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O Brasil não merece mais três anos desse desgoverno

Por Gustavo Ioschpe
5 dez 2015, 11h23

É uma incrível lástima que alguém com a ficha corrida de Eduardo Cunha tenha sido eleito para o Congresso Nacional e, lá, tenha sido escolhido pelos seus pares para presidir a Casa. Porque coube a ele, por imposição do cargo, a tarefa de acatar o pedido de impeachment da presidente Dilma. Mas assim como os votos de Cunha – tanto os populares quanto o de seus nobres colegas – não o eximem da cassação que se aproxima, tampouco os milhões de sufrágios concedidos a Dilma blindam o seu mandato da possibilidade do impeachment. Por uma simples razão: a democracia não é o império do voto, mas sim da lei. Hitler foi eleito premier da Alemanha; Lenin, Fidel e Mao chegaram ao poder com amplo apoio popular. Mas não ocorreria a ninguém de boa fé sugerir que esses senhores lideraram uma democracia.

Esses são os dois principais argumentos de quem se opõe ao impeachment. Primeiro, de que Eduardo Cunha não tem autoridade moral para conduzir o impedimento de quem quer que seja. Segundo, que impeachment sem prova de roubo é golpe.

Ora, o impeachment não é um processo conduzido por Eduardo Cunha. Cabe a ele apenas aceitar ou não a denúncia contra a presidente. Quem a investiga é a Câmara dos Deputados, e quem a julga é o Senado. E o fazem não apenas porque são representantes democraticamente eleitos do povo, mas porque é assim que a lei manda. Lei muito anterior a este governo. Ajuda-memória: Ibsen Pinheiro, que presidiu a Câmara dos Deputados na época do impeachment de Collor, foi cassado por quebra de decoro dois anos depois. Que relevância a lisura de Ibsen tem sobre o julgamento de Collor? Nenhuma. Que relevância a lisura de Eduardo Cunha tem sobre o julgamento de Dilma? Tampouco nenhuma.

A alegação de golpe é mais absurda ainda. Não pode ser golpe algo que está previsto na Constituição. Ponto. Ademais, chama a atenção a inconsistência lógica desses acusadores. Os que equacionam impeachment a golpe hoje foram alguns dos maiores defensores do impeachment de Collor. Também ele foi um presidente eleito por voto popular, regido pela mesma Constituição e pela mesma lei do impeachment. Como é então que algo que era legítimo e defensável àquela época passou a ser golpe hoje? Como bem disse o presidente do PT, Rui Falcão, em evento de julho desse ano: “Não se esqueçam, companheiros e companheiras, que gritamos fora Collor e gritamos fora FHC. E o ex-presidente Collor saiu da Presidência num processo legal, dentro da democracia, e é isso que eles pretendem fazer agora: expelir a Dilma dentro de um processo democrático.” O país está tão de ponta cabeça que eu me vejo concordando totalmente com o presidente do PT.

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Esse discurso de golpe acaba seduzindo muitos desavisados que acreditam que o único crime que um político pode cometer é o roubo. Apesar da popularidade da prática no Planalto Central, há outras e piores modalidades de indignidade que um administrador pode cometer. Pense bem: se aderíssemos a essa cartilha, o afastamento de Dilma seria legítimo se fosse pega roubando um Chambinho numa mercearia de Brasília; já ter detonado um país de 200 milhões de habitantes ao longo de seguidos anos de irresponsabilidade fiscal, quebrado a maior empresa nacional e destruído seu setor elétrico, entre outras peripécias: tudo isso seria permitido. Não faz nenhum sentido.

A lei que versa sobre o assunto (n. 1.079) é clara e clarividente: os crimes mais importantes que um Presidente da República pode cometer são de responsabilidade. Para um presidente ter a sua liberdade cerceada, aplicam-se a ele ou ela as mesmas leis que se aplicam a você e eu. Já para ser privado do exercício do cargo para o qual foi eleito, as justificativas são outras. Basta que sua conduta, ainda que bem-intencionada, seja de tal ponto lesiva aos interesses da pátria que requeira a cessação do mandato. Lembremo-nos que Collor foi absolvido pelo STF pelo comportamento que levou à sua cassação. Alguém acredita que essa decisão jurídica altera o acerto do seu impeachment?

Não sou jurista, mas tenho dificuldade de imaginar que as condutas previstas em lei como passíveis de impeachment não se apliquem a esse governo. Veja os exemplos: Art. 7.5 “servir-se das autoridades sob sua subordinação imediata para praticar abuso do poder, ou tolerar que essas autoridades o pratiquem sem repressão sua” (quantos ministros foram ou estão envolvidos em casos de corrupção?); Art. 9.3 “não tornar efetiva a responsabilidade de seus subordinados, quando manifesta em delitos funcionais (…)”; Art. 10.2 “exceder ou transportar, sem autorização legal, as verbas do orçamento” (quanto tempo faz que Dilma não cumpre a Lei da Responsabilidade Fiscal?); Art. 11.2 “ordenar despesas não autorizadas por lei ou sem observância das prescrições legais relativas às mesmas” (pedaladas, pedaladas, pedaladas).

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Os opositores do impeachment que leem essa lei costumam dizer que ela é tão vaga e ampla que poderia se aplicar a qualquer presidente, em qualquer tempo. Outros dizem que se esses atos servirem para embasar o impedimento de presidente da República, então nenhum político do país terá a certeza da conclusão do seu mandato. Sei que essas observações são vistas como críticas, mas eu as vejo como elogio.

Nenhum representante eleito deveria acreditar que seu mandato é sua propriedade irrevogável. A administração pública não lhe pertence: pertence ao povo. Este deve ter o direito legal de confiscar o mandato que foi concedido a uma liderança que se mostra irresponsável. É bom que nossos mandatários saibam que sua permanência é condicional. Também é bom que a lei seja ampla e flexível. As formas de irresponsabilidade são amplas, e não convém a criação de leis de afogadilho, casuísticas, para se lidar com sandices impensadas. Melhor é ter um instrumento que dê um norte ao processo e deixe aos congressistas de cada época certa margem de manobra para interpretar os pormenores do comportamento do presidente.

Espero que os atuais congressistas cheguem a um entendimento de que a atual presidente violou o dever solene que tem como primeira mandatária do país. Seus desatinos não têm nem o benefício da originalidade: os descalabros do seu “pensamento” econômico já foram testados em outras épocas e países, e sempre causaram destruição. Além da inépcia administrativa, é difícil de imaginar que uma presidente notoriamente detalhista e focada nas minúcias de sua administração não soubesse que, à sua volta no dia-a-dia do poder e financiando suas campanhas, houvesse um espesso e caudaloso mar de lama de corrupção a azeitar as engrenagens do seu governo. Dilma pecou quando agiu e quando se omitiu, quando interferiu e quando prevaricou. Seus erros são muitos e recorrentes, e sua teimosia e despreparo fazem crer que, a qualquer nova oportunidade, ela incorrerá no mesmo comportamento que nos trouxe até aqui. Se ainda tivesse um pingo do patriotismo que norteou sua peleja contra a ditadura na juventude, a presidente saberia que o melhor caminho para a democracia é a sua renúncia. Estando sua visão obnubilada pela fome de poder, espero que nossos congressistas não fraquejem frente às suas obrigações. Esse governo nos trouxe até o precipício, e o passado já não podemos alterar. Mas o futuro nos pertence, e convém não passar os próximos três anos dando um salto rumo ao abismo.

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