Para o Ministério Público, recolhimento de adultos usuários de crack é inconstitucional
Tratamento compulsório, defendido pelo prefeito do Rio e pelo Ministério da Saúde, ainda depende de criação de um protocolo de atendimento
A internação compulsória de adultos dependentes de crack, projeto defendido pelo prefeito Eduardo Paes e encampado pelo ministro da Saúde, Alexandre Padilha, tem um longo e complicado percurso até se concretizar. Promotores do Ministério Público do estado do Rio de Janeiro afirmaram, nesta terça-feira, que o recolhimento de maiores de idade usuários de drogas, feito pela prefeitura do Rio, é inconstitucional. Atualmente, funcionários do município realizam operações regulares para retirar os usuários de crack das ruas do Rio.
O procedimento da prefeitura consiste em recolher pessoas próximas a pontos de consumo de crack com auxílio da Polícia Militar. Os recolhidos têm verificados seus antecedentes criminais. Em seguida, são encaminhados a abrigos – que, para o MP, não têm infraestrutura necessária para atender dependentes químicos. Depois de receberem atendimento ambulatorial, todos são liberados, e, no caso dos usuários de drogas, o que se vê é um retorno às cracolândias.
Para o MP, as medidas de remoção compulsória de adultos atualmente não têm fundamento legal, e o município reconheceu isso quando assinou um termo de ajustamento de conduta (TAC), em maio de 2012. Os promotores ressaltam que só é possível privar de liberdade alguem que seja apanhado em flagrante delito ou se há laudos técnicos que comprovem a necessidade de internação. O MP também contesta as averiguações criminais pelas quais o morador de rua passa, o que representa um constrangimento.
O acolhimento e a internação compulsória de menores de idade, instituída por decreto pela prefeitura do Rio, foi um processo mais simples. Afinal, o município tem o dever constitucional de zelar pela infância. E, no caso de menores usuários de crack, é facilmente comprovada a situação de risco para alguém desasistido, sem responsáveis identificados ou com graves problemas de saúde. Com os adultos, apesar de o crack também representar uma ameaça, qualquer ação de restrição de liberdade por parte do poder público pode ser confundida com desrespeito a uma liberdade individual.
O presidente da seccional do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil, Wadih Damous, afirmou ao site de VEJA, na semana passada, que é a favor da criação de uma política de internação compulsória também para adultos. Damous ressaltou que o tema é controverso, mas que não há liberdade absoluta em uma democracia. O desafio dos gestores públicos no momento é exatamente o de combater o crescimento avassalador do crack – entre menores e adultos – e formular políticas que permitam, de fato, tratar os usuários, principalmente aqueles que perderam a capacidade de decidir, em função do alto grau de dependência.
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O termo de ajustamento de conduta que prevê o acolhimento de pessoas maiores de idade estabelece que isso seja feito por assistentes sociais, respeitando o direito de ir e vir e garantindo a integridade de pertences pessoais e documentos. No caso de usuários de drogas, a abordagem tem que ser feita por equipes da secretaria de saúde. “A política de atendimento à população de rua tem que ser afastada da abordagem policial. Nossa impressão é de que, com as operações de Choque de Ordem, o problema foi encarado como algo da área da segurança pública, e não da assistência social”, disse Rogério Pacheco Alves, da Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa da Cidadania.
Segundo a promotora Anabelle Macedo Silva, da 3ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva da Saúde, a internação involuntária tem que ser feita em casos excepcionais e depois de as possibilidades de tratamento ambulatoriais terem se esgotado. Para a internação, segundo o MP, é preciso haver autorização de um médico. Nos locais para o tratamento de dependentes, tem de existir a preocupação na reinserção social do usuário e os serviços médicos, desde assistência social a terapias ocupacionais. E, nesse aspecto, outra particularidade do crack torna a política pública de tratamento ainda mais complexa. Especialistas ouvidos pelo site de VEJA afirmam que, no caso de dependentes de crack, é impossível obter sucesso no tratamento apenas com atendimento ambulatorial, pois os usuários sempre voltam a consumir a droga, hoje oferecida em centenas de pontos das grandes cidades.
No dia 11 de dezembro, o MP fará uma audiência pública com o tema “Cuidado e resgate aos usuários de crack em situação de rua”. Serão convidados autoridades do governo municipal do Rio, pesquisadores da área de saúde mental e entidades da sociedade civil para debater e aprimorar o acolhimento dos moradores de rua usuários de crack. O objetivo do MP é, ao fim do encontro, elaborar um protocolo de atendimento e um cronograma para a ampliação da rede de saúde mental. “Há deficiência na rede de atendimento para as pessoas em situação de drogadição. A demanda do MP é para que haja uma expansão dessa rede para situações de dependência da droga”, disse Anabella.
Até o momento, a promotora considera a abordagem de rua “limitada” e “apressada”. Segundo Rogério Pacheco Alves, a cidade não tem um levantamento sobre as pessoas moradoras de rua e as estimativas de usuários de crack que vivem em cracolândias são baseadas no “chute”.
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