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No Alemão, o tráfico resiste e desafia a polícia

Homens do Bope voltam a patrulhar o Alemão. Estudo mostra que expansão das UPPs é insustentável e aponta insatisfações dos policiais com o projeto

Por João Marcello Erthal e Cecília Ritto
24 jul 2012, 19h41

O ataque que matou a policial militar Fabiana Aparecida de Souza, de 30 anos, na Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da favela Nova Brasília, no Complexo do Alemão, elimina as dúvidas, para quem ainda as tinha, sobre a resistência do poder armado dos bandidos. A ofensiva da noite de segunda-feira não pode ser considerada, como outros episódios, “fato isolado” ou algo que não compromete o “processo de pacificação”, como chama o governo do estado. Como era esperado o comandante das UPPs, coronel Rogério Seabra, afirmou que o programa prossegue, apesar do luto dos colegas.

O atentado contra a unidade da favela Nova Brasília é, desde o início das UPPs, o mais grave, e o primeiro em que morre um policial. Como admitiu Seabra, no Alemão, os ataques vêm acontecendo desde o período em que a área era controlada pelo Exército – a passagem de comando para a PM aconteceu este mês. Para dar tranquilidade aos moradores e aos próprios policiais, equipes do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) ficarão por tempo indeterminado no Complexo do Alemão. Cerca de 200 PMs fazem varredura por toda a área do conjunto de favelas em busca das armas usadas na noite de segunda-feira e dos criminosos que atacaram a UPP. A ação, iniciada nesta terça, teve como resultado até o momento a detenção de três pessoas. Dois homens, com passagem pela polícia, que estavam foragidos foram levados para a delegacia. Um terceiro, de 16 anos, também foi encaminhado à Polícia Civil. Ele estava com um ferimento na perna, adquirido na noite de segunda.

Policial Fabiana Souza, morta no Complexo do Alemão
Policial Fabiana Souza, morta no Complexo do Alemão (VEJA)

Policiais do Bope trabalham com a possibilidade de o grupo de cerca de 12 criminosos ter fugido para outra favela. Até as 18h, o Disque-Denúncia recebeu 17 ligações sobre o ataque de traficantes à UPP Nova Brasília. Os outros PMs da unidade, que trocaram tiros com os bandidos, continuarão a trabalhar. Um psicólogo da corporação conversará com o grupo para saber se há necessidade de tratamento. No Facebook de Fabiana, uma série de policiais modificaram seus perfis. A homenagem à colega de farda na rede social é uma imagem de luto com o símbolo da PM do Rio. O enterro será na quarta-feira, às 9h, no Cemitério do Riachuelo, na cidade de Valença, no Sul do estado do Rio. O coronel Rogério Seabra, comandante das UPPs, comparecerá.

Resistência – Alemão e Rocinha são casos à parte no conjunto de favelas que o governo do estado chama de ‘pacificadas’. No imenso complexo de favelas da zona norte e no morro que por quatro décadas foi controlado por bandidos na zona sul, os bandidos resistem, ameaçam, mostram-se permanentemente dispostos a retomar o controle do território. São locais onde o policial ainda não está seguro, como deseja o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, que considera a tranquilidade para o agente público uma pré-condição para a existência de uma polícia que serve ao morador, em vez de representar uma ameaça.

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Uma pesquisa feita pelo professor Ignácio Cano, da Uerj, integrante do Laboratório de Análise da Violência, trata as UPPs sem a euforia do governo do estado do Rio, e critica o programa com base em números, comparações e entrevistas. O balanço é positivo quando se analisa a situação dos homicídios e dos crimes que envolvem violência armada. O dado principal, destacado por Cano, é a redução de homicídios nas áreas das primeiras 13 UPPs – atualmente são 19 unidades. A conta a que chegou o pesquisador considera que, por ano, seis vidas são poupadas para cada UPP. Assim, considera-se cumprida a missão de tirar o território das mãos do tráfico e interromper a sequência de tiroteios que vitimava igualmente moradores, policiais e bandidos.

O documento também aponta um problema para as autoridades de segurança: os ganhos da UPP são baseados no aumento da proporção de policiais por habitante. E isso não é algo que se possa aplicar em larga escala. Diz o estudo: “A presença policial é intensa, tal que a razão de policiais militares por habitante, que é de 2,3 por 1.000 habitantes no Estado do Rio de Janeiro, passa para 18 por 1.000 no conjunto das primeiras 13 UPPs. Este investimento intensivo em termos de capital humano confirma que não é possível estender este projeto para o conjunto do território, dado o seu custo”.

As UPPs também reproduzem o padrão de privilégio de algumas áreas, como a concentração de policiais na zona sul. Os locais com maiores taxas de homicídios, tradicionalmente as zonas norte e oeste, têm unidades com menor proporção de policial por habitante. Os morros Babilônia e Chapéu Mangueira, no Leme, na zona sul, são os que têm a UPP com maior proporção de policial por habitante: 88,2. A favela Santa Marta, também na zona sul, tem 61,8. A Cidade de Deus, na zona oeste, tem 9,1; e o Jardim Batam, também na zona oeste, única área de milícia que recebeu UPP, tem 10,3. A pesquisa critica a concentração de UPPs na zona sul e no cinturão do Maracanã, palco da final da Copa do Mundo de 2014.

Outro trabalho, desenvolvido pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), concluído em março do ano passado, detectou um problema para os gestores do programa. Com entrevistas em nove UPPs, o estudo revelou o que os próprios policiais pensam das unidades. E 65,1% dos praças responderam “sim” para uma pergunta sobre o caráter “eleitoreiro” do projeto. Para 70,3% deles, “as UPPs foram criadas só para garantir a segurança da Copa e das Olimpíadas”; e para 68% a escolha das favelas visa a “tranquilizar a classe média”. Os policiais demonstraram insatisfação com o trabalho: 79,9% responderam que prefeririam trabalhar em outro tipo de policiamento, fora das UPPs, apesar de, no grupo analisado, a maior parte do trabalho ser de patrulhamento e resolução de conflitos domésticos – não mais ações de combate ao tráfico.

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