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Em fitas, Demóstenes age como sócio de Cachoeira

Gravações da Polícia Federal, obtidas com exclusividade por VEJA, revelam novas conversas sobre negócios entre Demóstenes Torres e o contraventor Carlos Cachoeira e complicam ainda mais a situação do parlamentar

Por Da Redação
31 mar 2012, 10h00

Mesmo no tolerante mundo da política brasileira, certos tipos de relacionamento costumam ser fatais para a reputação de homens públicos. Um congressista usar do cargo para defender interesses privados em troca de benefícios materiais é inaceitável em qualquer ambiente que preze minimamente os valores republicanos. A situação torna-se ainda mais insustentável quando o congressista pilhado nesse tipo de comportamento é, aos olhos do grande público, o mais ardoroso defensor da moral e dos bons costumes. Coloque-se do outro lado da relação promíscua um contraventor acusado de comandar uma máfia especializada em jogos ilegais e negócios suspeitos com o poder, e abrem-se para o congressista os portões dos mais profundos círculos infernais de Dante – os da fraude e da traição. Estrela da oposição, intransigente defensor da ética e crítico ferrenho do comportamento dos colegas, o senador Demóstenes Torres é um político nessas circunstâncias, que só pioram para ele à medida que se revela a natureza de sua relação com o contraventor goiano Carlinhos Cachoeira, que está preso.

Pilhado em uma investigação da Polícia Federal que mapeou os negócios de Cachoeira, Demóstenes Torres viu sua biografia virar pó desde que começou a ser revelada a amplitude de suas relações com o contraventor. Descobriu-se que o senador – que em público tinha um comportamento reto, vigilante – possuía uma conduta bem diferente no ambiente privado. Conforme VEJA revelou em sua edição de 7 de março passado, Demóstenes gozava da intimidade do contraventor, com quem falava em média duas vezes por dia, e dele recebeu de presente uma geladeira e um fogão importados avaliados em 30 000 reais. Amigos de posses podem muito bem se presentear com fogões e geladeiras desse valor. Mas a situação do senador se complicou com a revelação de que entre ele e o contraventor existia mais do que amizade. Existia uma sociedade de interesses mútuos – o contraventor dava presentes e dinheiro; o senador retribuía advogando em favor dos negócios do sócio.

Assessores de Cachoeira indicando nomes para  o governo de Brasília
Assessores de Cachoeira indicando nomes para o governo de Brasília (VEJA)

VEJA obteve cópias de áudios gravados pela polícia que evidenciam a natureza da relação comercial entre os dois. Nas gravações, Demóstenes se comporta como sócio de Cachoeira.

DIÁLOGO GRAVADO EM 14 DE ABRIL DE 2011

Demóstenes usa o cargo de senador para ajudar o contraventor Carlinhos Cachoeira, também dono de laboratório farmacêutico, a resolver problemas da empresa na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

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Demóstenes – Fala, professor!

Cachoeira – Doutor, aquele negócio daquele rapaz do Enio que trabalha na Anvisa, pô. Podia pôr ele com o Wladimir aí pro Wladimir olhar nossas coisas com ele. O tal de Rech (segundo a PF, Norberto Rech, diretor adjunto da Anvisa).

Cai a ligação e em seguida eles voltam a se falar:

Demóstenes – Ô, professor! Tá ouvindo aí?

Cachoeira – Tô ouvindo. Aquele… o Norberto… Você teve com ele ontem pra olhar aqueles trem que eu te pedi?

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Demóstenes – Tive com ele e ele me disse o seguinte: ele quer fazer com vocês uma coisa até melhor. É… Quer fazer uma agenda programada. Cê vai pegar tudo o que cê tem que vai ser renovado e já vai começar a tocar agora (…) E o que que eu disse para ele? Que você tem uma possibilidade de montar uma indústria lá em Santa Catarina, certo? Aí alimenta essa esperança no sujeito aí e vai tocando o bonde. Vou falar pra ele receber o Wladimir, falou?

Cachoeira – Aí hoje ele vai com… ele… O Wladimir tá indo lá hoje. Aí o Adriano vai com ele, entendeu? Aí já vê tudo!

Demóstenes – Tá. Eu vou marcar lá. Falou? E te ligo.

