2012, 14h29

Com pouco menos de 130.000 habitantes, o município de Maricá, a 60 quilômetros do Rio de Janeiro, faz parte de um punhado de localidades fluminenses que enriqueceram de repente por um capricho da natureza: está na rota do pré-sal. Por obra e graça da exploração de petróleo, o orçamento municipal de 200 milhões de reais teve, só nos primeiros três meses deste ano, um acréscimo de 35 milhões relativos a sua fatia dos 100.000 barris extraídos do campo de Tupi, rebatizado de Lula. É uma pequena fração de uma bolada que, nos cálculos mais otimistas, pode beneficiar os cofres maricaenses em até 1 bilhão de reais nos próximos anos. Como prova do reposicionamento de Maricá na ordem de interesses, um dos principais caciques do PT, José Dirceu, visitou a cidade pelo menos duas vezes desde a posse do prefeito petista Washington Siqueira, o Quaquá, em 2009. Em franca preparação para a reeleição, Quaquá vem espalhando pelo município cartazes de obras milionárias. Os milhões têm saído dos cofres da prefeitura, não há dúvida, mas a cidade pouco tem se beneficiado deles. Nesses três anos e meio, Quaquá e sua turma passaram a ser alvo de 21 processos e cinquenta inquéritos. No rol de abusos, o beabá da cartilha da corrupção: improbidade administrativa, danos ao Erário, prevaricação, peculato, abuso de poder econômico, superfaturamento, contratação de empresas-fantasma – maracutaias que podem ter feito evaporar do caixa oficial cerca de 150 milhões de reais.

Ao montar sua máquina administrativa, Quaquá convocou duas pessoas de fora. Uma é Marcelo Sereno, ex-assessor dele mesmo, José Dirceu, nos tempos em que era ministro da Casa Civil. Em 2010, Sereno assumiu a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Petróleo de Maricá no lugar de Aleksander Santos, político local que, por sinal, enquanto esteve no cargo, também se aproximou de Dirceu, passando a usar essa relação como cartão de visita nos contatos que fazia. Gostava até de expor em redes sociais fotos desse convívio. Sereno se afastou em abril, para concorrer a uma vaga na Câmara de Vereadores do Rio, mas seus tentáculos na política maricaense continuam firmes. Outro laço do chefão petista no município é com Maria Helena Alves Oliveira, a secretária executiva e de Administração, que tem no currículo cargos semelhantes, sempre por indicação de Dirceu, nas prefeituras de Nova Iguaçu e Manaus. Até Lurian, a filha do ex-presidente Lula, hoje funcionária da prefeitura de São José dos Campos, no interior de São Paulo, já prestigiou Maricá: esteve lá no Carnaval e, três meses depois, foi até agraciada com o título de cidadã maricaense.

A CANETA É DELA - Maria Helena, a outra amiga de Dirceu em Maricá: sua assinatura aparece em vários dos contratos irregulares
A CANETA É DELA – Maria Helena, a outra amiga de Dirceu em Maricá: sua assinatura aparece em vários dos contratos irregulares (VEJA)

Na cidade, todo mundo sabe: são os apadrinhados de Dirceu, muito mais do que o próprio Quaquá, que realmente dão as cartas. Várias pessoas relatam ter ouvido de Sereno, por mais de uma vez: “Quem manda lá é a gente”. Boa parte dos contratos sob investigação da Justiça leva a assinatura da secretária Maria Helena. Um deles trata dos gastos com locação de veículos – o processo em curso aponta problemas em contratos que somam 18 milhões de reais. Um terço dessa quantia destinou-se à Lumar Locadora de Transportes Ltda., que tem sede no município de Belford Roxo, na Baixada Fluminense, a 100 quilômetros de Maricá. No endereço visitado por VEJA, funciona uma pequena loja de material de construção. Quem responde pela Lumar é Rosana Francisco de Moura Correia, que por breve período foi gerente da Subsecretaria Executiva de Projetos Especiais de Maricá. A prefeitura afirma que já cancelou o negócio. Dois outros contratos suspeitos pairam sobre uma única estrada, a de Itaipuaçu. Um deles é alvo de um processo no qual a Promotoria de Tutela Coletiva de Defesa da Cidadania pede a devolução de 11 milhões aos cofres públicos. No outro contrato, a gastança foi maior: 23 milhões de reais. Quem trafega pela estrada vê que a obra não passou de maquiagem, e muito malfeita: trechos asfaltados há pouco mais de um mês já apresentam buracos e não se vê indício dos prometidos corredores de escoamento de chuvas, das calçadas e pontos de ônibus que constam do projeto. Na área da educação, o alvo de vários inquéritos por improbidade é o gasto com a construção de escolas, em valores sempre próximos de 1 milhão de reais. O projeto mais recente, da Escola Carlos Magno Legentil de Mattos, no centro da cidade, prevê que as seis salas e uma quadra poliesportiva custem 930.000 reais – o dobro, no mínimo, do orçamento para uma obra desse porte.

Enquanto Quaquá e sua administração se enrolam nas contas públicas, Maricá, a suposta beneficiária dos milhões em royalties, continua a ter serviços públicos abaixo da crítica: 80% das casas sem água encanada, o terceiro pior município do estado na área da saúde, transporte público precário. É comum que moradores caminhem 6 quilômetros até um posto médico e não sejam atendidos. “No mês passado a pediatra estava de férias. Hoje está doente. A verdade é que nunca tem ninguém para atender”, relata Cintia Falcão, 23 anos, mãe de um menino de 1 ano e meio que precisa de uma cirurgia no pé. O dinheiro do petróleo deveria ser, mas não é, garantia de progresso. Pelos cálculos mais otimistas, as reservas do pré-sal podem alcançar 100 bilhões de barris, que, ao preço de hoje, chegariam a 600 bilhões de reais em royalties. No estado do Rio, 87 dos 92 municípios já recebem esses royalties, e em volume cada vez maior: foram 2 bilhões de reais em todo o ano de 2010 – e 1,2 bilhão só no primeiro trimestre deste ano. Mesmo assim, e apenas para ficar em dois exemplos, Guapimirim (50.000 habitantes, 20 milhões de reais em royalties no primeiro trimestre) e Rio das Ostras (105.000 habitantes e quase 80 milhões de reais) amargam, respectivamente, a última colocação e o oitavo pior lugar no indicador de qualidade do Sistema Único de Saúde do estado – um retrato irretocável do atraso. Para onde vão tantos milhões? Em Maricá, processos e inquéritos em profusão falam por si mesmos: para melhorar a vida dos cidadãos é que não é.

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