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Bope: falta de investigação atrapalha na hora de punir

Para promotor da Auditoria Militar, se casos de desvios de conduta não são apurados, não é possível saber o tamanho real do problema

Por Leslie Leitão 5 jul 2015, 09h58

Quando as salas de cinema de todo o país foram invadidas e superlotadas pelo sucesso do primeiro Tropa de Elite – o que contava as aventuras de um grupo especial de policiais militares no combate ao crime no Rio de Janeiro, comandados pelo incorruptível e violento capitão Nascimento -, no fim de 2007, o diretor José Padilha alçou o Batalhão de Operações Especiais Policiais (Bope) a um status jamais alcançado por qualquer polícia brasileira. A unidade tornou-se uma espécie de Liga da Justiça contra bandidos de todo o tipo. Naqueles homens de preto estavam depositados os últimos fios de esperança de vivermos numa sociedade mais segura, ainda que, para isso, fosse preciso uma faxina social com uma boa dose de derramamento de sangue. A cada tiro, a cada porrada desferida pelo herói Nascimento, os cinemas iam ao delírio. O filme, no entanto, remonta os primórdios desse seleto grupo, baseado em fatos ocorridos vinte anos atrás. O outro lado da moeda é bem mais sombrio e incômodo.

Uma reportagem da edição de VEJA desta semana liga esse sinal de alerta. A prática de extirpar do seu meio alguém que ainda é apenas suspeito, muitas vezes, transfere para outro um problema que deveria ser eliminado na raiz. “Se os casos não chegam ao conhecimento da Justiça, não temos como avaliar se o número de desvios é pequeno ou não”, lamenta o promotor da Auditoria Militar, Paulo Roberto Mello Cunha Júnior. O caso do sargento Arlen Silva – que fornecia armas e informações para traficantes do Complexo da Maré e foi flagrado em escutas telefônicas – é raro no sentido de haver procedimento apuratório oficial, o chamado Inquérito Policial Militar. A Polícia Militar se recusa a fornecer dados oficiais sobre punições de membros de sua unidade de elite. Para quem conhece os bastidores do Bope, o número real vem aumentando de maneira preocupante nos últimos anos, ainda que não seja possível traduzir isso em números.

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Essa falta de estatística tem uma razão filosófica para explicar: é que lá dentro é comum que os comandantes adotem a denominada tática do “navio negreiro”, que se espelha exatamente nas histórias dos escravos que, até o século XIX, eram amontoados dentro de navios vindos da África para trabalhar no Brasil. Ao menor sinal de desvio de conduta um policial é transferido para qualquer outro batalhão da PM. “É preciso preservar a imagem e os princípios do Bope”, diz o ex-comandante geral da PM e dos “caveiras”, coronel Mário Sérgio Duarte.

A blindagem à má conduta na tropa de elite sempre superou à da polícia fluminense em geral. Um episódio é emblemático disso. Em maio de 1994, quando os homens de preto estouraram a fortaleza do bicho na época, o contraventor Castor de Andrade, que mantinha esquemas de corrupção em todas as esferas do poder público, exclamou: “Que polícia é essa que eu não conheço?”.

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O episódio é contado pelo maior estudioso do assunto, o antropólogo e ex-capitão do Bope Paulo Storani, autor da tese de mestrado “Vitória sobre a Morte: a Glória prometida”, sobre a construção social da tropa de elite. Para ele, os desvios de conduta já ocorriam no passado, ainda que em menor escala. Pudera. Há vinte anos a tropa tinha 120 homens, hoje conta com o triplo. Coronel reformado que participou da fundação do Bope, então Núcleo de Operações Especiais (Nucoe), Paulo César Costa de Oliveira, o Bichão, dá uma versão mais radical para explicar como os raros desvios de conduta eram resolvidos nos primórdios da unidade. “Policial bandido sempre morreu como herói. Por isso, ninguém metia a mão no bolso de ninguém. O marginal fardado tem que morrer. No meu tempo morreram alguns”, diz.

Ex-capitão do Bope e comentarista de segurança pública, Rodrigo Pimentel, um dos autores do livro Elite da Tropa, que deu origem ao filme campeão de bilheteria, pondera: “O Bope incorruptível nunca existiu. Foi uma coisa que eu e Padilha criamos”.

OUTROS CASOS DE DESVIO DA TROPA

Setembro de 2009Um policial do Bope foi acusado por uma moradora da Mangueira de tê-la estuprado. O caso, até hoje, está parado na 17ªDP (São Cristóvão), sob o inquérito 017-04561/2009. Até hoje também não se fez nenhum reconhecimento, nem por foto, dos possíveis envolvidos. À época, uma sindicância foi instaurada, mas na verdade nada foi apurado

Junho de 2011O depoimento de um traficante preso pela Delegacia de Combate às Drogas em 2011 detalha uma negociação de armas feita com policiais do Bope. Os agentes venderam 37 fuzis apreendidos no Alemão a uma quadrilha rival, do Complexo de São Carlos, por cerca de 10 000 reais cada. O caso foi enviado à corregedoria, mas não andou

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Julho de 2011O cabo Mauro Lopes de Figueiredo, que trabalhou como instrutor de tiro da tropa de elite por oito anos, foi preso pela Polícia Federal, acusado de desviar 2 700 munições de diversos calibres de fuzil e pistola. O material foi parar nas mãos de traficantes do Comando Vermelho de Itaboraí, na região metropolitana. O policial chegou a ser condenado a 18 anos de prisão, mas recorreu

Agosto de 2011Outro episódio trágico envolvendo um caveira foi o assassinato da juíza Patrícia Acioly. Horas após a magistrada decretar a prisão de policiais do 7º BPM (São Gonçalo), um grupo da unidade tramou e executou o crime. O tenente-coronel Claudio Luiz Oliveira, que comandava o batalhão, foi preso e condenado a 36 anos como mandante

Julho de 2013O pedreiro Amarildo de Souza foi torturado, morto e seu corpo desapareceu. O major Edson Santos, caveira número 1 de seu curso no Bope, era quem comandava a UPP da Rocinha na época e foi preso. Mês passado, o MP começou a investigar a participação de 14 agentes do Bope na ocultação do cadáver

Outubro de 2013O guarda municipal William Mendes de Oliveira foi capturado por traficantes, torturado na frente da família e executado com centenas de tiros dentro do Complexo da Maré. Um policial do Bope é o principal suspeito de ter recebido 50 000 reais para revelar a identidade do informante que vinha filmando a movimentação dos criminosos para a própria tropa de elite e para militares do Exército

Junho de 2015Policiais do Bope fazem uma operação no Morro de São Carlos. Dois mototaxistas são executados e jogados numa mata no alto da favela. Moradores protestam ateando fogo a ônibus nas ruas. Semanas mais tarde, o entregador de pizza Rafael Neris, de 23 anos, é morto numa outra ação do Bope, desta vez no vizinho Morro da Coroa. Moradores voltam a protestar, agora no Palácio Guanabara

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