Dez minutos depois, o senador retorna o telefonema, já com a resposta. Ao se referir aos interesses do laboratório de Cachoeira, Demóstenes fala na primeira pessoa do plural:

Demóstenes – O Norberto tá esperando os dois lá às 2 da tarde. Eu falei pra ele (…) que a empresa está disposta a montar uma unidade lá em Santa Catarina. Então fala pro Wladimir dar corda nisso aí e depois nós descemos lá em Santa Catarina e falamos com o Enio, falamos com ele. Cê entendeu? Faz um acerto mais amplo. Entendeu?

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Cachoeira – Excelente, doutor. Obrigado!

Ouça as gravações:

Parte 1:

Parte 2:

Parte 3:

DIÁLOGO GRAVADO EM 11 DE ABRIL DE 2011

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Desta vez, é Demóstenes quem procura Cachoeira, interessado em arrumar contratos em Mato Grosso para uma agência de publicidade amiga.

Demóstenes – Mestre, é o seguinte: a gente tem uma agência de publicidade querendo entrar lá no Mato Grosso. Você acha que consegue?

Cachoeira – Quem tem?

Demóstenes – Amigo nosso.

Cachoeira – Pode ser. Vou olhar isso agora. Se for interesse seu…

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Demóstenes – Tá licitando para a Copa. Acho que é um negócio bacana.

Cachoeira – Acho que eu consigo. Vou olhar agora.

(…)

Demóstenes – Vou dar uma passada aí então para falar sobre isso, pode?

Cachoeira – Tá bom, tô te esperando.

Ouça as gravações:

Parte 1:

Parte 2:

DIÁLOGO GRAVADO EM 14 DE ABRIL DE 2011

Demóstenes novamente presta favores a Cachoeira e seus amigos. Desta vez, ao receber pedido para solucionar uma demanda de um colega do contraventor no Ibama, ele oferece uma solução ainda melhor: ir por cima e conversar direto com a ministra do Meio Ambiente, com quem diz ter uma relação muito boa.

Cachoeira – O Rossini vai tá aí amanhã pra ir lá no Ibama.

Demóstenes – Uai, tranquilo!

(…)

Cachoeira – No Ibama. Já tá marcado lá. Você podia acompanhar ele lá.

Demóstenes – Ah, tá. Que horas?

Horas depois, a dupla volta a tratar do assunto:

Demóstenes – Tô achando que este trem de Ibama não vai resolver nada pra ele, não. Tô às ordens, mas acho que é melhor ir por cima. Eu tenho acesso bom à ministra.

Cachoeira – À ministra?

Demóstenes – Ministra! A ministra lá do Meio Ambiente. O Ibama é subordinado a ela, uai!

Cachoeira – Agora. Vou falar pra ele te chamar aí. Obrigado aí!

Ouça as gravações:

Parte 1:

Parte 2:

Cachoeira definindo cargos no governo  de Marconi Perillo (foto), em Goiás
Cachoeira definindo cargos no governo de Marconi Perillo (foto), em Goiás (VEJA)

Na semana passada, o Supremo Tribunal Federal abriu inquérito para investigar Demóstenes. “Meu cliente é vítima de uma investigação ilegal”, afirma o advogado do senador, Antonio Carlos de Almeida Castro. A investigação promete causar danos também em outras frentes. Os grampos telefônicos põem na cena da máfia os governos de Brasília, comandado por Agnelo Queiroz (PT), e de Goiás, controlado por Marconi Perillo (PSDB). Em Brasília, as escutas indicam que o grupo tinha acesso ao gabinete de Agnelo. Inclusive para fazer indicações políticas. “Esse documento aí é para botar na mão do Marcelão (…) Ele vai direto no gabinete do governador”, diz o araponga Idalberto Matias, o Dadá, um dos capangas de Cachoeira. “São os nomes que a gente quer”, afirma.

O governador Agnelo negou a VEJA qualquer relação com a tropa de Cachoeira. Em Goiás, as investigações mostraram que o ponto de contato entre Ca­choei­ra e o governador Marconi Perillo era um ex-vereador de Goiânia. Também lá o contraventor decide nomeações – e diz até que cargos cada indicado vai ocupar e quanto vai ganhar. O governador de Goiás também nega ligação com Cachoeira e diz que combate “toda sorte de crimes e contravenções”.

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